No inverno, não são raros os dias em que, embora ensolarados, faça frio. Se olhar para cima, verá esparsas nuvens, que podem ser contadas nos dedos de uma mão, a flutuar pacificamente, cruzando o firmamento. É como se aquelas nuvens, brancas como leite, estivessem declarando que "os assuntos mundanos são problemas dos humanos", enquanto prosseguem vagarosamente a seu destino, seja este qual for.
Eu odeio tais dias. Odeio, pois sinto como se a natureza estivesse caçoando de mim. Contudo, justamente por odiá-los, numa tentativa de pelo contrário, caçoar de tais dias, eu costumava sair com Satoshi.
Aquele dia não foi exceção. Decidimos fazer uma viagem de um dia só até o lago Kawaguchi.
Dentro do ônibus, passei a viagem toda escutando a playlist que o Satoshi havia preparado justamente para esse dia.
Plugamos o fone de ouvido em seu celular, eu trouxe uma das pontas à minha orelha direita; ele levou a outra à esquerda. Nosso passatempo era o mesmo. Apreciar música. Além disso, nosso gosto musical era basicamente igual. Nesse dia, Satoshi me apresentou uma canção que eu ainda não conhecia. A música se chamava "Zattou", que significa "Tumulto" e era de uma banda chamada "Sakanaction".
— Takeshi, escuta só. Nessa letra tem uma parte muito boa! — ele disse. Olha, olha, é agora! É de arrepiar! — acrescentou.
Eu esperei calado.
♪ Sempre procurando pelos fragmentos invisíveis do amanhã,
os dias que desaparecem e ficam invisíveis continuam;
E eu acabo desesperadamente tentando preencher com algo,
as brechas do meu coração e os espaços vazios. ♪A música não era ruim, mas particularmente não senti arrepios nem nada. Contudo, ao ver o rosto de Satoshi — que me fitava ansioso por uma reação — a fim de alegrá-lo, eu sorri e acenei com a cabeça.
***
Ao descer do ônibus, o clima mudou drasticamente. Ele não notara, contudo eu que cresci no interior logo me dei conta. Num piscar de olhos, o céu que até então estava limpo, repentinamente fica nublado e, tênues nuvens que mais se assemelhavam a uma fina névoa, pairavam e vagavam ao redor do pico do monte Fuji.
Enquanto eu estava boquiaberto observando o céu, Satoshi se preparava para atravessar a rua, visto que o sinal acabara de ficar verde.
Como se eu estivesse prestes a ser engolido pela beleza do cenário que vislumbrava, senti que o mundo, por um instante — e um só mero instante — caiu em silêncio.
Embora, parando para pensar, aquilo não fora uma oportunidade para apreciar o esplendor deste mundo, e sim quiçá um aviso do até então desconhecido e lamentável destino que estava à nossa espera.
Tal como um relâmpago vindo do nada, repentinamente, com um guincho metálico, um carro desgovernado apareceu e vinha em direção ao Satoshi.
"Desse jeito, o Satoshi vai ser atropelado!". Com isso em minha cabeça eu tentei ir ao seu resgate, porém não consegui mover meu corpo imprestável sequer um milímetro. Não querendo presenciar o acidente, mas sem forças para fugir do local, eu soltei um grito de fraqueza, e fechei meus olhos com força.
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Nuvens a vagar
Short StoryUma viagem para a região dos lagos no sopé do monte Fuji tem um fim trágico. Ou será que tem?