Ághata Goder

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Sabe, tem dias em que você olha para trás e pensa: Será que estou pronto para tudo que me espera? Será que vou ser capaz de deixar tudo que conheço e embarcar rumo ao desconhecido? Essas não são as perguntas mais fáceis de se responder, principalmente quando você tem mais de um sonho... O tempo é uma incógnita nisso tudo. Muitos dizem para esquecer o passado, e viver o presente, mas não é tão simples assim. Eu creio que o passado exerce forte influência na vida em que vivemos hoje. É como um imã, que nos mantém perto daquilo que nos atrai, daquilo que sempre fez parte de nós. De certa forma, o passado, presente e futuro são o mesmo, ou seja, um só... Uma só chance de viver em um propósito. Então cada um escolhe a maneira que quer viver, mas sempre tendo consciência de que cada ação, cada escolha tem uma consequência.
Você já deve estar começando a se cansar dessas palavras, mas para mim elas são tudo o que eu tenho agora... Ontem eu estive em um funeral, mas não em qualquer funeral... Era o da única pessoa que eu tinha por mim, e agora estava finalmente partindo. Faziam quatro meses que minha mãe estava em tratamento para leucemia. Ela era forte, lutou até quando podia, até esgotar suas forças, e enfim partiu para a eternidade. Meu pai havia nos abandonado há 10 anos, mas sempre esteve presente pra mim... Talvez por eu ser sua única filha, já que seus filhos da outra família eram todos homens. Eu não tinha nada contra ele, mas nas raras vezes que ia visitá-lo sentia que não era bem vinda. E agora eu teria que morar com ele, com pessoas que eu jamais imaginei conviver um dia... Isso significava um adeus a minha melhor amiga, Jennet, e um adeus a tudo que eu conhecia... Meu primeiro namorado que agora era ex, veio se despedir com um abraço e um beijo no rosto. Jennet preferiu não vir, e eu sabia porque... E entendia que ela não merecia ficar ainda mais triste, então deixei apenas uma carta de despedida em nosso santuário: uma árvore próximo ao riacho que cortava nosso município, aqui mesmo no Brasil e enfim fui ao aeroporto de São Paulo, e embarquei no avião rumo aos Estados Unidos, mais especificamente em NY. Durante o vôo as lembranças de toda minha infância, e adolescência vieram como um flashback, que se mostrou em uma lágrima descendo em meu rosto rapidamente amparada pelo dedo do meu pai e me acariciou o rosto.
- Filha, vai ficar tudo bem, eu prometo. Sei que você tinha uma vida, amigos que talvez nunca sejam substituídos mas eu garanto que vou tentar ser um pai melhor do que eu já fui esses anos todos.
Ághata apenas o olhou e sorriu. Ela havia mudado. Aquela garota que falava pelos cotovelos quando estava com a mãe, ou com os amigos, agora estava totalmente calada... E adormeceu no colo de seu pai, com as lembranças de sua mãe...

Queria ter controle sobre a vida... Quem não quer não é?!... Não é tão fácil assim, como você deve estar pensando. Essa provavelmente foi a viagem mais difícil que eu já fiz, e agora um novo mundo se descortinava a medida que o avião avançava sobre as paisagens. Para meu azar, é época de inverno em Nova York, o que significa neve e frio. Antes de descermos do avião, meu pai me deu dois casacos pois a temperatura não estava de brincadeira lá fora.
Estava sentada em um banco quando fui abordada por um jovem, que aparentava ter uns 19 anos. Como eu tinha total domínio do inglês, não foi difícil entender o que ele falava.
- Você... Ele não terminou mas me olhava de um jeito estranho.
- Sim, eu. - Emendei, me constrangendo quando ele sorriu pra mim.
"Que sorriso" eu pensei quando ele apenas se virou e acenou com a mão o que eu entendi como um sinal de despedida. Aquele momento foi apenas uma amostra do que estava por vir.
- O que tem de errado com as pessoas daqui? - perguntei a meu pai, enquanto esperávamos alguém em um banco do terminal.
- O que quer dizer?
Ele perguntou, mas logo entendeu o motivo da minha observação.
- Bom, você em breve vai se acostumar com tudo aqui. Espero que não tenha tanta dificuldade como eu tive quando vim pra cá.

