Capítulo 1 - Fim ou Começo?

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   Numa tarde chuvosa de Maio pedalava bastante animada para mais um dia de aula (não que eu fosse um exemplo de aluna estudiosa, mas havia motivação extra). Ouvi então um barulho alto e ensurdecedor, foi tudo tão rápido e confuso...

   E lá estavam todos.

   O barulho das buzinas, o xingamento dos motoristas irritados, parecia que a escola em peso resolveu ir para a rua, literalmente nada passava.

  Uma bicicleta toda retorcida (faltava um pneu) estava largada no chão, inclusive a minha bike era semelhante em tudo, tinha até o mesmo coelhinho alado de pelúcia amarrado no guidão.

  Resolvi me aproximar e olhar mais de perto, jamais havia visto tamanha comoção de pessoas (e também queria chegar próximo do Gabriel que estava bem no centro de toda aquela confusão de gente). Foi engraçado pois mesmo com a desorganização presente eu consegui andar sem esbarrar em ninguém. Logo reparei que poderia ter sido um acidente e fui ainda mais rápido (sempre amei coisas bizarras, seria minha primeira oportunidade de ver uma pessoa possivelmente morta na realidade e não apenas por fotos).....porém.....

O CORPO CAÍDO NO CHÃO ERA PARECIDO COM O MEU.....MAS COMO PODERIA....EU AINDA ESTAVA VIVA (não é?)

  Eu corri até o Gabriel (nunca senti tanto medo) comecei a falar com ele desesperada e nem ao menos consegui um pouco de atenção, seus olhos estavam vidrados e catatônicos naquele corpo. O rosto perfeito, que eu amava, estava sujo de sangue (e aparentemente miolos... sei lá, era uma coisa cinza e eu sempre dormi nas aulas de Biologia). Perdi o controle e tentei balançar ele, mas foi ineficaz já que minhas mãos passavam por dentro de seu corpo. O medo aumentou!

  Num relapso de momento acabei olhando o rosto do corpo que estava ali (não podia ser eu, eu estava viva), me senti um pouco aliviada quando vi uma mistura frenética de cabelos com um bolo de carne esquisita e outras coisas no lugar onde deveria estar a cabeça (foi um atropelamento muito bizarro mesmo, chega a ser excitante, muito melhor que ver fotos na DeepWeb...e era "ao vivo") porém logo aquela animação esquisita foi embora, muito próximo do corpo tinha um brinco, NÃO QUALQUER BRINCO....era o que meu pai confeccionou exclusivamente e me presenteou quando fiz 13 anos (meu tesouro, era único no mundo, meu orgulho).

EU ERA AQUELA PESSOA MORTA....EU ESTAVA MESMO MORTA....

 Sentei ali no asfalto da pista, igual ao Gabriel...e também fiquei catatônica.

 Aquele momento pareceu atemporal. Nos segundos em que todas as pessoas presentes (alguns que eu nunca conhecí) observavam meu corpo o sentimento de vergonha crescia em mim, sentia que toda e qualquer dignidade um dia protegida era violada naquele instante por malditos olhos curiosos. O pessoal da sorveteria na esquina, da padaria entre outros comércios próximos aparentemente tiraram uma microfolga no intuito de me prestigiarem da pior forma possível.

 A sessão de fotos havia começado (na época de selfies e Facebook é impossível evitar), nem nos meus melhores dias tive tantos cliques mas fui salva de humilhação maior por minha carrasca - Diretora Helena. Não se passou muito tempo até que ela abrisse o portão da escola soltando fogo pelas ventas e gritando com Deus e o mundo para que os estranhos fossem embora (ameaçando processar e todos sabiam que ela era mulher de cumprir as promessas) e que os alunos entrassem o mais rápido possível, pelo menos até que os órgãos responsáveis e meus pais chegassem para resolverem o que deveria seria feito. Já tinha uns 50 anos, era esguia e usava aquelas roupas que dava um ar aristocrata: paletós femininos combinando com saias até os joelhos. Seus cabelos acinzentados (mesma cor dos olhos) não estavam tão arrumados como de costume, nunca tinha a visto daquele jeito. Quando todos entraram ficou apenas a nossa Stalin na rua (tal alcunha era segredo entre os estudantes) e a chuva voltou a cair forte. Difícil dizer se eram lágrimas ou apenas água escorrendo por seu pálido rosto enquanto usava o único guarda-chuva que possuía para proteger o que restou de mim naquele asfalto.

Logo meus pais chegaram, junto com a ambulância ou algo do tipo, não consegui ficar vendo o sofrimento deles e resolvi entrar na escola indo direto para o banheiro. Eu sempre me escondia ali quando as coisas complicavam. 

Era mesmo verdade, espíritos não aparecem em espelhos...mas as indagações principais que não me abandonavam foram: por qual motivo eu morri? O que realmente aconteceu?

Eu ainda ponderava sobre o assunto quando as duas pessoas que eu menos prezava na vida entraram no banheiro - as alunas Munique e Gisele. Aquelas meninas gostavam de fazer o possível para me humilhar (também tinham interesse no Gabriel, diziam ser esse o motivo). Com tanta coisa acontecendo (não era normal estar morta e a morte era diferente de tudo que imaginei, eu era boa menina, pensei que quando tal dia chegasse já iria direto para o Céu)havia me esquecido completamente delas....erro inadmissível.

Elas olhavam algo no celular e riam muito, eu suspeitei a razão mas não quis acreditar...quando cheguei próximo confirmei o provável: a massa misturada de carne, cabelos e coisas estranhas que um dia foi minha cabeça era o motivo das risadas...e estavam compartilhando a foto não só para os alunos daquele lugar...estavam mandando a imagem pavorosa para todos da região, o título era "FINALMENTE A VACA VIROU CARNE MOÍDA KKKKKK #aindabemquenaocomemosbovinas #quemaisvacasmorraoparasermosliberadascedo #morteasbovinas".

Nunca senti tanta repulsa, entendo a maldade humana, mas assim....aquilo era podre demais! Eu fiquei zonza de tanta raiva e a ira crescia, a cada segundo ampliava. Olhava para elas e desejava poder arrancar aqueles olhos malditos que viam graça na minha humilhação! Quando eu menos esperava os dois celulares explodiram na mão delas, o espelho enorme na parede rachou de lado a lado e todas as portas começaram a abrir e fechar sozinhas.

EU ESTAVA GOSTANDO DAQUILO (que Deus me perdoe)!

Elas ficaram apavoradas e tentaram sem êxito abrir a porta para sair. Com a força do meu pensamento (somada ao que eu sentia naquele momento) consegui fechar os trincos e manter desse modo. FOI INCRÍVEL! As duas correram gritando para parede oposta e se abraçaram. Percebi que as mãos delas estavam detonadas (provavelmente não sentiam a dor pois o medo era maior, "questão de sobrevivência") passei minhas mãos no sangue que saia dos ferimentos delas e escrevi na porta algo que eu sempre quis falar mas tinha medo enquanto estava viva (eu apanhava se me opusesse às "brincadeiras inocentes"): 

              "VOU ACABAR COM VOCÊS"

Ver as "princesinhas" se mijando sem controle e tremendo enquanto gritavam histericamente até caírem desmaiadas não teve preço. 

Até que estar morta poderia ter seu lado interessante.... Resolvi sair daquele banheiro. 



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⏰ Last updated: Apr 09, 2017 ⏰

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O Fantasma de Esthér AgostiniWhere stories live. Discover now