Lucio para o carro.
Jamais imaginou alguma vez na vida que pararia o carro em um lugar daqueles, e muito menos que voltaria menos de vinte e quatro horas depois, mas lá estava ele na frente daquela loja com as fantasias estranhas na vitrine, o encarando. Ele sente um calafrio, como se aquelas roupas estivessem lhe jogando na cara que ele não pertence a aquele lugar.
Porém, se ele estava ali é por não saber mais o que fazer. Sua esposa sumira a mais de quatro horas, e ele não tinha mais onde procurar. Quando achou uma mulher chorando na rua por ter sido espancada na bunda por uma "maluca vestida de preto" percebeu que o caso era realmente mais grave do que podia imaginar.
E aquele velho que não quis lhe vender a fantasia podia ser a solução.
Desta vez ele levará a história a sério.
Sua esperança é que ele more no apartamento que fica na parte superior da loja. Ao menos os lojistas antigamente tinham este costume. E o mais importante, que ele esteja disposto a lhe atender no meio da madrugada. Ouve a janela que dá para a rua abrindo, após ele tocar a campainha pela terceira vez.
O velho vendedor põe a cabeça para fora, furioso:
- Mas quem...
E assim que vê Lucio com sua cara assustada o põe para dentro de sua casa e lhe serve um café amargo e forte.
Parece que a situação assim exige. E diz, enquanto Lucio bebe um gole na xícara de porcelana vermelha:
- Eu falei para você não levar a roupa.
As palavras do velho são mais amargas que o café. E bem frias.
- Mas vocês não ouvem os velhos, não é? Irresponsáveis! – conclui o velho.
- Mas senhor, como eu ia saber...
- Ia saber por que eu estava tentando dizer! E o meu filho, aquele imprestável!
Lucio leva a mão até a ferida. O sangramento parou, mas ainda assim sua camisa apresenta uma pequena mancha de sangue. Diz, tão calmamente quanto a situação permite:
- Vou ouvi-lo agora. Por favor, o que está acontecendo? A minha esposa me atacou e saiu por aí, pela noite. E fazendo coisas absurdas, está transando, batendo e sabe mais o que com estranhos.
O velho olha para Lucio, como que estudando o rapaz. Diz:
- Você acredita em demônios?
- Não acreditava até ontem a noite. Mas agora acredito até em Papai Noel.
- Bom. Então me deixe explicar. Existem várias espécies de demônios, por assim dizer. E uma destas espécies são os demônios da luxuria, os inccubus e as succubus.
- Acho que já devo ter ouvido isso em algum livro ou filme de terror. São os que seduzem os homens, não é?
- De certa forma. Há muitos anos um bruxo invocou uma succubus, para seu próprio prazer. O tolo achou que ia conseguir dominá-la. Arg! Os bruxos antigamente eram tão idiotas quando a juventude de hoje!
O velho dá uma cusparada no chão, dá um gole no café e continua:
- Não se domina um demônio. Não entendo de magia negra, mas sei que são necessários objetos especiais para a prisão da criatura. Mas o que bruxos imbecis fazem são desenhos de pentagrama no chão, como se isso fosse servir para algo além de irritar os bichos!
- Como nos filmes!
- Sim. O que mostra que os cineastas são tão ou mais imbecis que os bruxos. Bom, a maioria é jovem. Mas o fato é que o imbecil, após perceber que a magia não seria suficiente, fez alguma coisa que aprisionou o demônio naquela roupa.
- Aquela roupa de couro que eu comprei?
- Exatamente.
Um minuto de silêncio. Lucio bebe o café, tentando assimilar onde aquela conversa vai chegar. O velho parece não ter pressa. Por fim Lucio diz:
- E o que aconteceu?
- O óbvio. A succubus matou o tolo, depois de três dias e noites torturando a pobre alma. Dizem que no final ele estava pura pele e osso, de tanta energia que a besta sugou do tolo. Imbecil!
- E depois?
O velho dá mais um gole no café e prossegue:
- Apesar de tudo, o feitiço deu certo, e a besta ficou aprisionada dentro da roupa. Posteriormente, um grupo de exorcistas conseguiu dominar a fera, adormecendo o espírito maldito dentro da fantasia.
- Deduzo que o senhor fazia parte deste grupo?
O velho não responde. Lucio resolve ir por outro caminho:
- E porque não destruir a roupa?
- Se isso acontecer a succubus estará livre no nosso mundo. Então a solução foi deixa-la adormecida e aprisionada, para algum dia um exorcista competente, no dia certo, no lugar certo, conseguir realizar o ritual que a levará novamente ao inferno. Mas até lá ela deveria ficar aqui, escondida no porão. Realmente não sei como ela foi parar aqui no meio das peças.
- Então tudo se resume a isso? O demônio despertou?
- O contato de sangue humano com a roupa a despertou, com certeza.
- E o que eu faço? Para onde ela vai?
- Ela irá retornar de onde foi invocada. Hoje o antigo casarão do bruxo é uma boate pervertida, por algum lugar aqui no bairro.
- Tudo bem, eu acho que consigo encontrar.
- Se ela conseguir chegar lá e obter o que precisa conseguirá se libertar. E não sei o estrago que uma succubus livre fará.
- E o que ela quer?
- Prazer e pecado.
- E para fazê-la dormir novamente?
O velho bebe o que falta da xícara, encarando seu visitante pela ultima vez:
- Você tem que retirar sua esposa da roupa.
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Marionete
HorrorConto de terror, sobre um rapaz que compra uma roupa de couro para sua esposa, para apimentar a relação, mas de repente os dois percebem que a roupa tem vida própria, e domina o corpo da jovem, partindo pela noite em busca de depravação e perversões.