Ághata novamente apenas o encarou e baixou a cabeça. Em sua mente, vieram as lembranças de sua antiga escola, seus amigos, seu antigo namorado e Jennet. Como ela deveria estar agora, pensava Ághata quando foi despertada por uma buzina. Quando levantou a cabeça viu uma limousine e logo em seguida um senhor, provavelmente um dos empregados de seu pai. Davis Gales era dono de uma firma de imóveis bastante requisitada em vários lugares, e daí vinha toda explicação pelo fato de ele ter tanto dinheiro.
Ao pararem em frente a uma enorme mansão, Ághata lembrou-se da última vez que estivera alí, à 5 ou 6 anos. Ela estava tensa... Sempre ficava tensa diante de situações que a deixavam temerosa. Aquela casa não era exatamente o melhor lugar do mundo, pensava ela.
Ao entrar todos a esperavam ansiosamente. Assim que ela colocou os pés dentro da casa, todos deram as boas vindas e voltaram a seus afazeres. De alguma forma, ela sentiu que aquela saudação foi algo planejado, e não algo espontâneo como deve ser normalmente.
Ao subir as escadas ela passou por um corredor e lá estava seu quarto. Ao abrir a porta chegou a se assustar com a mobília do lugar: Tinha uma cama enorme, um closet enorme e um espelho que tomava toda a parede de um dos lados. Ao abrir a janela tinha uma incrível vista para as montanhas.
- Bom, espero que você fique bem filha. Agora preciso me arrumar para uma reunião de negócios, mas logo estarei de volta. Mais tarde conversamos a respeito de seus estudos. - Disse Davis saindo logo em seguida.
Ághata entrou e fechou a porta.
" Se vou mesmo passar o resto de minha vida aqui, vou pelo menos ajustar esse espaço a mim" pensou consigo mesma.
Ao abrir sua mala, se deparou com dois quadros que ela nem se lembrava mais. Um era dela com sua mãe e o outro era dela com seus amigos, e lá estava Jennet. Colocou ambos sobre uma cômoda que tinha lá. Já ia se preparando para guardar suas roupas quando se surpreendeu ao abrir seu closet e ver que lá havia bem mais roupas do que ela provavelmente compraria em um ano. Eram quase 11 horas quando ela tomava banho e alguém bate a porta. Era seu pai lhe chamando.
Ao abrir eis o motivo. Ele havia lhe comprado um novo celular, de última geração. Ela agradeceu e fechou a porta, pois ainda faltava organizar umas coisas em seu closet.
Aquilo tudo era demais para ela. Ághata se sentia sufocada em meio a tanta coisa. Em sua vida toda, ela sempre fora feliz com pouco pois tinha tudo que poderia fazê-la feliz: amigos e uma mãe maravilhosa.
Quando viu que já eram 12 horas desceu e novamente teve outra surpresa: Não havia ninguém sentado a mesa de jantar. Quando perguntou a um dos empregados ela soube que eles estavam em seus quartos e que já haviam almoçado.
Ela ia se dirigindo a cozinha quando os empregados interviram.
- Sente-se querida, vamos lhe servir. - Falou uma das empregadas que se chamava Anastácia.
- Na verdade, não precisa, mas obrigada. - Ela disse, e na mesma hora aquilo despertou curiosidade em todos os que ali estavam. Todos ficaram olhando ela colocando sua própria comida, como que esperando alguma ordem dela para prontamente atender.
Quando terminou ela sentou-se e viu que nesse momento os empregados se dirigiram a cozinha e após uns minutos, foram sentar na varanda. Ághata sentia-se estranha, comendo sozinha naquela mesma enorme. Então tomou uma atitude.
De repente, os empregados foram surpreendidos pela inesperada aparição dela na varanda.
- O que deseja senhorita? Algo que não gostou na comida? - Todos perguntaram ansiosos pra que ela respondesse logo.
- Calma, calma. - Ela falou entre risos, se divertindo naquele embaraço. - Eu estou bem e a comida está divina. Só não queria comer sozinha e pelo que percebi vocês são bem animados. Então vim comer aqui com vocês.

Ághata contou toda sua história, desde sua antiga vida, até a morte de sua mãe. Ficou feliz por poder compartilhar isso com mais alguém. Os empregados também começaram a falar como era a vida naquela casa, como era a rotina, a pedido de Ághata. Anastácia se mostrou a mais empolgada em conversar com ela, e logo as duas já estavam conversando como se fossem amigas antigas. Naquele momento, Ághata percebeu de certa forma como seria sua nova vida, e tinha medo dessa conclusão em que havia chegado.
Na hora de lavar a louça, novamente os empregados são surpreendidos pela vinda de Ághata, que se oferece prontamente para ajudar. Enquanto estão trabalhando juntos, eles nem percebem que estão sendo observados por Justin, o filho mais velho de Davis.
Até que ele resolve quebrar aquele silêncio.
- Quer dizer que a caipira gosta de trabalhar, não é mesmo?... - Ele fala ironicamente.
- Com licença, está falando comigo? Pergunta Ághata.
- Claro. Até mesmo esses inúteis aí vieram de lugares melhores. - Ele fala se referindo aos empregados.
Ághata apenas o encara seriamente e sem falar nada, pega o prato que ele estava na mão, se vira e vai em direção a pia.
- Nossa, além de tudo, é lerda você. Esses caipiras são realmente estranhos. Parece até que não tem cérebro.
- Olha, como é mesmo seu nome?
Fala Ághata.
- Justin. Mas pra qualquer um, eu sou um desconhecido ok? Não quero que me vejam com alguém como você.
- Tá certo Justin. Apenas díga-me: O que você estava fazendo antes de vir pra cá?
- Pra que você quer saber?
- Apenas diga.
- Estava assistindo um filme, com meus irmãos. Porquê?
- Qual filme?
Aquilo já estava deixando-o irritado
- Não interessa, mas com certeza é um filme que você não está acostumada, lá na sua fazenda, sei lá. Enfim, é isso aí. Fazemos isso todo domingo, coisa de família, coisa que pra vocês que vivem em fim de mundo, é como se reunir em volta de uma fogueira e cantar músicas sem sentido.
- Ótimo, se era um filme tão bom, porque você ainda está aqui, perdendo seu tempo? Ághata fala deixando Justin desconcertado.
- Essa casa é minha! Aliás, você mal chegou e já quer mandar? Você não é melhor que esses empregados. Fica na sua que é melhor. - Fala ele enfurecido.
- Você quem sabe.
Ao falar isso, ela volta ao que estava fazendo e ignora totalmente a presença dele. Justin apenas observa e volta para seu quarto. Seu olhar estava mudado, um misto de raiva e mistério.
A primeira semana ia ser a mais fácil. Seu pai ainda ia procurar uma escola para ela. Isso não a estava preocupando no momento. Ághata agora tinha um problema dentro de sua própria casa. "Como conviver com alguém tão arrogante?" Pensava ela. Provavelmente uma vida cercada de riqueza, e o fato dos pais não imporem regras o tornou assim. Ághata não havia rebatido nenhum deboche dele, mas doía ouvir cada palavra que ele lançava contra ela. Mais tarde, em seu quarto, ela pegou seu celular e pensou em ligar para Jennet, só que lembrou-se que não tinha o número dela salvo em seu novo celular. Nesse momento ela se via novamente em seu pesadelo: o de ficar só, e era o que estava acontecendo. Naquela casa era cada um por sí, ninguém tinha aquela sinceridade com os demais, era meio que uma simpatia forçada. Então em meio a um mar de pensamentos, ela adormeceu em sua cama...

As encruzilhadas da amizadeOnde histórias criam vida. Descubra agora