O início

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Quando Augusto Torres avistou o carro disparado em sua direção, sabia que não conseguiria desviar a tempo. Numa fração de segundos, o Honda CR-V atingiu a frente de seu Sandero, girando o mundo em 360 graus. Nos instantes que preencheram a lacuna entre o estrondo da colisão e a perda da consciência, o garoto só conseguia pensar em como seus sonhos se despedaçavam em um milhão de cacos, tão frágeis quanto os vidros que explodiam ao seu redor.

O início

Naquele ano, o mês de março trouxe para Augusto muito mais do que a mudança de estação. O jovem paulista tinha toda a vida pela frente quando completou dezoito anos. Ele sempre fora uma exceção aos garotos da sua idade. Suas metas para o futuro vinham em primeiro lugar, dificilmente aceitando distrações passageiras como festas e bebida alcoólica. Ele era um atleta, jogador de futebol amador, decidido a se profissionalizar e viver do que mais gostava de fazer: jogar bola.

Até o acidente.

Foi na fatídica noite paulistana de sexta-feira, dia 20, que tudo ocorreu. A chegada do vento frio de outono anunciava que o tempo mudaria, mas o que mudou naquela noite foi muito além do clima. Augusto sofrera uma grave lesão na medula espinhal, acima dos quadris.

Primeiro veio a perda da consciência, o socorro, a ambulância, o hospital. Depois veio a internação, a explicação do ocorrido e a descoberta da lesão.

— Isso significa que não andarei mais? ̶ as palavras saíram sufocadas, entrecortadas e sussurradas pelos lábios descorados do garoto.

Até mesmo o médico perdeu as palavras. Por mais acostumado que estivesse com situações como esta, destruir os sonhos de um garoto de apenas dezoito anos lhe partia o coração em dezenas de pedaços.

— As chances de que isso aconteça são altas ̶ disse o Doutor com cautela, escolhendo as palavras com cuidado. — Entretanto, não podemos menosprezar a possibilidade de cura.

Augusto assentiu de forma automática, pois as palavras ainda não haviam sido decodificadas pela sua mente. Aquilo não poderia ser real, sentia estar preso em seu pior pesadelo, justamente aquele que jamais poderia ocorrer em sua vida.

O médico pediu licença para se retirar, deixando o paciente a sós com a família. Seus pais seguraram, cada um, uma das mãos de seu filho, que deixava as lágrimas rolarem pela face, enquanto fixava os olhos para baixo, fitando as pernas inertes. O estado de choque era devastador.

Roseli, sua mãe, lutava contra as lágrimas, franzindo o rosto em uma careta. Não poderia desabar ali, na frente do filho. Precisava juntar todos os resquícios de força e de esperança, por mais que sua alma estivesse em frangalhos.

— Augusto, querido... Eu tenho fé ̶ o pai disse com a voz firme, encorajando-o como sempre fez.

Mas palavra alguma poderia arrancar o jovem de seu transe. Negação. Era tudo o que conseguia pensar.

Por que com ele? Por que justamente ele, que sempre havia se comportado, nunca havia sido irresponsável, nem no trânsito nem em lugar algum, e apenas queria realizar seu sonho? O sonho que batalhava desde muito novo, trocando qualquer momento de lazer pelos treinos? Como a vida podia ser tão injusta tirando isso dele?

Não havia explicação.

Augusto sentiu ódio. Ódio da vida, ódio de si mesmo, ódio do mundo. Não queria falar, não queria ver os amigos, não queria conversar com os pais. Só queria chorar sua dor, sabendo que jamais se conformaria com tal situação.

Março foi igualmente angustiante para os pais do garoto. Roseli e Eduardo travavam suas próprias batalhas internas. Rezavam todos os dias pela melhora do filho, mas não aceitavam viver uma ilusão. Sabiam que talvez ele jamais se curasse. Sabiam que, se o filho não voltasse a andar, seu sonho estaria totalmente destruído. Contudo, nem por isso deixavam de incentivar Augusto tanto quanto conseguiam.

— Eu tenho fé em você, filho... E tenho fé em Deus.

A frase virou uma espécie de mantra. Quando a mãe não dizia, o pai entoava. Às vezes, até mesmo seus amigos diziam quando o visitavam no hospital.

Se sei algo sobre a fé, é que ela contagia.

Depois de um tempo, Augusto voltou a sorrir. Seu rosto estava mais magro, deixando a expressão cansada. Os cabelos negros haviam perdido o brilho e suas olheiras eram roxas e marcadas sob olhos castanhos que passavam noites em claro. Apesar da mudança física, ainda era um rapaz bonito. Quando sorria, seus olhos se iluminavam com um brilho que lembrava o reflexo do sol sobre as águas de um lago. Era um brilho intenso, vívido, ansioso pela vida.

Disposto a lutar.

É difícil imaginar o contraste de um campo de futebol, repleto de grama verde e emoldurado pelo céu azul, com as paredes de um quarto branco e inóspito. Sempre igual. Sempre sem cor. Também é custoso imaginar um atleta acostumado a jogar futebol por horas a fio aprisionado em uma cama de hospital. Uma mudança tão dura e cruel quanto a vida poderia ser.

As folhas caídas do outonoOnde histórias criam vida. Descubra agora