-Sophia... Vamos Sophia acorde- uma voz continuava a repetir.Parecia que havia toneladas sob as pálpebras dos meus olhos, tornando impossível de abri-los. Mas eu reconheceria aquela voz mesmo se estivesse abafada, a metros de distancia e com todos os efeitos possíveis. Eu queria vê-la.
Viro-me de lado com todo cuidado, que eu mal sabia que tinha e sinto todos os meus ossos estralarem como se estivessem se reencontrando após muito tempo. E ela aperta a minha mão. O cheiro horrível invade minhas narinas sem pedir licença, e assim me dou conta de onde estou, maldito hospital. Franzo a testa e forço meus olhos a abrirem pelo menos uma fresta só para poder ter a sensação de alívio que acompanha o momento em que trocamos olhares.
Anna – Reúno todas as minhas forças para chama-la. E mesmo assim não soa de uma forma agradável não demonstra o quanto estava feliz por ela estar ali.
- Tudo bem- ela diz- vamos com calma, temos muito tempo.
Não temos. Você não teria.
Assim que você se formou na faculdade sua vida passou a ser tão agitada que não pude acompanha-la. Não como fazíamos antes, na quarta serie onde nos conhecemos e você se tornou a melhor parte de mim. Chegava a ser enjoativo para quem estava a nossa volta, pois seu rosto sempre vinha acompanhado do meu e vice-versa. Tudo que fazíamos, fazíamos juntas, muitas vezes combinávamos até as roupas só para que todos percebessem o quanto éramos unidas, inseparáveis. E foi assim até o ultimo ano. Talvez tenha sido esse o motivo de eu nunca ter tantos amigos eu sabia que você estava ali e tal, para mim já bastava.
- Como você está Soso? – Você sempre soube o tamanho do meu horror por esse apelido e mesmo assim insiste em usá-lo, nem um cachorro merece ser chamado assim.
-Levando em consideração que estou deitada em uma cama de hospital novamente em menos de 24 horas, com agulhas em varias partes do meu corpo e um desgosto imenso por ter acordado. Estou bem, e você?- Eu nunca soube o que fazer com toda a ironia que vive em mim.
Então você sorri, sabendo que o sarcasmo sempre foi minha melhor defesa.
-É realmente está ótima. Eu estou bem, apesar da rotina e da correria que está no escritório agora. Você iria amar os quadros novos e a cor, ainda estamos terminando as reformas. Afinal, quando irá lá nos visitar?- Nunca, era o que eu queria dizer, em varias línguas se fosse possível, mas não era o momento.
-Ah, assim que eu melhorar marcamos- Torço para minha saúde continuar oscilando.
Mas de qualquer forma eu estava extremamente feliz por ser você ali. Assim eu não precisaria fingir ser alguém que não sou, não seria necessário varias desculpas por muitas vezes esquecer os remédios e todas as coisas banais que dizemos para que ninguém se preocupe.
- Seus pais já devem estar chegando, trocaram as passagens para poder te ver o mais rápido possível. Dessa vez foi sério Soso. Você estava desmaiada, assim irá levar todos a loucura comece a se tratar o mais rápido possível.
- Eu só preciso descansar, e ficarei bem. – Disse com o meu melhor sorriso forçado-Não tinha necessidade de informa-los. Você e sua mania de não guardar a língua dentro da boca.
- Não haja como uma criança birrenta, Sophia. Alias, não haja.
Ela puxa a cadeira, o mais próximo possível da cama ligou a pequena televisão do quarto e trocou os canais compulsivamente, como se realmente fosse achar algo que prestasse.
A felicidade dura pouco.
Eu te conheço tão bem Anna, sei que fala sozinha enquanto dorme. E que faz bolinhas com as cascas do pão, que tem azia a leite mas não a café com leite. Que em uma tarde, na sexta serie enquanto estávamos na aula de educação você saiu correndo e chorando do ginásio, porque as meninas falavam que você tinha medo da bola. E você tinha medo da bola, mas ninguém precisava saber. Todos diziam que seus pais haviam te colocado em uma redoma, como um objeto delicado dentro de uma capsula de vidro. E você acha que já quebrou o vidro mas ainda ficaram os cacos. Você tem ascendente em aquário e lua em peixes, não entende sobre isso, mas sofre às vezes. Você chora em noticiários, não gosta das frases que começam com "tem que". Perde-se na própria explicação. Não sabe agir em reuniões, não sabe agir.
E as vezes me pergunto se você sabe metade sobre mim, e se soubesse como lidaria. Eu queria que você pudesse ver nos meus olhos, que eles nunca estiveram tão cansados, eles estão gritando, desesperados, tentando focar em alguma paisagem que não seja a minha própria incerteza. Estou com olheiras fundas, e queria que você pudesse me dar alguma receitinha caseira para curá-las; embora eu saiba que não tenha remédio. Anna, eu tenho tomado tantos comprimidos, eu nem leio mais os rótulos - eles são as minhas novas balas de ursinho - que a gente gostava tanto de dividir uma com a outra.
Um dia você me disse que era normal se perder pelo caminho, um acidente ou outro, uma queda aqui, outra ali, que no final era só levantar, colocar uns curativos e seguir adiante.
Mas, eu sou meu próprio acidente.
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Eufemismo
Teen FictionNão importa a direção que o vento sopra e para quão longe ele leve algumas coisas, algo sempre permanece dentro de nós como uma marca, mesmo quando a pessoa que se foi não teve a mínima intenção de deixar cicatrizes. E como cicatrizamos?