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Já estava escuro quando eu cheguei em casa. Para ser exato, eram 7:06 da noite. Esquisito, pensei, mesma hora que despertei. Senti um leve arrepio na nuca e olhei para trás, encarando a rua deserta, e sorrindo para alguns gatos que corriam para os becos. Eu tive certeza que estava sendo acompanhado. Senti uma brisa passar por mim e apertei com força a alça da mochila.

Afastei os pensamentos, e apressei o passo. O silêncio no condomínio era quebrado apenas pelos latidos longínquos e os sons de cigarras e carros distantes. Não soube dizer se estava alucinando, ou se realmente tinha ouvido respirações torpes no ar. Não, pensei, não há ninguém ao meu lado.

Abri a porta e respirei fundo ao sentir o aroma dos incensos. Não há nada como nosso lar, nosso canto. No entanto, a calma rapidamente se esvaiu. Ouvi sons vindos do segundo andar, provavelmente do meu quarto. Pensei rapidamente em sair de casa e chamar a polícia, mas logo ouvi uma voz familiar, e o medo se transformou em perplexidade.

— Pedro — a voz chamou entre as fungadas. — Sobe logo. Preciso falar com você.

Amanda? Não entendia a lógica na situação. As únicas chaves daquela porta pertenciam a mim e a minha mãe, mas era segunda, e ela só viria no sábado. Como, diabos, Amanda conseguiu entrar aqui? Mesmo com tamanha interrogação, me senti um pouco mais tranquilo. Aquela velha no ônibus tinha me deixado mais paranoico do que eu já estava. Seja o que for, pelo menos não estou sozinho.

Tirei o tênis, joguei a mochila e o celular no sofá e subi correndo os degraus.

Quando entrei no quarto, Amanda estava andando de um lado para o outro, chorando e discutindo consigo mesma. Seus cabelos estavam molhados, assim como parte de sua roupa; ela parecia uma interna de um manicômio qualquer, e eu nunca havia a visto daquele jeito.

— Amor — eu falei, sem levantar a voz. — O que tá acontecendo?

Ela me olhou. E eu juro, por todos os santos que não existem, o olhar dela ainda está impregnado em mim, como tatuagem, como uma cicatriz que se expande cada vez mais.

— Eu... — ela engoliu saliva e tentou sorrir. — Eu tô bem. Só que nada que você diga vai mudar as coisas, Pedro. — Ela começou a se coçar, até que passou a se arranhar com força. Com aquele casaco largo e aqueles cabelos colados no rosto, eu quase não a reconhecia. — Você tá ouvindo, porra? Não adianta, não adianta, não adianta...

— Ei — eu pulei para seu lado, tentando abraçá-la, mas ela desviou de meu toque, e me lançou um olhar ainda mais perturbador.

— Não encosta em mim! — Ela sussurrou um grito contido.

— Você tá toda molhada, amor — apontei para as roupas. — O que foi isso? Nem chovendo tá.

— Pedro, você não tá entendendo.

— Então fala!

— Eu tô indo embora — ela sorriu, dessa vez sinceramente. — E não adianta tentar me convencer o contrário.

Eu busquei compreender as palavras. Nós estávamos juntos há seis meses e, até onde eu sei, nossa relação estava indo bem. Tentei buscar lá no fundo da memória se eu havia feito algo que motivasse esse lapso, mas não encontrei nada.

— Mas... — as palavras quase não saíram. — Por quê?

Ela resfolegou e sorriu sem vontade.

— Porque tá tudo uma merda! — Os lábios dela tremeram, como uma criança prestes a chorar, e ela levou a mão ao peito, buscando fôlego. — Eu tentei — disse entre lágrimas e soluços. — Deus sabe que eu tentei.

Sobre os OmbrosOnde histórias criam vida. Descubra agora