O futuro tinha reservado para Nearco um feixe de melhores palmas, uma galhada de louros mais legítimos como tempero de vitória.
O Grêmio Literário Amor ao Saber, instituição recente, seria o verdadeiro teatro dos seus soberbos alcances.
Duas vezes ao mês congregavam-se os amigos das letras, numa das salas de cima; a mesma das lições astronômicas de Aristarco. Havia ainda para iluminar as sessões pedaços de matéria cósmica pelos cantos, esfrangalhada pela análise do mestre. Não quer dizer que merecesse as eternas luminárias da ironia a benemérita associação.
Às suas reuniões comparecia eu timidamente, para nada mais que simplesmente abusar, por excessivo consumo, de um direito dos estatutos: podiam os alunos, todos do Ateneu, em silêncio humilde, mariscar o que fossem deixando os segadores do trigal das literaturas.
Assistente infalível, saia cheio com a retórica espigada, que ia espalmar, prensando no dicionário, conservas de espírito, relíquia inapreciável do Belo.
A dificuldade que encontrava um estudante para forrar-se ao privilégio de gremista, fazia-me mais a fundo venerá-lo.
Nearco não teve o menor embaraço. Entrara para o estabelecimento muito adiantado. Foi imediatamente proposto, aceito e empossado. À primeira sessão, depois do triunfo ao trapézio, tive ocasião de apreciá-lo à ginástica do verbo.
Debatia-se este problema, dos inesgotáveis das agremiações congêneres. Quem foi maior, Alexandre ou César? indagação histórica difícil evidentemente de levar a cabo sem o auxilio da trena.
Nearco arranjou a coisa a olho e distinguiu-se com a esperada galhardia. Falou durante hora e meia com uma fluência que lhe angariava para sempre o epíteto de facundo. Justapôs com o primor de um varejista de fazendas — César sobre Alexandre. César protestou contra a maneira, de barriga para o ar, que nada tinha de artística; além disso espetava-o a armadura de Alexandre. Aquilo faria rir a Pompeu no armário das legendas e a maledicência do senado, comprometendo-se a seriedade secular do homem que foi, viu e venceu... Nearco manteve-o inexoravelmente durante o percurso do paralelo critico. César não podia contar com os legionários do bom tempo; ali esteve a fazer caretas na sujeição inerme, anima vilis dos documentos. Alexandre, que afora o capacete, via-se ainda maiorzinho que o outro, teve mais paciência, deixando-se medir até à peroração, com a boa vontade de um defunto. Venceu com efeito. Nearco proclamou-o magno dos magnos, diversas polegadas maior que o temerário do Rubicon.
O Grêmio esclarecido rejubilou. A discussão encerrou-se, não havendo mais quem falasse. Também havia cinco sessões que eram os pobres guerreiros tratados a metro.
Por este memorável dia arvorou-se Nearco em notabilidade firmada. Esqueceram todos que ele fora matriculado sob o quase compromisso de não dar um passo que não fosse um saltomortal, não descansar senão de pernas para cima em cadeiras equilibradas sobre garrafas, não ter outro recreio que não fosse a corda bamba, por não destoar da percorrida fama. Ficou em olvido a estréia acrobática. O Grêmio Amor ao Saber tomou-o a si, em posse exclusiva, como um orgulho.
Não faltavam, entretanto, poetas, jornalistas, polemistas, romancistas, críticos, folhetinistas. A sociedade tinha o seu órgão, O Grêmio, impresso no Lombaerts, de que podiam ser canudos à vontade os sócios quites e ainda, por maior riqueza de harmonias, os honorários.
Entre os honorários figurava Aristarco, presidente, colaborando sempre no periódico com a transcrição em avulso das máximas de parede, e mandando sempre para a quarta página um anúncio garrafal do Ateneu, que pagava para auxiliar à empresa. Na interessante publicação apareciam quadrinhas místicas do Ribas e sonetos lúbricos do Sanches. Barreto publicava meditações, espécie de harpa do crente em prosa arrebentada.