Século XVIII
Essa era sem dúvida nenhuma a noite mais longa da minha vida, eu senti as gotas de suor escorrerem pelo meu corpo, geladas, eriçando-me. Minha respiração a cada tic-tac do relógio encontra-se mais acelerada. Pela janela com grades eu consegui ver as pessoas circulando por todos os lados.
A maldita sexta-feira era aclamada pelas pessoas cut de Nova Orleans, eram nessas noites que um espetáculo especial acontecia no teatro. Isso era uma febre. Apesar de não gostar nem um pouco desse tipo de evento, eu queria estar no meio deles, circulando para discretamente me alimentar daquele banquete, mas era justamente por isso que eu me encontrava trancado agora.
O sangue. A fome insaciável. A sede. A adrenalina nas veias. Tudo isso era mais forte do que eu. Muito mais forte.
Quando se escolhe ser imortal, tem que aceitar as consequências e viver com isso. Eu não tinha ideia de como seria quando disse 'sim', apenas fiz a escolha que achei melhor, e no final, tudo se resume as nossas escolhas.
— Estou bem agora. — Falo em voz alta.
— Você disse isso há duas horas atrás Derek — Ela responde-me parando na soleira da porta. —, e quando eu lhe disse 'não', se lembra do você que me falou em seguida? — Ela calou-se, esperando provavelmente minha resposta, que não veio. Novamente abriu a boca. — Você disse-me: "Sua magia vai enfraquecer e quando estiver fraca, eu vou sair desse buraco e tomar todo o seu sangue doce. E eu não deixarei nenhuma gota."
Permaneci sério e calado, mas algo dentro de mim queria gargalhar bem alto, algo que só de imaginar o sangue dela jorrando na minha boca fez minha respiração acelerar.
Levanto-me rapidamente e com um piscar de olhos paro na frente dela. Enfurecido como um animal. Eu teria jogado ela contra a parede, do corredor atrás dela. No entanto a pequena barreira invisível que ela criou me parou, impedindo que eu desse mais um passo. Era extremamente frustrante olhar o sorriso dela se formar naquele momento, enquanto eu estava limitado aquelas paredes escuras do seu porão mofado.
— Eu pouparia forças, estás há muito tempo sem se alimentar.
— Pensei que tinha ouvido bem, quando disse-me enquanto transávamos algumas noites atrás; que devíamos fugir juntos. — Digo-lhe.
Vejo algumas pregas se formarem em sua testa, quando franzi o cenho.
— Vamos Aivy, eu não preciso ficar trancado aqui. — Falo sério.
— Estou fazendo isso por você e por sua família.
Aquela palavra... Família. Ouvir ela era como cutucar uma ferida aberta em mim. Minha família, meu único laço com a humanidade.
Sinto que quero voltar para casa, mas preciso aprender a manter o controle. Perdi isso completamente. Aivy tem razão, eu faço parte do aumento das estatísticas, um aumento significativo nas mortes dessa cidade. Quando me olho no espelho, vejo sangue por todos os lados em mim, mesmo quando ele não está lá, manchando minha pele e minhas roupas, eu ainda o vejo.
— Lhe trouxe algumas folhas e também uma caneta.
— Para quê?
— Para você escrever ao seus familiares — Falou-me serenamente. —, e explicar à eles porque não está lá agora.
De canto de olho vejo ela colocar as folhas no chão e em cima delas uma caneta, com o pé esquerdo ela empurra para dentro do cômodo onde estou.
— Vou dar-lhe um tempo.
Fito o espaço vazio entre a soleira da porta, que ela deixa ao sair. Deito-me, encosto a cabeça no chão e neste momento não começo a pensar na minha mãe. Ela ainda estava viva? Pergunto-me. Eu não tinha a menor ideia. E se não estivesse? Aquilo me deu um arrepio na espinha. Fecho meus olhos, apertando bem forte.
Depois de relutar um pouco pego aquelas folhas, olho para o papel sem saber como começar. Eu tenho que contar tudo? Abrir meu maldito coração? Como? Como eu posso transmitir o que estou sentindo com meras palavras? Eu fito aquelas folhas até que as palavras começaram a surgir...
Querida mãe:
Ao ler essa carta provavelmente dirá que seu filho primogênito enlouqueceu, mas a grande verdade não está muito longe disto. Acredito que esteja preocupada, infelizmente eu sempre fui do tipo problemático. Espero com todo o meu coração que a sua fé tenha trazido resultado, e que esteja viva e melhorando... Eu quero voltar, mas acredito que não posso fazer isso agora, acima de tudo quero que saiba por que partir sem ao menos me despedir de você; eu buscava por ajuda, já não suportava mais sentar ao lado do seu leito e vê-la definhar a cada dia. Confesso que também precisava de algo que me fizesse sentir-me vivo novamente.
Bom, eu encontrei o que procurava, infelizmente não era como eu imaginava. O lugar metafórico e ao mesmo tempo literal onde estou agora é cheio de dor e escuridão, eu morri com o mais sincero significado da palavra. Sou um vampiro, machuco pessoas o tempo todo. Não consigo me controlar, sinto muito, mas sou um monstro agora, não quero machucá-la e com a pouca fé que ainda existe dentro de mim torço para que possa me entender, torço para ter mais uma chance de dizer olhando nos seus olhos o quanto é importante, o quanto te amo.
De alguma forma isso me alivia por dentro, mesmo sabendo que ela nunca irá ler minhas palavras, ainda que esteja viva.
Eu me transformei em um vampiro há pouco mais de um mês, e tudo que fiz desde esse dia vai ficar na minha memória para sempre; nos dias bons e principalmente nos dias ruins, quando tudo estiver pesado demais para ser carregado. É quem eu sou agora.
Tudo que estou sentindo neste exato momento está inflamado por dentro e corrói cada parte de mim, eu sinto muito mais do que já sentia. É como ter meu coração expandido a cada segundo, e ao mesmo tempo esmagado, mas mesmo assim eu voltarei a ter controle. Eu voltarei.
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Nota: Este é um capítulo especial, escrito como presente para vocês que acompanham minha obra DarkBlood. Eu espero que tenham gostado dele, deixem um voto e comentário para mim saber >< rs.
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Making of DarkBlood
Non-Fiction"Os personagens como você nunca viu." Essa não é uma obra de ficção, como o próprio título revela. É apenas um Making of da minha obra DarkBlood. Aqui você vai encontrar brincadeiras que faço no meu blog, com meus personagens. A ideia é que com iss...