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"Não me culpe pela demora, eu troquei de roupa várias vezes."

A primeira troca foi porque a calça e a camiseta eram muito quentes. A segunda, porque Bruno já havia me visto com aquele mesmo macacão florido e eu queria que fosse algo especial. A terceira opção foi a que agradou a mim e minha mãe: um vestido azul antigo, mas que ainda me vestia bem.

"Achei que tinha levado o bolo da primeira garota que eu chamo para um encontro," Bruno respondeu, levantando-se para me cumprimentar. Outro beijo na testa.

"Eu não perderia a chance de ganhar mais beijos na testa," falei, puxando um banco para mim e ele sorriu tímido. Situação engraçada para a imagem mental que eu tinha do garoto.

"Você não quer que eu beije sua testa?" o garoto de camiseta vermelha perguntou desviando o olhar para a lista de sabores de sorvete pendurada na parede atrás de onde eu estava sentada.

"Mas isso é exatamente o oposto do que eu falei."

"Você falou brincando. Se você não quiser, pode falar," afirmou, sorrindo falsamente.

"Brinquei com as palavras, mas não com a mensagem, ok? Eu quero beijos na testa. Eu gosto dos seus beijos na minha testa," segurei sua mão. "Assim está melhor para você entender?"

Era desconfortável ver Bruno tão deslocado, tão diferente da pessoa que se ofereceu para abrir meu refrigerante. Não que eu não quisesse lidar com uma pessoa insegura, só era estranho vê-lo dessa forma, como se no dia em que nos conhecemos ele fosse uma outra pessoa.

"Bem melhor," sorriu mostrando o aparelho fixo nos dentes branquíssimos. "Já escolheu que sorvete vai querer?"

"Quero uma taça com sorvete de abacaxi e cobertura de caramelo," respondi sem pestanejar.

"Abacaxi? Você é a única pessoa que gosta de sorvete de abacaxi, louca."

"O que eu posso fazer se as pessoas só gostam do que é comum?" questionei, erguendo uma sobrancelha.

"Certamente você é bastante incomum, princesa Maria."

"Não!" reclamei. "Não me chama só de Maria. Pode ser Carol, ou até mesmo Maria Carolina, mas Maria, não."

E, dessa forma, passamos a tarde, juntos; com brincadeiras, conversas e segredos. Bruno confidenciou-me assuntos tão íntimos que eu sentia como se nos conhecêssemos desde sempre. 

Quando o loiro me levou para casa, ergui-me nas pontas dos pés e dei-lhe um beijo na bochecha, transformando Bruno em um tomate vermelho.


*


Duas semanas depois, eu o pedi em namoro no meio do supermercado lotado. Ele aceitou na hora, mas nos beijamos de verdade somente alguns dias depois do evento. Eu quis esperar pela atitude dele, então por quase uma semana tive que apenas imaginar como seria.

E foi perfeito, quando nós dois nos sentimos prontos.

Contudo, a cada dia que passava, eu o via mais diferente. Mais melancólico, mais hesitante, mais sombrio. O verão de pessoa que ele era parecia estar lentamente se transformando em um rigoroso inverno.

Devo dizer que eu esforcei-me, realmente, para mantê-lo bem. Mas, apesar de tudo, eu não tinha muita experiência de vida com 15 anos, por mais madura que eu fosse. Nós dois afundávamos e não havia nada ao meu alcance que pudesse reverter isso.

O ano novo passamos separados, cada um em sua própria casa, mas nos falamos pelo telefone no momento da virada. Por telefone! O único adolescente de 17 anos que não queria um celular por vontade própria era meu namorado.

Quando fizemos um mês de namoro, meus pais nos levaram em um restaurante e jantamos sozinhos, em uma mesa separada da deles. Foi incrível e eu me senti mais adulta que nunca. Já no segundo, Bruno preferiu passarmos em minha casa, comendo pizza — eu deveria ter notado que algo estava muito errado, porque meu namorado odiava pizza.

É simples assim, quando acontece conosco... Apenas não percebemos. Esperamos que é só uma tristeza boba, que vai passar. Ou, ainda, acreditamos que sabemos todos os profundos segredos das pessoas. Eu, pelo menos, acreditei. Mas claramente estava errada.

Tentei não deixar toda a negatividade afetar nosso namoro, mas era difícil. Era difícil, porque tudo o que eu dizia não surtia efeito algum, nenhuma de minhas palavras parecia ser o suficiente para animá-lo. Eu sentia-me fracassando comigo mesma, com ele e com o nosso relacionamento.

Por semanas, fomos a psicólogos diferentes, porque eu sabia que a ajuda profissional era necessária. Porém, não foi o suficiente.

Porque, 275 dias atrás, último dia de verão, recebi uma carta.

Foi então que perdi Bruno Kammers.

89 Dias & Uma CartaOnde histórias criam vida. Descubra agora