Outro mundo

98 5 0
                                    

Uma imprecação escapou de modo inevitável de sua garganta enquanto ele caminhava pelo corredor da base. A falta de costume com a gravidade da Terra o deixava ligeiramente trôpego. Era como se ele não suportasse o peso do próprio corpo. O ar que ele não respirava havia quase quinze anos lhe causava certo mal estar. Ele não teve tanta dificuldade ao se adaptar às condições de Maveth. Mas se readaptar as condições da Terra vinha lhe causando alguns transtornos.

Porém, ele tinha de deixar o quarto e tentar se recuperar. Enquanto caminhava, a tonteira constantemente o assaltava. E quando parava, o sono ameaçava lhe consumir por inteiro. Ele passava muito tempo dormindo.

Já havia perdido quatorze anos de sua vida. Agora que estava de volta à Terra, perdia um pouco mais cada vez que a inconsciência o derrotava e lhe fazia dormir por dez horas de maneira ininterrupta.

Era compreensível, afinal. Jemma havia lhe alertado acerca da lógica deficiência de vitaminas em seu organismo. Ele não se alimentava bem há mais de uma década.

Will caminhou um pouco mais pelos corredores em busca da bioquímica. Mas ela não estava em nenhum lugar ao alcance de seus olhos. Ele recebia olhares inquietos e nada discretos de vários agentes que pareciam encará-lo como uma aberração, um intruso que veio do espaço, uma anomalia temporal. Deu a sorte de não avistar Lance Hunter. Aquele agente parecia aniquilá-lo com os olhos por nenhum motivo aparente – ou que fosse de sua compreensão. Ao passar pelo laboratório, divisou os contornos de Fitz. O cara que havia lhe trazido de volta à Terra contra todas as expectativas A mente brilhante que, até onde ele ficou sabendo, havia construído metade das coisas que havia naquela base.

Will pensou em entrar no laboratório para conversar com o engenheiro, mas ele parecia ocupado, demasiado compenetrado no que quer que estivesse fazendo. Aparentemente estava construindo uma peça fundamental. Deveria se tratar de alguma ferramenta de funcionalidade indispensável... Quando o engenheiro ergueu a suposta ferramenta e o astronauta recém-chegado à Terra se deu conta de que se tratava de uma mão sintética muito similar à humana, ele decidiu que aquele tour pela base havia sido suficiente e, com o estômago embrulhado, resolveu retornar ao quarto.

No caminho, cruzou com Melinda May, a quem ele já havia sido apresentado.

— Hey! May, certo? Viu a Jemma por aí?

— Não! – ela disse, categórica, sem interromper seus passos para dar atenção a Will. Simplesmente prosseguiu, nem mesmo dirigindo o olhar a ele.

O astronauta estacou a observando.

Por que as pessoas pareciam tão irritadas com sua presença naquela base era um mistério a ser desvendado. O que ele tinha certeza, no entanto, é que se tratavam de razões diferentes.

Will sacudiu a cabeça, espantando aqueles pensamentos para longe e dirigiu-se ao seu leito. Ao abrir a porta, surpreendeu-se com a presença de Jemma, portando um jaleco e o cabelo preso em um rabo de cavalo no alto da cabeça, ela observava uma lista de tarefas escrita em uma caligrafia que soava amadora, deposta sobre um criado-mudo.

— Hey, doutora! – ele disse de modo a capturar sua atenção.

— Hey – Jemma respondeu com um sorriso contido e que pareceu melancólico. Decerto, ela não vinha dando ares de estar muito feliz nos últimos dias – o que é isso?

— Uma lista de coisas com as quais preciso me atualizar. Sabe... Ficar séculos sem escrever faz com que você perca um pouco a prática. Minha letra não costumava ser tão ruim.

Ela assentiu, ainda sorrindo.

— Você, por acaso, não encontrou meu colar...? Sabe, aquele que a minha avó me deu?

EntremeiosOnde histórias criam vida. Descubra agora