Uma nova passagem se abre

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   Com os seus intensos raios e por diversas vezes inconveniente, -bom dia sol, você me acordou. Corri em direção a porta da frente da casa, pois para mim, aquilo tudo havia sido apenas um pesadelo. Mas, calma, eu ainda estava naquela estranha mansão. Minhas esperanças se esvaíram de vez quando pressionei a maçaneta daquela porta e vi que tudo estava do mesmo jeito. Todos continuavam mortos, inclusive os meus carinhosos pais.
   Apareceram aves que eu nunca havia visto antes. Elas comiam o que restava dos mortos. Então as apelidei de carniça.
   Aquele formidável céu azul reconfortava a minha alma, escondendo aqueles corpos do meu campo de visão. Porém, vi uma nuvem diferente. Ela era avermelhada e se movimentava rapidamente, com a ajuda dos ventos que anunciava a sua chegada. Eu já sabia do que se tratava, meu professor ensinou-me sobre o ciclo da chuva, então pude deduzir, já que a radiação transformou todo aquele sangue em vapor.
   Não demorou muito para que a primeira gota caísse sobre mim. Ao passar a mão sobre aquele líquido vermelho, entrei em desespero, e logo fui para dentro e tranquei as janelas, mas mesmo assim, elas "uivavam".
   Minha barriga já estava roncando, presumi que era fome. Fui à procura de comida. Encontrei mais latas de ervilha, feijão e milho. Comi separadamente uma da outra, não sei de onde havia vindo tanta fome. Comecei a me perguntar: "Como há tanta comida em meio a este holocausto?" Você pode até pensar que uma criança não entende situações ou que não pensem dessa forma, mas pensam. Ao menos eu pensava.
   A casa era tão misteriosa que despertou a minha curiosidade. Eu já não poderia fazer mais nada ali, além de esperar os tempos difíceis e vir à falecer. Então, resolvi procurar pistas de possíveis ex-moradores. Haviam quadros de pessoas velhas nas salas. Toda aquela mansão tinha um estilo gótico. Muitos quadros e velas.
   Achei um sótão. Não era muito escuro, apenas muito empoeirado. Lá, haviam muitos livros e uma caixa, somente uma. Esta foi o que me chamou mais atenção dentre tudo o que se encontrava naquele lugar. Quando eu a abri, estava repleta de fotografias. A peguei e a levei para o meu quarto adotivo. Desde o começo dessa expedição sentir-me vigiada. 
   As fotografias eram estranhas. Algumas delas haviam jovens alegres, em dias ensolarados, basicamente tudo em cores felizes. Já outras, eram as mesmas pessoas, porém em uma postura mais séria, preta e branca e uma sombra de algum animal grande o bastante para cobrir os céus com as suas asas. Não consegui entender, como pode haver tanta bipolaridade a uma sequência de fotos. Mas, as fotos mais tristes me pareceu um velório, pois sempre faltar alguém nas fotos em preto em branco. Ou anunciava a chegada de algum "mal", pois haviam construções em chamas próximos à eles.
   Guardei as fotografias no meu armário. Neste armário se encontrava roupas masculinas e parecidas com as que usavam nas fotos. As separei para usá-las logo após o meu banho.
   No banheiro havia tudo o quê eu precisava. Inclusive água quente que  saia pela torneira. A nossa energia era tão fraca que mal acendia uma lâmpada, o que não era muito comum pela ilha. Fiquei maravilhada com aquela água quente. Entrei na banheira e mais uma vez, comecei a sentir tudo. As lágrimas escorriam, transformando aquela banheira em um poço de emoções. A falta do meu pai e da minha mãe era um imenso buraco, no espaço onde chamamos de amor e especificamos como coração. Aquela água me abraçava tão confortavelmente, que não queria mais sair de lá.
   Quando finalmente saí daquele banheiro, fui ao meu quarto e me vesti com aquelas roupas que eu separei. Ouvi cochichos, sussurros. Não conseguia identificar de onde vinha o tal, e estava com medo para descobrir. Então peguei algo mais pontudo que havia na cozinha e fui à procura.
   Por algum motivo eu estava muito corajosa seguindo aqueles cochichos. A cada passo, mais forte o som chegava aos meus ouvidos. Segui em frente pelo corredor. Subi a segunda escada. Virei para a esquerda e lá havia uma porta amarelada, desgastada e com cadeados grandes e falantes. Viram-me e disseram:
