— Ai, que dor!
subitamente, minha cabeça começou a doer. Logo a dor ficou insuportável, tudo que estava visível a minha frente passou a parecer intangível. Fiquei tonto e pensei que perderia a consciência. Mas a tontura logo passou e nesse instante, finalmente ficou claro que tudo o que via diante de meus olhos era um sonho. Estava preso em um sonho lúcido, ou deveria dizer um pesadelo lúcido? Tentei acessar minhas memórias mas senti como se elas tivessem sido escondidas nos confins de minha alma, dentro de um baú, do qual perdera a chave. Agora o sonho se assemelhava a uma foto em sépia: todo o cenário em meu campo de visão perdera seu lustre e tornara-se quase monocromático. Fui acometido por um dolorido pesar. Ao olhar pra cima, o que separava o cinza do céu e o das nuvens era apenas seus respectivos contornos.
— É apenas um sonho! disse a mim mesmo – E se é apenas um sonho, eu posso despertar a qualquer momento.
E enquanto dizia isso, repeti incontáveis vezes o processo de fechar meus olhos com força e abri-los em seguida. Não consegui acordar.
"Por que estou aqui agora? Onde estou? Por que raios pulo de um sonho para outro? Para quem devo fazer essas perguntas? Onde está o Satoshi...?"
Ao tentar pensar sobre esta última questão, tal como se uma venda que cobria meus olhos fosse retirada, tudo ficou claro como a luz do dia. Como se a parede de uma barragem que represava um gigante lago repentinamente desaparecesse, minhas memórias e sentimentos tornaram-se enxurrada e submergiram minha mente e coração. Senti como se estivesse me afogando dentro de mim mesmo.
Tudo o que vi no sonho não estava distante do que aconteceu de fato. Eu ter ido ao lago Kawaguchi com Satoshi foi algo que realmente ocorreu. Tomar café da manhã com Satoshi daquela forma é algo que era frequente. Mas a realidade que acompanhava essa conclusão era aterrorizante. Aquele episódio do carro desgovernado realmente aconteceu. Mas, quem foi atropelado, foi....
A fim de resolver esse profundo enigma, (ou quiçá dele fugir) corri desenfreadamente. Corri desenfreadamente pelo caminho pelas trilhas dentre os campos de rosa silvestres, agora acinzentados. Enquanto via as pétalas das flores espargidas naquela trilha, pude ver meus próprios sentimentos, desordenados e dispersos. E não foi só o cenário ao meu redor, eu também perdi minhas cores. Não importava o quanto corresse, tinha a sensação de que não progredia. Perdi o equilíbrio, o solo se desprendeu, macio. Corria sobre um carpete, e ele me puxava para trás tão quanto eu tentava avançar. Meu próprio sonho obstruia minha passagem. Atravessei o campo florido só depois de um esforço hercúleo e me encontrei à beira de uma ravina. "Se eu pular, antes de chegar ao fundo, devo acordar".
Mas e se por acaso, isso não for um sonho? Não é de se surpreender que, à beira de um precipício, a sensação de realidade se reforçasse. Até porque se não for um sonho, isso significaria o meu fim. Foi aí que a realização de era um beco sem saída, me veio como um relâmpago em dia ensolarado, destruindo a harmonia da calmaria. Minha mente era um campo de batalha. "Desisto?" e "Tomo coragem?", cavaleiros carregando a bandeira de cada uma dessas duas facções batalhavam. Caos.
Independente do que escolhesse, se o que lembrei for verdade, então o Satoshi... O Satoshi está...
Eu pulei. De uma vez. Se não fosse por causa do pressentimento temeroso que me assolava, provavelmente teria sentido, livre de quaisquer amarras: uma liberdade sem precedentes.
Fechei os olhos, esperei pelo fim.
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Nuvens a vagar
Short StoryUma viagem para a região dos lagos no sopé do monte Fuji tem um fim trágico. Ou será que tem?