Lampejo de amor

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Eu me casei com a Ana, pois o sexo era bom. Não. O sexo era excepcional! Estupendo! Fora do comum! Copulávamos dia e noite, noite e dia. Transávamos no nascer do sol, depois dormíamos. Ela acordava, fazia meu café e em seguida trabalhava. Ela era colunista de um jornal, então tinha vezes que trabalhava em casa mesmo, em um escritório que montamos no segundo quarto. Lá pelas dez eu acordava, escovava os dentes e tomava café assistindo TV. O cheiro daquela mulher era algo assombroso, enquanto eu assistia e comia cookies. A sala era inundada pelo o seu perfume quando ela passava indo a cozinha. Rebolava aquele quadril jovem e ardente, pernas grossas e macias, seus cabelos dançantes e um jeito charmoso de caminhar. Ana estava no auge de sua beleza, era linda e muito atraente. Então, transávamos na cozinha, ali no chão perto da geladeira. Ela erguia-se, me fitava mais uma vez e aí então seguia de volta ao trabalho. Nesse tempo eu não estava trabalhando, recebia ainda o seguro desemprego de uma indústria que eu havia trabalhado. Eu permanecia estirado no chão, repousando a cabeça no tapete, reprisando os melhores momentos. Mais tarde na hora do almoço, ela me fazia frango com purê de batatas. Era meu prato predileto. Comíamos enquanto bebíamos vinho. Eu não aguentava ficar muito tempo perto daquela mulher sem querer toca-la. Então fazíamos ali mesmo sobre a mesa, diante da refeição. Sempre depois do almoço eu tirava uma soneca. Sei lá, eu sei que parece coisa de preguiçoso, mas era algo revigorante! 
Acordava e a encontrava debruçada no sofá, assistindo. Ela me olhava já imaginando o que eu queria... sem hesitar, abria as pernas já me esperando. Ana era monstra no quesito sensualidade. Eu lembro que ela adorava ser xingada pelos piores nomes enquanto fazíamos sexo. Era realmente uma cachorra. Bom, era o que pelo menos parecia quando ela me lambia. Uma vez ela me implorou que eu a espancasse, então assim eu fiz. Porém passei do ponto em algumas das vezes, acabei quebrando-lhe alguns dentes. Depois tive que pagar o dentista. Enfim, transávamos a maior parte do tempo e isso durante cinco anos. Eu já estava magro e fraco. Havia perdido alguns consideráveis quilos ao decorrer de todo tempo. Ana seguia no mesmo ritmo, magra, gasta. Os seios que um dia foram lenha para a nossa fogueira, agora estavam flácidos e caídos. Pernas marcadas e moles. Estávamos indo de mal a pior, o casamento destruiu as nossas aparências e pior, já não nos sentíamos atraídos. O sexo virou uma rotina monótona e desgastante, algo sem sentido, pois de tanto que tivemos quase já não havia mais orgasmos. E quando gozavamos era algo escasso, minguado. 
Certo dia, acordamos com ressaca - Sim!!! Eu quase me esquecia. Substituímos o sexo por bebida, bebíamos de tudo, de maioria barata. Éramos por assim dizendo; alcoólatras. Dois bêbados desgraçados, coexistindo simultaneamente sem ao menos se olharem. Suportávamos um ao outro como quem suporta uma fratura exposta; sentíamos pena um do outro e pena de nós mesmo. Como eu estava dizendo, acordamos com ressaca. Havíamos brigados por algum motivo qualquer, não lembro. Estávamos despidos, mas não sei com precisão se tínhamos transandos. Eu me vesti e fui a janela do quarto, estava pensativo. Esperei ela de fato acordar, se vestir e aí então, ali na porta do banheiro tivemos o momento mais difícil do nosso casamento. 
- O que estamos fazendo, Ana? Meus olhos estavam marejantes. 
- Eu estou indo escovar os dentes. Ela me respondeu evasiva. 
- Por que ainda estamos juntos se já não há sentimentos. Me apoiei na parede. 
- Nunca houve sentimento. Éramos jovens excitados que não pensavam nas consequências dos seus atos. Olha Bruno, casar com você foi simplesmente a pior coisa que eu fiz na minha vida. Você é tosco, estúpido. Um homem que não terminou nem o ensino médio. Um babaca da pior espécie! 
Eu fiquei assustado, ela sempre foi rude comigo mas nunca havia falado assim antes. 
- E quem você pensa que é? Você não passa de uma mulherzinha barata, que se vende por aparências e coisas materiais. Jornalistazinha imunda, vagabunda! A única coisa que você sabe fazer é sexo, aliás, nem isso sabe mais! Sua flácida! Cadela imunda! 
E por ali ficamos trocando insultos e maldizeres, até que... 
- Eu estou grávida. Você não pode me expulsar daqui. Estou esperando um filho seu e por mais nojo que eu sinta disso, eu estou contente! Me disse mergulhada em prantos. Pude sentir a presença de um sorriso em meio as suas lágrimas. E foi lindo! 
Então percebemos que já não nos cabia o divórcio. Algo mais forte nos unia, mais forte até mesmo que o sexo. Mais forte do que qualquer outro sentimento. Era o combustível que precisávamos. Um filho. Foi necessário um filho para descobrirmos que no meio de toda aquela degradação, no fundo daquela bagunça toda, havia um lampejo de amor.

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