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Emine

Apesar de ser uma cidade interiorana, Águas Belas possui seu charme próprio e uma boa estrutura. A única escola da região, onde Ava estuda, já ganhou até prêmio pela qualidade no ensino e estrutura educacional. Lojas dos mais variados produtos estão lado a lado na avenida principal, podemos encontrar de tudo por aqui, assim como não há muita concorrência.

Tipo, o dono do restaurante italiano, vende somente comida italiana, nada de inovar e fazer sushi, para isso temos que ir ao senhor Cho. Parece estranho, mas a lógica dessa cidade pequena — onde todos se conhecem — é essa.

Sentamos na mesa para duas pessoas dentro da única confeitaria da cidade, como eu disse, nada de concorrência. Devon pede um café preto, enquanto eu opto por um cappuccino. Dividimos um pedaço de torta, logo voltaríamos para a fazenda e nenhum de nós gostaria de enfrentar a fúria de Olga, ela é neurótica com esse negócio de pular refeições.

Sinto a tensão que nos envolve, Devon parece nervoso e eu, bem, se tivesse um buraco por perto, com toda certeza eu estaria dentro dele. Tento me sentir confortável em sua presença, mas não consigo, ainda mais depois de ontem.

— Como tem sido o trabalho Emine? Está gostando de viver na fazenda?

— Sim, Devon — não contenho o sorriso — tem sido maravilhoso conviver com Ava e todos que vivem lá.

Ele mantém aquele mesmo sorriso sugestivo que tinha no carro, mas prefiro ignorar, não sei se tenho coragem de abordar o assunto.

— Ava gosta muito de você — seu olhar brilha ao falar da filha — o que vai fazer amanhã?

— Não tenho ideia na verdade, talvez vá ficar no chalé que você tinha falado — dou de ombros.

Devon me lança um olhar que parece querer enxergar dentro da minha alma, meu corpo é tomado por arrepios. Ele olha para fora através da janela aberta que traz uma suave brisa, talvez não queira transparecer algo que não é. Sei lá o que estou falando, só sei que esse homem desestabiliza toda minha racionalidade.

— Gostaria de te levar em um lugar — olho espantada com o convite — digo, levar você e Ava — ele corrige rapidamente e não sei se consegui disfarçar bem a decepção que me tomou.

Não que eu quisesse sair sozinha com ele, nada disso, nem passou pela minha mente algo assim, que ele quisesse algo assim...

— Mas depois queria te levar para jantar — ele pigarreia antes de continuar — se você quiser é claro.

Claro que quero, tenho tido sonhos de todos os tipos com esse homem desde o dia que cheguei na fazenda, então me lembro de algo que faz minha empolgação retroceder.

— Eu não acho que seja prudente — digo baixo e sua expressão se fecha — sou sua funcionária Devon...

— Não seria um encontro, Emine — seu tom carregado de desprezo me atinge em cheio — só queria poder conversa com mulher que tem passado bastante tempo com minha filha — ele não me dirige mais o olhar — vamos, tenho coisas para resolver.

Sem dizer mais nada, ele lança algumas notas sobre a mesa e sai. Nenhum toque dessa vez, caminha a minha frente sem olhar para traz, talvez se seu parasse e ficasse ele sequer notaria.

Posso estar sendo um pouco dramática, só não quero me encher de falsas expectativas. Muito menos dar isso a Devon, não sou a mulher certa para ele e nem para ninguém. E isso não é baixa autoestima, é uma constatação.

Ele avisa que precisa passar em algumas lojas e como ainda falta meia hora para a aula de Ava acabar, decido visitar minha irmã, mesmo fazendo isso diariamente, sempre temos algum assunto.

— Que carinha é essa? — Luana questiona assim que sentamos no sofá.

— Estou ficando maluca, irmã — ela me lança um olhar que diz "conte tudo, não esconda nada" — tenho sonhado com o Devon — sinto meu rosto aquecer com a vergonha antecipada das minhas palavras — sonhos inapropriados...

— Aí. Meu. Deus — ela grita eufórica — você tem tido sonhos eróticos com o gato do seu patrão — olho para ela espantada — que foi? Não sou cega querida, claro que meu marido é muito lindo e gostoso — faço careta, não preciso ouvir essas coisas da minha irmã mais nova — mas Devon com aquele ar de bad boy — ela se abana me fazendo rir — agora me conte qual o problema, Emine?

Eu sei qual o problema. Passei os últimos anos evitando qualquer tipo de relacionamento, primeiro porque eu não estava preparada e depois quando resolvi dá uma chance as loucuras de Clara, sai em um encontro às cegas com um colega de trabalho do seu marido.

No começo o cara foi bem agradável, aparentemente respeitador. Ele era um homem bonito e com cara de cafajeste, mas ignorei esse segundo detalhe o que se provou um grande erro. Cedi as suas investidas, em um quarto de hotel sofri a pior humilhação que alguém pode passar. O olhar de nojo ainda é vivido em minha memória, assim que aquele babaca me viu nua, todo o tesão que compartilhávamos foi abandonado.

O acidente de carro que levou minha família, também levou outras coisas. O carro pegou fogo e como boa parte do meu corpo foi envolvido pelas chamas, minhas pernas, partes dos braços e tronco tiveram uma perda severa de tecido. Não ouve cirurgias que trouxesse uma aparência melhor do que a que tenho hoje e por isso estou sempre usando calças compridas, blusas de mangas longas e golas altas para esconder o meu corpo da melhor forma possível.

— Não quero passar por aquilo de novo, Lua — digo depois de lembra-la porque não posso me envolver com Devon — tenho me apegado muito a menina e...

— E nada — ela sentencia — Emine, era só um jantar, não pode se esconder a vida toda — minha irmã e sua positividade — se por acaso quiser algo além, seja sincera e conte a ele o que te aconteceu, não pode colocar todos os homens no mesmo pote e menos ainda decidir por Devon.

Tão simples, tão fácil. Só que não, pelo menos para mim. Desde que comecei a trabalhar na fazenda, tenho ouvido muitas histórias. Devon era um grande competidor de rodeios, vivia viajando e tinha ganho várias competições. Sempre estava com uma mulher diferente, não tinha um relacionamento sério a anos, nem com a mãe de Ava.

Soube por Olga que a mulher em questão era uma interesseira e que quando ficou grávida da menina, foi atrás de Devon, que garantiu cuidar da criança, mas eles não teriam nenhum relacionamento. Ela deixou a menina com o pai e foi embora sem olhar para traz.

Sem querer estender o assunto e vendo que perdi a hora, me despeço de Luana e caminho a passos rápidos para a escola de balé. Ava está sentada no capô da caminhonete conversando de forma animada com seu pai.

— Emine — ela grita assim que nota minha aproximação — já estava preocupada.

Sua expressão muda rapidamente e seu olhar bravo me faz sorrir.

— Desculpe, Jujuba — ela ri para o apelido, mas ela parece uma, toda fofa e de rosa — estava com minha irmã.

Entro no carro assim que prendo Ava em sua cadeirinha. Devon não diz nada, somente assume o volante e seguimos de volta a fazenda. A viagem só não foi silenciosa graças a Ava que não parava de falar o quão incrível foi a aula e que ela está ansiosa pela próxima.

Quando chegamos o almoço já está servido, lavamos as mãos — como Olga mandou — e sentamos para almoçar. Elias conversa com Devon sobre o que foi feito na fazenda pela manhã, mas não me importo, somente fico pensando se o passeio de amanhã ainda está de pé.

— Olga prepare uma cesta de piquenique, amanhã iremos para a cachoeira — ele responde minha pergunta silenciosa — todos nós — ele conclui sem me olhar.

É, parece que o passeio a três foi cancelado.

Além do Pôr do Sol (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora