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Emine

Já levantei, já deitei, levantei mais uma vez para então desistir de tentar dormir. Caminhei até a cozinha e fiz pipoca, coloquei em um balde que ganhei da Clara, minha querida amiga — que deve estar muito zangada porque ainda não fui conhecer seu bebê recém-nascido — com a frase:

"Não sou galinha, mas amo milho".

Trouxe poucos pertences da minha antiga casa quando vim morar com Luana após sair do hospital, somente coisas que tem algum significado para mim, o restante está em um deposito esperando eu ir busca-los ou vender e mesmo depois de tanto tempo ainda não sei o que fazer. Muitas daquelas coisas carregam a memória do que perdi no acidente e mesmo que outras não signifique nada, ainda traz recordações que nunca irei esquecer, mas que espero um dia lembrar sem sentir tanta dor.

Sento em frente à enorme TV que Devon mantém em uma sala com um sofá tão confortável que parece uma cama, esse fazendeiro é chegado em tecnologia e conforto, e eu claro que adorei. Coloco um filme de comédia romântica e só então relaxo.

— Oi, Emine — Ava está parada ao meu lado.

— Que susto, Ava — levo a mão ao coração que parece a ponto de cumprir sua função de me manter viva uma última vez, assim que me recupero encaro seu sorriso travesso — oi princesa, não deveria estar dormindo?

Ava usa um vestido floral bem leve que ela mesma escolheu, em uma mão segura um pequeno lençol rosa e com a outra afasta a franja dos olhos. Preciso lembrar de leva-la ao cabelereiro para resolver isso.

— Senti o cheiro de pipoca — ela fala baixo, como se fosse um segredo.

— Hum, então você gosta de pipoca? — ela afirma — sente aqui.

A pequena se acomoda ao meu lado, me sinto confortável com ela e isso é bem estranho. Depois do acidente me isolei não só pelo que tinha acontecido comigo, mas estar diante daquelas mulheres — enquanto ainda estava internada —, que nem eram minhas amigas de verdade explanando suas condolências sem fim e com seus filhos perfeitos me empurrou para um estágio onde eu não gostava de ficar perto de crianças. Talvez o meu problema fosse com aquelas crianças ou suas mães, sinceramente, não faço questão de saber.

Pego o controle e mudo para um filme infantil e Ava faz uma careta.

— O que foi? Não gosta?

— Emine, sou mocinha, gosto de filme de princesa — não resisto e gargalho diante da sua constatação.

— Ok, senhorita mocinha, qual princesa você quer ver?

— Quem é a sua princesa preferida?

— A minha? Bem... — toco meu queixo com o indicador e faço uma expressão pensativa — a minha preferida de todas é a Bela.

Sorrio ao lembrar de Devon e compara-lo com a Fera, os pelos que emolduram seu rosto e com toda certeza o seu temperamento os torna bem parecidos.

— Ela era a minha preferida também.

— Era, não é mais? — um pensamento tolo permeia minha mente com possibilidade dela não gostar mais, por não gostar de mim.

O que não faz nenhum sentido pela forma como ela tem estado à vontade ao meu lado, talvez esses pensamentos sabotadores sejam reflexo ainda dos pesadelos que tive na noite passada, mas que ainda tem suas raízes fincadas no solo fértil do meu cérebro.

— Não, a minha preferida agora é a Tiana, porque você parece com ela.

Os olhinhos de Ava brilham e imagino que seja um reflexo dos meus, pela primeira vez em muito tempo me sinto elogiada, afinal crianças são sinceras e se ela disse isso por vontade própria, então é porque de fato me acha parecida com a personagem. Sem mais delongas coloco o seu clássico favorito, crendo que a Bela terá que dividir seu espaço com minha nova princesa favorita. Ela se chega ainda mais perto de mim, enche sua pequena mão com uma porção de pipoca e depois leva até a boca. Cai mais fora do que dentro e isso me faz sorrir ainda mais.

Além do Pôr do Sol (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora