Minha mãe, absolutamente do nada, parecia ter assinado um contrato vitalício de fazer compras somente naquele supermercado. Ou, talvez, eu nunca tivesse parado para prestar atenção nisso. E, afinal de contas, era quase Natal e essa data significava a família inteira em casa.
Lá estava eu indo ao supermercado de novo, no dia 22, para comprar leite condensado (que esqueceram de comprar para fazer a sobremesa). E depois no dia 23, também, quando uma parte da família chegou de surpresa e faltou carne para todos. E no dia 24, para comprar as coisas para a ceia e o almoço do dia seguinte.
E, em todas as vezes que fui, Bruno estava lá: ou com piadas sem graça, ou com comentários inapropriados, ou só sendo estúpido mesmo.
Contudo, o que eu percebi foi que ele não tinha a mesma confiança do dia em que nos conhecemos. O ar convencido havia simplesmente evaporado e eu havia assumido o posto de presunçosa da relação amigável.
O Natal passou rápido, cheio e atribulado, porque havia dezoito pessoas em casa. Uns 9 deles eram parentes que surgiam apenas em época de festas e depois sumiam de novo. Fominhas.
Então, com dezoito pessoas em uma casa com três banheiros, era lógico que alguma tragédia iria acontecer. E aconteceu. No dia 26 de dezembro, de manhãzinha, Viviane me acordou com expressão que só consegui traduzir como puro pânico.
"Mãe, o que aconteceu?" perguntei assustada, já jogando o lençol para o lado, levantando-me do colchão no quarto dos meus pais.
"Uma coisa horrível."
"Que coisa horrível? A casa tá pegando fogo? Mãe, cadê o Spark? Salva o Spark!" gritei, já começando a correr atrás do meu cachorro.
"Não! A casa está bem," afirmou quando eu já tinha a mão na maçaneta da porta. Meu coração pulava dentro do meu peito em pânico.
"Ué, então o que aconteceu? O cano furou? Queimou a torradeira? Acabou a água?"
"Não! Acabou o papel nos três banheiros! Imagina quando as pessoas começarem a acordar e forem usar e..."
"Mãe, se acalma," falei, mas ela continuava balbuciando suas palavras dramáticas. "Mãe!"
"Seu pai continua dormindo, eu preciso fazer as torradas para dar tempo de ter para todos... Não sei o que fazer, Carol!"
"E a solução foi me acordar desse jeito? Quase me matando com um ataque do coração?"
"Você precisava entender a gravidade da situação, senão você nem levantaria da cama. Vai lá no mercado comprar três pacotes de papel para mim, por favor. Ainda bem que eles abrem mais cedo que o normal," suspirou.
*
Era 7h39 quando eu cheguei no supermercado. Vi Bruno de longe e acenei, mas recebi somente um meneio de cabeça em resposta.
Estranho.
Peguei uma cesta e coloquei os três pacotes rapidamente, mas fiquei enrolando e passeando por outros corredores para ver se o loiro aparecia, como sempre fazia. Mas nada. Nem sinal. Necas.
Fiquei realmente confusa, porque no último dia que o vi, não discutimos ou brigamos. Inclusive, no dia 24, Kammers foi bem fofo ajudando-me com a minha parte da lista e até empurrou o carrinho para mim, com o preço (in)justo de eu ter que ouvir todas as péssimas piadas que ele havia colecionado até esse dia.
Um colecionador de piadas ruins.
O nível de amizade em que eu cheguei.
Amizade que, aparentemente, havia morrido, porque fui prontamente ignorada quando alcancei o garoto arrumando uma prateleira de produtos de higiene pessoal. Sem "oi" em resposta, sem cócegas na barriga em resposta, sem olhar em meu rosto em resposta.
Grosso e mal-educado.
Saí de perto, magoada, e fui ao caixa pagar os papéis, tentando manter minha expressão serena.
Quando já estava fora do estabelecimento, arrumando as sacolas em minha mão, senti alguém segurar minha mão. O meu primeiro impulso foi virar em modo defesa, pronta para jogar a sacola na cabeça da pessoa e sair correndo. Mas era Bruno Kammers, a pessoa mais estranha que eu conheci.
Sem dizer uma palavra, entregou-me um bilhete, beijou minha testa e saiu, deixando-me com borboletas na barriga e confusão nos pensamentos.
Voltei para casa o mais rápido que consegui; minha mente imersa em curiosidade. Mal consegui distinguir o portão de minha casa com todas as teorias, todas as perguntas tomando o espaço em minha cabeça. Fui até a cozinha, joguei as sacolas no balcão e nem esperei para ouvir o "obrigada" de minha mãe.
Tranquei-me no banheiro mais próximo e abri o papel.
"Olá, Princesa Maria Carolina. Você me daria a honra de tomar sorvete comigo hoje, às 14 horas, na sorveteria da esquina do supermercado?
Por favor, apareça lá!"
VOCÊ ESTÁ LENDO
89 Dias & Uma Carta
Short StoryA história de amor de Maria Carolina, com direito a ser chamada de princesa, estava escondida na pior estação do ano: o verão. 3550 palavras de acordo com o Wattpad.