Vinte e quatro.

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Agora, a pergunta é: que diabo aconteceu depois? Sempre que penso em todo o desastre que foi a morte do Miffy, a história se turva na minha cabeça.

Na terça-feira, fui à casa do Shawn e ele me disse que haveria um jogo importante naquele domingo. Recomeçaram os telefonemas para a Vero, e agora, ao fundo, também era possível ouvir Diana.

Dinah comprou um álbum para colocar suas fotos e, quando as espalhou no chão para arrumá-las na noite de quinta-feira, fui até lá e me sentei para vê-las junto com ela. Havia uma porção de fotos que eu ainda não tinha visto.

Papai saindo do seu furgão depois do trabalho.

A Sra. Cabello dormindo no sofá, uma noite.

Uma pessoa anônima batalhando para andar por nossa rua, no dia daquela chuvarada toda.

E havia, é claro, Lauren e eu, e Vero esmurrando o saco de boxe no porão, e a sequência de quando Miffy morreu. Depois vinham várias fotos de sobras de comida sendo requentadas na cozinha, uma das fotografias de todos nós em épocas diferentes penduradas na parede da sala, e havia até uma foto do Shawn na rua, com sua bolsa do futebol americano, prestes a sair para um jogo.

Notei que a única coisa que faltava era a própria Dinah. Por isso, peguei a câmera de mansinho, ajustei e foco e bati uma foto da minha irmã dispondo todas as fotografias para o álbum. Cortei um pouco o ombro esquerdo dela, mas o principal era que se podia ver a paz no seu rosto e suas mãos tocando as fotos. Ela parecia viva.

Dinah examinou a Polaroid e deu sua aprovação:

- Nada mau.

No sábado seguinte, Lauren me levou à casa dela. O papai tinha tirado o dia de folga, e por isso eu estava livre.

Estava no meio da tarde quando descemos sua rua e cruzamos o portão. Fiquei pensando em por que meu coração estava acelerado quando ela abriu a porta e chamou:

- Mamãe? Você está aí?

Uma senhora veio de um cômodo nos fundos. Lauren me dissera que já não tinha pai. Ele fora embora com outra pessoa, fazia anos.

A senhora olhou para mim e sorriu. Tinha a mesma boca da Lauren e os mesmos olhos verde-mar. Só mais velhos.

- É um prazer conhecê-la, Camila - disse ela.

- Prazer em conhecê-la, Sra. Jauregui.

Ela foi muito amável comigo. Ofereceu-me café e conversou. Fez perguntas. Sobre mim. Sobre minha família. Em algum lugar, no meio disso tudo, percebi que ela estava pensando, Ah, então é você a tal. Eu era aquela que Lauren sabia que amava. Nunca uma sensação melhor viveu dentro de mim.

Um pouco depois, voltamos ao antigo cinema e assistimos a um filme chamado Agonia e êxtase. Foi, sem sombra de dúvida, o melhor filme que eu já tinha visto na vida. Era sobre Michelangelo pintando o teto da Capela Sistina, e como tinha que ficar perfeito, e como ele quase se destruiu no processo de pintá-lo. Pensei em quanto sofrimento ele havia enfrentado, pura e simplesmente porque precisava fazer aquilo. Fiquei sentada ali, assombrada. Isso nunca tinha me acontecido por causa de um filme.

Até quando os créditos passaram correndo pela tela, minha mão apertou a de Lauren e ficamos sentadas, completamente imóveis.

Mas foi só depois que a verdadeira importância daquele dia chegou.

Lauren e eu estávamos na varanda, pouco antes de irmos para a estação, ainda falando sobre o filme. A cidade estava envolta em nuvens e os matizes pálidos da chuva formavam cobertores luzidios em volta dos postes de iluminação.

Fazia quase meia hora que estávamos conversando quando ela perguntou:

- Existe alguma coisa que você já tenha desejado fazer com perfeição?

Concentrei-me na chuva, que começava a cair mais forte, e soube o que eu ia dizer. Aquilo se estendeu por dentro de mim e eu o disse em voz baixa.

- Uma coisa em que eu gostaria de ser perfeita? - Mas, naquele momento, não pude deixar de desviar os olhos. - Amar você - completei. As palavras me subiram à boca. - Eu gostaria de amar você de forma perfeita.

Então esperei pela reação.

Ela veio.

- Camz? - chamou Lauren. - Camila?

Fez-me olhar para ela e vi o sentimento que crescia em seu peito. Levei sua mão à minha boca e a beijei.

- É verdade - insisti, mesmo sabendo que ela acreditava. Aquilo estava dentro de mim e ao meu redor. - O único problema - continuei - é que sou apenas humana. Vou só fazer o melhor possível, está bem?

Lauren assentiu e, apesar de sabermos que ela precisava ir embora, ficamos um bom tempo na varanda, usando a chuva como desculpa. A concha ainda pendia do pescoço dela, mas agora não parecia tão óbvia quanto no começo. Agora parecia que sempre estivera ali.

Na tarde de domingo, chegamos do cais e todos já tinham saído para o jogo do Shawn. Calculei que poderíamos dar um pulo lá mais tarde.

Era só Lauren e eu.

Esperamos.

Conversamos.

Esperamos mais um pouco e, antes do que eu havia pensado, ela me pegou pela mão e fomos para o meu quarto e da minha irmã. Fechamos a porta. Fechamos as cortinas.

Lá dentro, eu me sentei na cama e Lauren se abaixou e tirou os sapatos. Não houve palavras quando se levantou e se aproximou de mim.

Olhando para mim, desabotoou a blusa. Suas mãos foram para as costas e ela abriu o sutiã. A peça caiu no chão e, a seguir, ouvi o botão do jeans se abrindo. Em seguida, o zíper. Ela deu um passo para trás, abaixou o jeans e tirou os pés, o esquerdo primeiro, ligeiro desequilíbrio, depois o direito. A calça ficou no chão e só me restou apreciar Lauren em todo o seu encanto.

Ela ajoelhou sobre mim, tirou minha jaqueta e desabotoou minha camisa de flanela. Suas mãos acariciaram a nudez da minha barriga e subiram por meus braços, e ela tirou minha camiseta. Deixou as unhas deslizarem pela pele do meu pescoço e, bem devagar, elas foram descendo por meu peito, minhas costelas, e voltando para minha barriga.

- Está tudo certo, Camz - sussurrou ela.

Enquanto os arrepios se estendiam pela minha pele, abriu delicadamente minhas calças e as tirou. Os sapatos foram junto, depois as meias. Ficou tudo em uma pilha amontoada perto de nós quando Lauren me fez deitar no chão.

- Está tudo bem - voltou a murmurar.

- Como você pode...

- Shhh...

A voz dela me acalmava, mas eu tinha que terminar a pergunta que ia fazer.

- Como você pode fazer isso comigo, quando outro sujeito bateu em você e a machucou? Como pode suportar ficar nua e me deixar tocá-la?

Lauren parou.

E disse:

- Você é você.

Beijou-me e me tocou e me abraçou. Cobriu-me e deslizou os lábios por meu corpo todo, e nunca senti um quarto girar e se enrolar e se quebrar em ondas como aquele quarto naquele dia.

A garota que eu quero (Camren | Intersexual)Onde histórias criam vida. Descubra agora