Capítulo 1

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O relógio de Victor chegou a zero enquanto ele assistia à apresentação de Yuuri Katsuki durante o último Grand Prix em que Yuri disputaria na categoria júnior. Yuri se lembrava bem disso, estava assistindo aos outros competidores junto com ele. Victor sempre gostou de assistir as apresentações dos outros participantes.
Ele esteve animado o dia todo, infernizando Yakov e Yuri por seu contador finalmente estar chegando a zero. Isso era a cara dele, Victor sempre fez o tipo bobo apaixonado. Ele esteve esperando por esse momento durante os 26 anos de sua vida, pode-se imaginar a animação do homem quando o momento chegava.
Durante a apresentação de Katsuki, no entanto, foi Yuri quem notou e o avisou. Victor olhou para o patinador no rinque, olhou novamente para o relógio e então para Yuri.
Foi a primeira vez que Yuri se lembra de ter visto o homem sem reação.
Durante o banquete mais tarde, Victor teve uma reação. Yuri se perguntava se Yuuri sabia o que estava fazendo quando se pendurava em Victor o pedindo para ser seu treinador. A reação de Victor foi tirar o garoto para uma dança. Tão criativo!
Yuri não acreditava no que via. Aquela era mais uma das estórias clichês sobre almas gêmeas se encontrando e se apaixonado que sempre ouvia, e o pior era que dessa vez acontecia bem diante de seus olhos.
Aquilo irritava Yuri mais que tudo.
Apesar de jamais admitir isso em voz alta, Yuri queria que também fosse assim com ele. Seria muito simples, ficar vigiando o relógio sempre que estivesse fora de casa, esperando o contador chegar a zero e olhar para a pessoa na sua frente, sabendo que seria aquela que ficaria ao seu lado pelo resto de sua vida. Seria fácil demais.
Fácil demais para acontecer normalmente com Yuri.
Yuri não sabe quando seu contador chegou a zero. Se lembra de ter chegado um dia em casa, olhado para ele antes de dormir e só então perceber que estava zerado. Ele não tinha o costume de olhar muito para o relógio, obviamente, não tinha tempo para aquilo com o balé e a patinação.
Mas ele queria ter visto aquele momento.
Ter perdido aquilo o deixou… meio triste na época. Apesar de não estar procurando por alguém — ele ainda era novo, afinal, tinha muito o que conseguir sozinho antes de começar a namorar —, sabia que seria sua única chance de ter certeza sobre quem era sua alma gêmea. Depois que crescesse, quando estivesse gostando de alguém, quando estivesse namorando, talvez, ele ainda não teria certeza se aquela pessoa estava destinada a estar com ele para sempre; se estavam destinados a ser felizes juntos.
Aquilo não deveria importar tanto, mas, mesmo que não gostasse nem um pouco disso, importava.
Por esse motivo, mesmo depois de tantos anos, Yuri não se permitia apaixonar por alguém. Além do mais, ele não precisava. Era forte, era belo, tinha dinheiro, ele estava bem sozinho. Não precisava de companhia.
Tinha até um amigo. Quem precisa de alma gêmea quando se tem um amigo? Yuri não, certamente. Ainda mais um amigo como Otabek!
Com certeza ele não precisava de mais ninguém quando tinha Otabek.
Mesmo que as vezes fosse meio estranho que Yuri não conseguisse formar frases que tivessem lógica quando ia responder alguma mensagem dele, ou que esquecesse como se respira e seu coração começasse a bater mais rápido quando ele ligava. Ou a forma que ficava ansioso para conversar com ele o dia todo, como queria que o contasse cada detalhe do seu dia, como estava com saudades e queria vê-lo novamente logo…
Mas, claro, isso é perfeitamente normal entre amigos. Yuri nunca teve amigos antes, mas sabia que isso era normal. Se não fosse, o que seria aquilo?
Não, não, era normal, sem dúvida.
Mesmo assim, ele se segurava para não sorrir como um idiota sempre que recebia uma mensagem dele. Mas é claro que as vezes acontecia sem querer.
E é claro que aquele casal de imbecis tinha que estar perto quando isso acontecia para encher o saco dele.
"Recebeu alguma boa notícia?" o katsudon, que estava sentado em um sofá ao lado do de Yuri junto com Victor, olhava para ele sorrindo, com os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça nas mãos.
"Hum?" Yuri olhou para ele tentando entender a pergunta, demorou alguns segundos para perceber que sorria olhando para o celular.
"Ou está conversando com alguém?" Victor também sorriu, colocando o indicador sobre os lábios como fazia quando estava pensando.
"Do que vocês estão falando, idiotas?" Yuri começou a gritar com eles, como de como de costume.
Yuuri e Victor apenas riram da sua reação. Previsível.
"Own, será que o nosso Yurio está apaixonado?" Victor deu a volta no sofá em que Yuri estava, parando em suas costas e o abraçado, separado apenas pelo encosto do sofá. Tentava espiar a tela do celular do garoto, que o bloqueou antes que ele pudesse ver.
"Cale a boca, idiota. Não sou como você! Por que não conta ao seu porco que você está, em vez de ficar me enchendo o saco?" Ele tentava se desvencilhar do abraço do outro.
Enquanto Yuuri corava no outro sofá, Victor levou a mão à bochecha de Yuri, apertando-a. "Vamos, Yurio, não seja assim, seu gatinho arisco."
"Não me chame assim, velho! E meu nome não é Yurio!"
"A-ah, olha só, eu acho que o jantar já ficou pronto. Vamos comer, sim?" Katsuki se levantou, indo até a cozinha e acabando com uma possível briga.
Logicamente, por parte de Yuri.

Enquanto comiam, mesmo com o semblante irritado, eles perceberam que o Plisetsky estava pensativo. Ele estava bastante quieto, o que não era típico dele.
Yuri não estava apaixonado. Apenas nunca havia tido um amigo antes, então se permitia sorrir, se sentir feliz com ele, fazer essas coisas que não fazia antes. Se estivesse, tudo seria mais difícil (além de que, se estivesse mesmo, ele nunca admitiria).
Apesar de tudo, de negar tanto, (e isso é algo que Yuri não confiaria nem a ele mesmo) ele admitiria que sim, ele gostava de Otabek, sentia saudades dele, pularia nos braços dele assim que o visse, o abraçaria, beijaria… Se ele soubesse que Otabek era sua alma gêmea.
Mas ele não era.
E se, por algum milagre, ele simplesmente deixasse isso de lado e resolvesse tentar ser feliz, como se isso não fosse um problema, ainda havia o fato de que Otabek não gostava dele dessa forma.
Esses motivos já eram suficientes, ele não precisava de mais. Não tentaria, não destruiria a única amizade, e uma possível chance de felicidade, que teve na vida por causa de uma coisa idiota dessas.
Então ele não admitiria, nem para si mesmo, para não precisar passar por nada disso. Era bem mais fácil fingir que não era nada, assim ele nem precisaria pensar nessas outras coisas.
Então não, Yuri não gostava de Otabek!
Isto é, enquanto não houvesse alguém capaz de mudar sua mente.

Questão de Tempo (Yuri on Ice - Otayuri)Onde histórias criam vida. Descubra agora