Olhando para cima do lugar onde meu fôlego de vida aos poucos se esvai, eu vejo...posso contemplar o vivo azul do céu. Os pássaros voam em grupo para fora do alcance dos meus olhos...o tempo vai aos poucos se fechando. A chuva negra que cai me pressiona contra meus medos.
Posso ouvir as batidas frias de meu coração, sinto o sangue correr, posso sentir os vermes parasitas que se alojam aos poucos em meu corpo podre e abandonado. Dói...posso sentir dor. É aqui que tudo termina? Acabou pra mim? Soldado ferido, abandonado...o salvador desconhecido.
Minhas mãos estão quebradas, minha mente perturbada, meu corpo não responde. Então este é o sofrimento?
Arrastado até o show do Diabo para ser sua atração principal eterna.
Não vejo mais nada...será que anoiteceu? Estou morto?
Vejo de relance uma cidade escura. Caminho em sua direção enquanto ouço o agouro dos corvos que anunciam a chegada da madrugada fria.
É meia noite nesta cidade sem luzes. Hoje, dançamos na noite embriagada. Num sítio onde não se vê o luar, existe uma cidade que emana tristeza. Refúgio dos cansados, sua escuridão fria e calma são os corações fartos que buscam. Louca trêmula dor que me assombra é uma jóia que não pode ser quebrada. Sou vítima de um crime cruel. Fui feito prisioneiro desta cidade. Atraído pelo aroma superficial das flores negras, eu me perdi nesta cidade, onde ao longo dos anos os
idosos desabrocham. Orações não correspondidas arrepiam o céu negro da noite silenciosa, almas vagam por entre os destroços da cidade.
Um clarão surge ao horizonte, abro meus olhos. Era um pesadelo...ou talvez o reflexo do que minha mente teme.
O monótono som do despertador anuncia a chegada da manhã, o sol se mostra aos poucos no leste enquanto eu ainda procuro algum resquício de coragem para enfrentar o entediante dia que se aproxima. Meu despertador toca, o sol nasce, o dia passa, o sol se põe, a silenciosa noite trajada de todos os meus medos surge.
Nós vivemos num ciclo eterno até o dia em que nosso coração deixa de fazer o seu trabalho.
Tudo aqui é confuso e se inicia com dor seguida por ódio. Perguntas sem respostas, sonhos inalcançáveis, cruzes pesadas demais para serem carregadas.
Palavras aqui são somente folhas jogadas ao vento para serem carregadas para longe rumo ao esquecimento. Fazemos amigos, somos traídos, perdemos pessoas... expectativas são dilaceradas pelo nosso presente.
A noite enfim ocupou o lugar do dia, a chuva cai. No céu escuro ecoam-se os trovões e os relâmpagos revelam toda sua formosura.
03:00 da manhã e minhas memórias perturbam-me. Diga-me, você já perdeu a única pessoa que te amou? Ela também foi vítima de um sistema autoritário e egoísta e deste mundo cruel? Posso ainda ouvir seus gritos desesperados, aqueles olhos sem vida que fitavam através de mim ignorando minhas falhas tentativas de salva-la.
Eu odeio este mundo, odeio esta realidade, odeio cada um dos soberanos que governam com egoísmo e injustiça.
Nós vivemos à mercê da crueldade deste mundo e dormimos preocupados com nosso destino.
Mas para eles, será uma boa noite. Eles que estão em suas camas confortáveis, em suas casas de luxo, bem alimentados e sem frustrações.
Talvez seja uma boa noite para os governantes que possuem mais de cinquenta seguranças garantindo a paz do sono deles, Que possuem helicópteros à disposição para os deslocamentos, assim não estão sujeitos a arrastões, assaltos, sequestros...Governantes que não vivem nossa realidade de medo, insegurança, instabilidade...e por não serem atingidos pela podridão da sociedade, simplesmente não estão nem um pouco preocupados com os milhões que são atingidos todos os dias. Simplesmente não pretendem fazer nada para mudar o cotidiano de terror em que vivemos.
Pessoas morrem, famílias são destruídas, crianças perdem os pais.
Isso tudo não irá se prolongar por mais tempo. Eu sou aquele que mudará o presente...esta é minha oração.