Capítulo 5

4 0 0
                                    

CAPÍTULO 5

A missa campal pelo sétimo dia das vítimas do acidente aéreo estava marcada para as dezesseis horas. Uma fina garoa caía embalando a tarde cinzenta desde o meio dia. O local escolhido para a cerimônia foi o Campo de Bagatelle, praça na zona norte da capital paulista com tradição em sediar grandes eventos. No passado, o Vaticano avaliando a infraestrutura e a segurança do Campo de Bagatelle positivamente utilizou o mesmo lugar para a celebração de missa nas visitas de dois papas. Para a presente cerimônia um grande esquema destinado ao controle do trânsito e segurança do perímetro estava em andamento, pois muitas autoridades haviam confirmado presença.

Com a intenção de evitar atrasos, por conta do trânsito normalmente caótico no entorno do local onde aconteceria a missa de sétimo dia, Ramos saiu de casa com bastante antecedência. Mas as diversas manifestações contra a corrupção em andamento pela cidade e alguns acidentes envolvendo motociclistas tornaram o trajeto de vinte quilômetros um desafio, estreitando o tempo até o início da cerimônia. Ele finalmente se aproximava do hotel, onde buscaria seus pais, quando percebeu que estava sendo seguido.

Nas duas quadras seguintes ele forçou a movimentação dos veículos no seu encalço, fazendo pequenas alterações planejadas na direção, para confirmar a suspeita. Eram, pelo menos três veículos. Duas motos e uma van caracterizada como sendo de uma cooperativa que atua no transporte coletivo na cidade. Pela experiência, Ramos descartou a possibilidade de se tratar de criminosos comuns interessados em sequestro relâmpago, roubo de veículo ou assalto. O traçado feito pelos veículos, com alternância de posições e outros procedimentos indicavam domínio da doutrina de inteligência e vigilância. Ramos treinara centenas de agentes para aquele mesmo tipo de operação, sabia onde e como ocorriam os erros mais comuns, o que facilitou a identificação do protocolo em andamento. Não restavam dúvidas: quem o estava seguindo havia recebido treinamento especial e provavelmente planejara uma condição favorável para abordagem.

Se eles quisessem me matar já poderiam ter feito, pois o trânsito para o tempo todo facilitando a abordagem pelas motos! - Pensou Ramos, enquanto pegava discretamente o celular no bolso do paletó.

Após Ramos falar o nome do pai o telefone iniciou a chamada através do comando de voz.

- Filhão!? Cadê você? - atendeu o seu pai, demonstrando impaciência com a proximidade do horário marcado para início da missa.

- Oi pai. Estou resolvendo algumas coisas. Acho que vou me atrasar. O senhor e a mamãe podem ir de táxi, por favor? - disse Ramos sem tirar os olhos dos veículos que o seguiam e colocando sua pistola apoiada entre o banco e a perna, em posição de fácil acesso.

- Está bem meu filho. Nos vemos por lá.

- Ok, pai. Manda um beijo para a mamãe. Amo vocês. Lembranças para a secretária. Até mais.

O pai demorou um pouco para entender o que o filho havia dito.

- Secretária? Mas que secretária?! – resmungou o senhor de cabelos brancos, pele do rosto castigada pelo sol, vestido com um terno preto. Quando guardava o telefone no bolso do paletó ele lembrou do que foi combinado anos atrás com o filho. Na ocasião, Ramos deixou um número de telefone para o qual o pai deveria ligar uma vez a cada oito horas caso ele mandasse " Lembranças para a secretaria". Além disso, existiam lugares e procedimentos pré-determinados de acordo com as mensagens posteriores. Daquele momento em diante, mais do que o aparente transtorno causado pela mudança de planos de última hora, a maior preocupação passou a ser: Lembrar onde foi guardado aquele maldito número.

Ao final da chamada, Ramos abriu a janela do lado do carona e, se aproveitando do momento em que passava muito próximo de um ônibus, arremessou o celular para fora do carro. Depois foi alterando, pouco a pouco, a rota, seguindo em direção à estação da Barra Funda. Era preciso dar tempo e espaço para descobrir quais as intenções daquelas pessoas e também afastá-las do perímetro onde estavam seus pais.

Necrose MoralOnde histórias criam vida. Descubra agora