— Então você é a nossa nova moradora?
— Acho que sim. Por tempo indeterminado- disse com calafrios na barriga por estar falando com um cadeado. — Os senhores podem me responder algumas perguntas?
— Tudo o que você procura está atrás dessa porta, garotinha. Mas, deve acertar o meu raciocínio- disse um deles com um tom sarcástico. — Sobe e desce das montanhas, mas está sempre imóvel. O que é?
   Sinceramente eu estava perdida. Aquela porta não se abriria se eu errasse, eu não poderia perder a minha chance de explorar o inimaginável. Então, pensei em tudo o que há em montanhas, e cheguei a uma conclusão não muito convincente para mim mesma.
— O caminho, senhor cadeado.
   Logo os cadeados foram obrigados a sair da porta. Não achei que queimariam, mas queimaram.
   Através da porta pude ver um imenso lance de escada, que não parecia ter fim. Encarei como um desafio, pois sempre dizem que ao término do arco-íris há ouro, porém o que eu encontrei foi sangue. O cansaço veio, mas não poderia parar, eu precisava sair de lá, precisava me vingar. Não sei se é normal uma criança sentir tanta raiva, mas eu sentia.
   Quando cheguei nos últimos degraus, pude sentir um calor muito forte. E logo vi moedas e jóias. O quê habitava ali? Os meus olhos responderam esta pergunta. Certamente não era humano e sim um animal. Era uma fera adormecida, com asas imensas, três cabeças, escamas avermelhadas como um vulcão e haviam cinco ovos perto da possível Hydra.
   Fiquei desesperada, queria fazer a coisas mais sensata a se fazer, cair fora da li. Ouvi uma voz interna que me dizia "Acalme-se, meu bem." Era a voz da minha doce mãe. Isso me acalmou.
   Senti uma movimentação estranha, as moedas começaram a deslizar sobre as outras. Bem, o dragão acordou. E mais uma vez lá estava eu correndo para me esconder. Fiquei atrás de uma parede grande, com um buraco proporcional ao meu tamanho e aos meus olhos.
   A cabeça direita da Hydra cuspiu fogo em seus ovos e a da esquerda gelo. Após todo aquele vapor, os ovos começaram a chocar. O primeiro era esverdeado, com duas cabeças. O segundo era igual a mãe, possuía três cabeças e era avermelhado. O terceiro era amarelado com três cabeças, este já me parecia temperamental. O penúltimo era de cor mais escura, com duas cabeças. Já o último era diferente. Era mais magro que os outros e apenas possuía somente uma cabeça. Este fora rejeitado por sua mãe. Enquanto todos comiam, ele era apavorado por sua criadora. A Hydra gigante berrou de frente para o último dragão chocado "Você é uma aberração!!" O pobre dragão ficou de canto.
   Havia um portal muito próximo a mim. Era muito brilhoso e atraente. Queria embora antes que percebessem a minha presença. Porém, eu não poderia deixar aquele pobre dragão sendo maltratado, pois certamente morreria.
   Esperei a mamãe Hydra sair de perto dos filhotes. Demorou, mas saiu. Era a minha chance. O filhote estava a poucos metros de seus irmãos que estavam se alimentando. Fui por trás para contorna-los sem que me vissem. Consegui chegar perto o suficiente para pega-lo e o peguei. Porém, ele fez um barulho que não me parecia de medo e sim de gratidão, algo relacionado a felicidade, por mínimo que foi, conseguiu chamar a atenção dos outros filhotes e da mãe. Ela me viu e disse "Sabia que tinha sentindo cheiro de comida." Furiosa veio atrás de mim. Escorreguei nas moedas e rolei por elas, mas me preocupei mais com o filhote do que comigo mesma. Quando ela chegou perto o suficiente para me abocanhar, pulei no portal, com o meu novo companheiro, Zarthrygo.

Obs: Os filhotes de Hydras devem nascer com no mínimo duas cabeças. Pois quando completam seis meses, estes devem brigar um com o outro. Até uma das cabeças caírem. Quando a outra nasce, já está ciente de quem é o líder daquele corpo. Isso é muito importante para estes animais, pois mostra a força e dominância.

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⏰ Last updated: May 02, 2017 ⏰

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