Ela foi empurrada para dentro da sala de paredes cinzas e obrigada a se sentar um uma cadeira preta, extremamente desconfortável, em frente a uma mesa de metal. As algemas a machucavam, mas o horror de estar ali era maior do que a dor. Não transparecia essa emoção, continuava com uma aparecia gélida e de superioridade. O homem se sentou na cadeira em sua frente, lhe lançou a frase pra qual ela já havia treinado responder diversas vezes:
- Eloisa Fernandez Gaucci, você tem o direito de ficar calada. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal, será assegurada assistência familiar e um advogado do Estado caso você não consiga arcar com um. Você entende seus direitos? -Diz o homem de terno, com rosto magro e sobrancelhas grossas. - Porém será mais fácil se você confessar, podemos fazer um acordo.
- Não tenho nada pra confessar -Diz o mais confiante que pode.
- É uma vagabunda mesmo, você é culpada por varias mortes, sua consciência não pesa não? -Ele fala sem demonstrar exaltação.
- Tenho o direito de uma ligação- Se mantém contida.
- Você acha que eles vão se dar o trabalho de te tirar daqui? Você sabe que eles não buscam ninguém na cadeia -Fala ironicamente. - Vai ter que usar advogado da defensoria, acha que eles vão se empenhar pra te livrar? -Ele ri.
Ela fica em silencio, sabe que discutir aqui não a levaria a nada. O homem então levanta e sai da sala. Ela o observa, espera que ele volte para lhe dar o direito do telefonema, mas treme ao pensar que ele possa ter razão: "Eles não buscam ninguém na cadeia". Será? Não poderiam renega-la, eles precisavam dela. Ele volta rapidamente e agarra seu braço, ela mantém o corpo firme, enquanto ele a guia bruscamente ao telefone fixo que tem na parede exterior a sala, pega em seus pulsos com violência e retira a algema com uma pequena chave.
Ela pensa rapidamente no numero. Disca, o telefone chama, chama, chama e ninguém atende. Seu corpo gela, como se um vento interno passasse desde o pé até a nuca. O medo a domina.
Ela levanta seus olhos e mira o rosto do policial, é claro seu prazer nesta situação. Não poderia deixa-lo vencer, ela encosta o telefone na base e liga, desta vez, uma diferente sequencia de números.
- Alo? -Uma voz fraca e fina soa na outra linha.
- Oi, Henriqu.. -É interrompida.
- Lola! Você ta bem? Onde você ta?
- Estou bem, eu preciso que você fale com o Gregorio, diga a ele que estou... -Suas palavras saem baixas e fracas- No antro. -Ela fala temerosa.
- Tudo bem Lola, então você não vem pra casa hoje...
- Me desculpe Rique, não posso. -Um som estridente ocorre ao seu lado, o choque da palma da mão do policial com a parede ao lado do telefone proporciona um frio que passa em sua espinha. "Não deveria estar com medo, fui treinada pra isso" pensa Lola. Antes de concluir seu pensamento o telefone é arrancado de sua mão e vai de encontro a base.
- Imagino que essa conversa tenha chegado ao fim. -Diz o homem rispidamente.
Ela é levada a sala novamente, sabe que só podem a manter por 48 horas já que não houve nada em flagrante. Pensa em como chegaram ao seu nome e seu sangue ferve enquanto sua imaginação flutua para modos de tortura, alguns inclusive já realizados por ela.
As horas se passam e ela continua imersa no silencio das paredes cinzas. Não consegue ouvir nada que venha de fora, e continua na sala, sem saber qual será seu destino. Pensa em Henrique e sente um nó em seu estomago. Lembra da ultima vez que se sentiu assim, sem rumo, com uma angustia transpassando seu peito: Quando era pequena, seu pai batendo em sua mãe, o sangue escorrendo entre os olhos dela, jorrando de sua cabeça, Henrique no berço improvisado, de papelões e lençóis, aos berros, lembra dos "donos do morro" entrando em sua casa, levando seu pai a força, pegando-a nos braços. Adelino, ou Del, o dono do morro dessa época, lhe ensinou tudo que sabe, lhe ensinou valores. Pensa em como seria bom ter ele ali para salva-la outra vez, mas ele estava morto. A expectativa de vida nesse ramo era baixa. Isso sem contar as prisões. Não é justo, ela é mais policial para aquele morro do que qualquer policial da zona sul.
Lembra quando entrou no ramo, apenas sete anos e já ajudava Del nas bocas de trafico. Mas ele nunca a deixou entrar nesse mundo, as drogas eram pra zona sul. Lembra-se de quando inventou seu cargo, teve a ideia, já que era muito ativa na comunidade, de que se fossem a justiça pro morro, os moradores colaborariam muito mais com o trafico. Virou toda e qualquer assistência que a favela tinha. Foi e é muito respeitada por isso, herdou a presidência após a morte de Del. E agora estava ali, sem poder ser a assistência nem para seu irmãozinho.
Aquela mulher qual as mãos já havia tirado tantas vidas a sangue frio, temia agora, pelo seu moro, por seu irmão e por último por sua vida. E sem sair do seus devaneios, viu uma mão branca com compridos dedos e curtas unhas, abrindo a porta. Teve a sensação de ser uma ilusão até aparecer uma silhueta entrando pela porta. Levantou seu olhar e observou.
Uma mulher linda e séria parada em sua frente. Seus cabelos pretos brilhavam azuladamente até onde se acabavam em um coque rente a nuca, tinha uma franja desgrenhada sob a testa. Era branca com leves sardas, olhos grandes, amendoados e pretos, e um nariz empinado. A boca era com certeza a parte mais tentadora da dona desse rosto, uma boca vermelha e carnuda, que fazia todos os outros lábios parecerem pertencentes de defuntos. Era baixa, e magra mas mesmo sendo vista de frente era perceptível que possuía lindas curvas. Trajava um terninho que permitia um decote de se salivar. Lola ficou tão presa a essa figura que por segundos esqueceu porque estava ali.
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Algemadas (Romance lésbico)
RomanceArt. 121. Matar alguem: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta pr...