Prólogo

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O som gotejante sobre poças indicava que uma chuva havia passado por ali, mas era apenas sangue.
Mesmo as poças não eram de água, mas de um líquido espesso em vermelho. Restos de tecido, carne, urina, fezes e tecido viscoso misturavam-se  sobre o chão. Algo havia acontecido ali, e a paisagem mostrava total terror. Corpos jogados para todos os lados. E o estado deles, era o que de fato aterrorizava. Mutilados, de todas as formas possíveis. Tripas espalhadas e jogadas por todo lado, tronco separado do quadril, braços e pernas decepados. Crânios esmagados, tórax destruído. O odor pútrido da morte era mais que o suficiente para fazer qualquer um vomitar.

Os corpos estavam espalhados desde uma enorme antessala, passando por um corredor de 3 metros por 2 de altura. As paredes e parte do teto desse corredor estavam ao chão, entulhos para todo lado, alguns sobre corpos de algum infeliz. Ao fim desse corredor, uma nova sala e essa também decorada com restos mortais. Em um dos cantos dessa, um cofre grande e robusto, com a porta de metal escancarada e torcida. Em frente a ela, talvez o causador de tal desgraça. O ambiente não havia luz o suficiente para que qualquer um visse aquele ser, apenas uma suave silhueta que distinguia-se na escuridão. Estava completamente curvada, talvez ajoelhada. Ombros largos. Seja o que for, era completamente robusta e amedrontadora. A fraca luz vinda dos buracos na parede no corredor, parecia de alguma forma reluzir naquela silhueta.

Soluços quebraram a harmonia gotejante, alguém em grande dor e sofrimento tentava respirar. Sua tentativa logo fora notada pela silhueta na escuridão, e os olhos que fitaram o pobre coitado, em seus últimos momentos de vida, foram assustadores. Talvez pela escuridão do local, ou por ele estar perto da morte. Mas aqueles olhos brilharam na penumbra em um vermelho vivo, em contraste com toda ela, aqueles olhos destacavam-se.

  — D-D-Demônio! — a voz soou fraca e sem força.

Ele tentava se mexer, fugir, mas não conseguia mover suas pernas e seus braços não tinham força. Ele apenas arranhava o chão em uma tentativa inútil. Sua respiração falhou, e engasgou-se com o próprio sangue, tossindo. Seu corpo não tinha mais dor, mas não respondia aos seus comandos. Ele foi obrigado a olhar para si mesmo e encarar o estrago. Sua barriga estava aberta, rasgada junto a roupa de couro e pedaços de metal de alguma armadura improvisada. Seus intestinos misturavam-se sobre seu quadril, sujando sua calça. Suas pernas estavam tortas, e dobradas de formas não naturais. Seu próprio braço direito estava da mesma forma, com seu antebraço esmagado como se tivesse sido prensado por algo pesado e forte. Aquilo acendeu o desespero em seu peito e sua respiração ficou cada vez mais irregular.
Ele estava acelerando sua morte, e tudo graças ao medo. A visão que tivera de si e daquela criatura que chamava de demônio, fora o suficiente para que o desespero tomasse seu corpo. O coração descompassado pulsasse, bombeando mais sangue, sangue que vazava por lugares que não imaginou que era posssível. Sua garganta inundava-se com ele, e engasgava, sempre parando para tossir e vomitar. Mas não soltava comida, ou restos de um almoço farto. Apenas sangue, líquido e viscoso, com restos do interior do seu corpo que escapava pela simples força de botar para fora. O medo da morte tirou a cor dos olhos do homem, que não devia ter mais de 20 anos. Ele não podia chorar, não conseguia sentir dor ou mesmo se mexer. Apenas podia encarar a morte iminente. Não sabia o que era pior, morrer afogado no próprio sangue ou atacado por aquele demônio. 

Ele praguejou e sentiu inveja. Inveja daqueles mortos ao seu lado, inveja por eles terem morrido de uma vez e não acordando como ele. Ele queria ter tido aquela sorte de simplesmente morrer. Amaldiçoou seus ex-companheiros, agora mortos, por terem tido essa sorte e ele não.

E o que parecia impossível, ficou ainda mais aterrorizador. A criatura pareceu se mover, ainda mantendo-se na penumbra. É difícil saber se ela ligava em aparecer ou não. Uma voz rasgada, grave, beirando o bestial escapou pela boca repleta de dentes negros, que cintilaram com a pouca luz.

  — Não estar aqui. — rosnou e continuou. — Onde a pedra estar?

Seja o que for, aquela criatura parecia ter o mínimo de inteligência e isso fora retratado em sua maneira rústica de falar. E o homem não soube se estranhava, achava engraçado ou o fato daquela criatura ser pensante torná-la ainda mais perigosa. Ele não percebeu, mas havia urinado e se cagado naquele momento. Seus órgãos começavam a falhar, e a incontinência foi um dos primeiros sinais.

  — Eu perguntar. Você responder. — e a criatura insistiu, esperando uma resposta.

E a resposta não veio. O homem tentou falar, buscar forças para formular algum som, mas não era possível. A criatura rosnou e então rugiu. E seu rugido fora o suficiente para fazer seu coração bater mais rápido, como um sopro revigorante de vida. Ou talvez o medo havia lhe dado forças.

  — E-E-Eu... n-não sei... — lutava para não engasgar, cuspindo sangue. — ... p-por fa-favor...

O pedido de clemência fora ignorado pelo demônio, que se levantou. E os olhos do homem acompanharam os olhos vermelhos que pareciam nunca parar de subir. Era apenas a impressão do moribundo. Os olhos pararam próximos ao teto e a silhueta parecia muito curvada para frente. Seja o que for, esse demônio era imenso, muito mais alto que os dois metros de altura. Ele acompanhou aquela besta caminhar e o seus passos ecoarem. Era pesado. E conforme aproximava-se da luz, seu corpo era tamanho que fazia sombra sobre o homem. A cada novo passo da besta, a visão do moribundo perdia o foco e nem em seus últimos segundos fora capaz de identificar o que era aquela besta. Seus olhos fecharam-se e o corpo pendeu para o lado, caindo já sem vida.

[CONTO] Balaur e a Gema do Dragão [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora