O passado pode revelar muitas coisas, mas nós a ignoramos

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As raposas não são vistas por aqueles que as querem fazer mau, são cautelosas, elegantes e misteriosas, se você viu uma, parabéns você foi um privilegiado.   
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Era uma tarde de primavera e eu estava passeando pela floresta, sem a preocupação em ser vista, tudo estava indo muito bem até que algo me deteve, um choro baixo e sentido, então fui me aproximando de onde vinha o som e poder ver quem estava chorando, era um garoto, ele estava perto de uma árvore seu rosto estava enterrado nos joelhos deixando o som abafado, e quando o levantou pra respirar ele estava vermelho e lágrimas escorriam de seus olhos. Com cuidado disse:
- Porque está chorando criança?
Ele olhou para mim, e rapidamente seu rosto ficou com um misto de surpresa e espanto e seu choro parou de imediatamente.
- Você fala! - Ele disse.
-  Claro que eu falo, porque não falaria? - Questionei deitando minha cabeça um pouco de lado.
- Bem você é um animal e animais não falam.
Você está certo, mas também não está com medo, se isso acontece com outra pessoa, provavelmente ela sairia correndo, então porque você não corre também?
- Não tenho medo de você, meus pais disseram que eu preciso ser corajoso e forte, então falar com um animal como você não deveria me assustar.
-Uhn, interessante, um humano não ter medo de mim, parece que os tempos mudaram mesmo, mas enfim, você não me respondeu ainda.
- Bem, a minha turma havia saído para fazer uma excursão na floresta, só que eu me perdi deles quando eu estava distraído, agora eu estou aqui.
- Bem, então acho que eu devo ajudá-lo, vou levá-lo até a sua casa.

Aquele garoto era interessante, tinha o sorriso fácil, foi bom eu ter conhecido alguém como ele, é difícil de se encontrar alguém com o seu espírito hoje em dia. Ele me levou até a sua casa, que por acaso ficava ali mesmo na floresta e já estava anoitecendo, mas os vaga-lumes iluminavam o nosso caminho, quando estávamos chegando perto de sua casa eu percebi uma coisa, uma preocupação e tristeza emanava dela, meu pelos se arrepiaram, isso era sinal de que algo estava errado, mas  preferi ignora afinal eram apenas humanos, a porta da frente da grande mansão se abriu e uma mulher apareceu e gritou pelo nome do garoto, o pequeno correu até os seus braços e a abraçou forte, pude sentir o sentimento de alívio.                       

Tudo estava indo bem até que ela percebeu que eu estava lá, rapidamente colocou sua cria atrás de suas costas, seus olhos ficaram vermelhos.                     
- Não se aproxime de meu filho, seu monstro! - Não sabia como reagir, sabia que algo estava errado, eles eram lobisomens.     

- Mamãe, ela me ajudou, ela me acompanhou até aqui. - Seu olhar fulminante se voltou para mim. 

- O que você fez com o meu filho. 

Não precisava de uma segunda deixa, não ficaria ali para ser morta por uma loba raivosa, então sai correndo, mas era tarde, senti a sua fúria atrás mim, eu não iria ser morta ali, não daquela forma. Corri  até o centro da floresta, até a árvore sagrada, ela iria me proteger.

      ____________________________ 14 anos depois. ____________________________


A floresta estava um caos, todos os animais estavam desesperados, o fogo que subia da mansão era imenso, parecia um inferno, eu não sabia o que fazer, todos estavam desesperados querendo salvar as suas vidas, mas o pior não era o fogo ou todos desorientados, eram os gritos... gritos de pessoas, eles viam da mansão em chamas e eu não sabia o que havia acontecido para se iniciar o incêndio, mas algo me dizia que ele tinha vindo de algo ruim.

Depois de algumas horas o corpo de bombeiros havia apagado o fogo, e as notícias não eram animadoras, parece que uma grande família morava naquela casa, quase todos foram mortos, apenas quatro foram salvos, três eram irmãos, estavam fora quando se iniciou o incêndio, e o quarto não sei se chamo de sortudo, eu vi seu corpo ser levado pela ambulância, estava quase todo queimado, não sei o que é pior, viver todo queimado, ou morrer dessa forma dolorosa. Mas eu não podia fazer nada, algo eles fizeram para merecer esse fim, mas não posso julga-los, a minha função é apenas proteger a minha floresta.

Já estava anoitecendo e estava andando pela floresta novamente, algo estava me perturbado, uma presença que não deveria estar lá, chegando perto da árvore sagrada vejo uma figura de costas, pude sentir o ódio, tristeza e saudade emanando dele, seu espírito estava abatido e confuso, me aproximei devagar ficando em cima do tronco do nemeton, caso algo desse errado, teria como me proteger.

- Creio que você seja um daqueles que não estava na mansão quando o incêndio se iniciou. Seus olhos se voltaram para mim, eles estavam azuis, gélidos e frios; sangue inocente já tinha sido derramado por ele, isso significava que ele já havia matado alguém sem culpa, um assassino.
- Você, o que faz aqui? Não preciso de ninguém, seu monstro, principalmente de você, me deixe só.
- Bem já que é isso que você deseja o farei, mas antes tenho algo para te dizer, creio que você procura vingança por aqueles que morreram, sua família, mas não encontrará paz nela, sua alma ficará ainda mais amargurada, o único meio de superar essa dor é tentando esquecê-la.
- O que você sabe de perda? Você é uma simples raposa, um Kitsune talvez, não sei, mas você não entende nada sobre perda!
- Não ouse falar assim comigo criança, você não me conhece! - Me levantei de onde estava. Um vento forte surgiu, balançando os galhos das árvores e levantando as folhas caídas no chão. - Como uma cria de lobisomem poderia falar assim comigo? como você ousa. Antes de eu abandonar o meu corpo humano e me transformar por completo em uma raposa, eu era uma mãe, tinha três filhos, eu os amava e eles eram tudo para mim, mas apareceram monstros que os tiraram de mim então não fale como se eu não soubesse sobre perda e como se me conhecesse. - Não deixaria aquela insolência continuar.

- Então me mate! Me dê o mesmo destino da minha família, só assim terei paz.

Pude ver que suas palavras estavam cheias de dor, me acalmei sentado novamente no tronco.

- Por muito tempo achei que me vingar daqueles que mataram meus filhos fosse a solução, mas não era, quando o último assassino caiu aos meus pés, pude perceber que aquilo não traria os meus filhos de volta, e me matar não seria também a solução, porque não lembraria mais deles, e nunca mais os veria quando fecha-se os meus olhos. - Ele caiu de joelhos e seus olhos começaram a se encher de lágrimas, senti pena daquele pequeno.

- Você é aquele pequeno que se perdeu na floresta a muito tempo, não é? Você mudou. - Seu olhos de voltaram para mim.

- Sim sou eu, mas porque disso agora?

- Você embora tenha mudado fisicamente ainda é a mesmas criança por dentro, não posso fazer muita coisa por você, mas posso te conforta um pouco. - Desci do tronco me aproximei e ele me abraçou, de perto os sentimentos dele eram ainda mais intensos, pude sentir cada dor que ele sofreu ao longo dos anos, ele já tinha sofrido bastante. Depois de uns minutos o abraço se findou, e disse:
- Seu passado foi muito ruim, o seus futuro também, mas te posso lhe falar que se você ficar com a pessoa que lhe ama, todas as suas dores acabaram, seu passado não importará mais e seu futuro será menos amargor, mas um aviso, cuide para ela não se perca dentro de si mesma.

Seus olhos tinham o misto de agradecimento, surpresa e talvez alívio.

- Obrigado! Quando poderia vê-la novamente? 
- Não sei criança, as linhas do destino são difíceis de ler. - Falei indo embora, mas algo me dizia que não demoraria muito tempo.

O xamãOnde histórias criam vida. Descubra agora