PRÓLOGO

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Mal podia acreditar! Após tanto tempo, finalmente havia se permitido descansar, mas como já esperava, não sabia como aproveitar.

Estava na Xácara, da qual era proprietária, sozinha. Não havia planejado estar só naqueles momentos de relaxamento, mas os meteorologistas foram enfáticos. Por milagre havia conseguido chegar antes da tormenta. Sua família atrasaria e não sabia por quanto tempo. Até lá teria que aproveitar a residência que possuía cinco quartos, sendo duas suítes, sala de estar, de jantar, cozinha, ala infantil e mais dois banheiros amplos, na mais completa solidão. Havia um casal que tomava conta da residência, porém haviam partido havia dois dias devido a problemas de saúde na família e só regressariam em uma semana. Enfim, teria de espera-los.

Não era de beber, mas ao explorar a casa que há tanto não visitava, encontrara um bom vinho e decidira aproveitá-lo.

Devido a tempestade que já acontecia desde sua chegada, a poucas horas, não havia estabilidade elétrica e tudo o que podia fazer era esperar.

Já estava anoitecendo, acendeu alguns candelabros tentando manter um pouco de luz enquanto se recostava, com o vinho, em uma de suas poltronas favoritas, defronte a janela principal da sala. Ali podia contemplar o balançar das folhagens em árvores próximas e as gotas de chuva que, do céu as atingia, amparando a queda no solo. As observava atentamente, sua imaginação parecia fazer com que aquelas gotas, que no início eram finas e leves, fossem sendo alteradas para algo mais pesaroso a cada investida que faziam na folhagem. Enquanto observava, mantinha o semblante sisudo. Por um momento, uma gota de chuva lançada na janela deslizou-a desde seu ápice ao parapeito, parecendo dividi-la em duas. Observando mais atentamente, pôde ver seu reflexo, assim como a janela, se dividindo e se deformando.

Suspirou, elevando a face e colocando a taça de vinho sobre um criado mudo próximo. Ao fazê-lo sem olhar, sentiu que havia apoiado em algo não tão sólido quanto a superfície de uma mesa seria. Fitou o apoio e notou que havia um bloco com uma caneta próxima, que serviria para anotações. Tirou-lhe a taça e folheou-o, reparando que não havia nenhuma anotação. Mas o que poderia ser aquilo? Não havia anotações, mas uma pequena marca arredondada parecia ferir a brancura da primeira folha de papel. Ao perceber que a marca era avermelhada, sorriu tremulantemente percebendo que havia caído da taça de vinho que havia deposto de sobre ele. Aquilo parecia lembrar-lhe algo, mas também, como poderia esquecer? Por mais que tentasse enterrar as lembranças da juventude, elas reapareciam e a faziam sentir-se ambígua.

Seus lábios tremiam, não pela temperatura do ambiente, mas pelo conflito de emoções que lhe percorriam como a linha imaginária da gravidade – desde sua cabeça aos seus pés. Por um momento sentiu-se zonza, com palpitações, febril e a enxaqueca. Ah, a enxaqueca! Uma velha conhecida... Recostou-se mais na poltrona, pousando o bloco de anotações em seu colo e massageou lentamente as têmporas, enquanto cerrava os olhos. Porém, um relâmpago a sobressaltou, fazendo tudo clarear e logo o trovão explodiu no ambiente. Abriu rapidamente os olhos, no susto, e o bloco caiu no tapete persa que cobria o chão da sala. O ambiente, um pouco mais escurecido, ainda lhe proporcionava visão suficiente para observar o bloco ao chão. Não o pegou de instante. De modo mais sério o observava e, vez ou outra, relâmpagos o iluminavam mais. Parecia que a marca de vinho, que manchava a brancura do papel, se deformava, ficando maior, fazendo com que sua imaginação vagasse em órbita constante. Podia muito bem se lembrar do momento em que viveu uma situação em que uma marca de lágrima vermelha escorreu de si.

Um relâmpago tão estrondoso quanto o primeiro lhe tirou do devaneio.

Bem, não havia muito o que fazer naquele início de noite sabatina e a sala estava com uma iluminação aceitável. Suspirou novamente, desta vez com um sorriso nostálgico, pegou a caneta e, como há muito não fazia, decidiu escrever. Com certeza, isso poderia relaxá-la e poderia passar o tempo de forma tranquila. Mas não se tratava de uma escrita qualquer! Seriam em versos e, por meio deles, relembraria aqueles anos que se passaram e a afastaram de tais mais uma vez. Virou a folha marcada e começou. A juventude de Isabel havia retornado!

***


A MARCA DE UMA PÁGINA [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora