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  Amy está de cócoras, a poucos centímetros de mim. Não há mais constrangimento agora; ela urina no chão sem pudores. Observo o fio fino de urina que escorre nos azulejos; minúsculas gotinhas batem e voltam,atingindo seus tênis sujos. Há algumas semanas eu viraria o rosto diante de uma cena dessas, mas não agora.A urina dela serpenteia devagar pelo chão e desce até chegar à poça de dejetos que se formou na parte mais funda. Estou vidrado em seu progresso,mas finalmente as últimas gotas desaparecem e a distração acaba. Amy volta para o seu canto. Nenhum pedido de desculpas, nenhum comentário.Viramos animais — indiferentes a nós mesmos e indiferentes um ao outro.Mas não foi sempre assim. Inicialmente estávamos furiosos, desafiadores.Estávamos determinados a não morrer aqui, a sobreviver juntos. Amy subia em meus ombros e acabava quebrando as unhas que se agarravam aos azulejos, fazendo de tudo para chegar à beira da piscina. Quando isso não funcionou, tentou pular dos meus ombros. Mas a piscina tem 4,5 metros de profundidade, talvez mais, e a salvação nos parece simplesmente fora de alcance.                                                                                                                     Tentamos usar o telefone, mas estava bloqueado e, após tentarmos algumas combinações, a bateria acabou. Gritamos e berramos até nossas gargantas ficarem destruídas. Tudo o que ouvimos em resposta foi nosso próprio eco, zombando de nós. Às vezes parece que estamos em outro planeta, sem qualquer ser humano à vista em quilômetros. O Natal está chegando; alguém deve estar nos procurando, mas é difícil acreditar nisso quando se está preso em um lugar desses, cercado por esse silêncio terrível e constante.                                                                      Fugir não é uma opção, então agora nós simplesmente sobrevivemos.Roemos as unhas até os dedos sangrarem, depois sugamos o sangue avidamente. Lambemos o orvalho sobre os azulejos de madrugada, mas ainda assim nossos estômagos doíam. Falamos até em comer nossas roupas,mas desistimos. À noite isso aqui congela, e o que nos impede de morrer por hipotermia é nossa pouca roupa e o calor que absorvemos um do outro.Seria minha imaginação ou nossos abraços agora são menos quentes?Menos fortes? Desde que tudo aconteceu, nos agarramos um ao outro dia enoite, um desejando a sobrevivência do outro, cada um com medo de ficar sozinho nesse lugar horrível. Inventamos jogos para passar o tempo,imaginando o que fazer depois que o socorro chegar — o que vamos comer, oque diremos às nossas famílias, o que vamos ganhar no Natal. Mas essas brincadeiras foram ficando cada vez menos frequentes à medida que nos demos conta de que fomos trazidos para cá com um objetivo, e que não haverá um final feliz para nós.

 — Amy?Silêncio.

 — Amy, por favor, fale alguma coisa.

 Amy não olha para mim. Não fala comigo. Será que eu a perdi para sempre? Tento imaginar o que ela está pensando, mas não consigo.Talvez não haja mais nada a dizer. Tentamos tudo, exploramos cada milímetro de nossa prisão, à procura de um jeito de fugir. A única coisa na qual não tocamos foi a pistola. Ainda está lá, imóvel, nos chamando.Levanto a cabeça e vejo Amy olhando para ela. Seu olhar encontra o meu e então ela o desvia. Será que ela pegaria a arma? Há algumas noites eu diria que de jeito nenhum. Mas, agora? A confiança é algo frágil — difícil de conquistar, fácil de perder. Não tenho mais certeza de nada.A única coisa que sei é que um de nós vai morrer.


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