Capítulo 1

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O mar sempre foi reconfortante para mim. Seus sons, suas cores, seus movimentos. Acho que se eu usasse algum tipo de elemento para me representar, seria o mar. Sua serenidade transmitida; essa sou eu. Quando ele se agita, tornando tudo uma grande bagunça; essa seria a minha vida. Talvez eu devesse me apelidar de Capitu, pelos meus "olhos de ressaca" - está mais para alma de ressaca. Ah, adoro esse livro... assim como adoro o mar.

As águas da minha vida tinham acabado de passar por um grande agito; e o pior é que eu mesma fui a causadora disso tudo. Mas agora estava tudo bem. Decidi começar minha vida do zero quando meus pais me contaram que nos mudaríamos. Precisava fazer isso. Se não o fizesse, sabe-se lá o que poderia acontecer.

E então cá estava eu: sozinha na praia, sentada na areia, escrevendo minhas dores passadas em um bloquinho de papel (desde as mais antigas, como quando perdi um bichinho de pelúcia durante a infância). Ao terminar a primeira página, a arranquei. Dobrei meu pequeno desabafo até que ele se tornasse um barquinho de papel. O entreguei para as ondas, e elas fizeram seu papel com êxito: levaram o barquinho à um lugar bem distante de mim.

Morar numa cidade praiana me faz bem. Tínhamos acabado de nos mudar - meu quarto ainda se baseava em quatro paredes brancas, várias caixas cheias de entulho, uma janela simples de metal e um colchão jogado sobre o piso de madeira - mas eu já havia notado algumas características importantes daqui: poucos moradores, todos se conhecem, uma calmaria enorme em ruas e estabelecimentos. Sempre está ventando (nem que seja uma leve brisa, quase que um sopro contínuo). Parece que a cidade foi feita para mim.

Depois da minha tentativa um tanto quanto dramática de ser poética, retornei à minha casa, para tentar arrumar aquilo que chamo de quarto. Minha casa não era grande. Dividia-se entre o andar de baixo e o sótão (até então sem uso). Não, minha casa não era grande. E nem precisava ser. Até porque éramos apenas em três: eu e meus pais. O casamento deles era feliz. Meu pai trabalhava como professor de geografia para crianças, e minha mãe era bióloga. Com essa nossa mudança de última hora, minha mãe resolveu que era melhor se especializar em biologia marinha, e estava iniciando seu livro.

Claro que, com uma família tão perfeita, o problema tinha que ser eu. Eu fui o motivo de toda essa correria, da procura desesperada por emprego dos meus pais, do clima estranho que permanecia dentro de casa. Mas acredito que tudo acontece por um motivo. No final das contas, talvez não fosse tão ruim assim para meus pais terem tido uma filha "encrenqueira".

Fui andando da praia à minha casa. Era tão perto que se morássemos no meio da areia não faria diferença alguma. Na frente da minha casa se encontrava um carro já antigo, que provavelmente venderíamos em breve; não precisávamos dele já que naquela cidade tudo era tão perto de tudo.

Entro no meu quarto e olho em volta. Fico exausta só de pensar na trabalheira que terei para fazer tudo. Pela primeira vez eu faria isso sozinha. Sei que soa estranho, mas para mim era muito confuso ter que pensar em tantas coisas ao mesmo tempo: minha janela enferrujada por conta da maresia, o fato de eu não saber montar uma cama ou um guarda-roupas.... Não sabia nem onde as coisas deveriam ficar.

Acabou que em vez de desencaixotar minhas coisas, deitei no meu colchão largado no canto do quarto e passei o resto daquela tardezinha lendo contos de fadas. Infantil, não? Talvez seja, mas eu gostava muito de duendes, castelos, sereias e magia num geral. Passei a infância inteira escutando meus pais lerem esses tipos de história para dormir; cresci e as histórias cresceram comigo. A diferença é que nem sempre o final era feliz.

Durante o jantar, minha mãe dizia que queria conversar comigo, numa empolgação um pouco maior que o normal. Ela servia a mesa enquanto dizia:

—Val, aluguei um barco. - Ela parou para me encarar e sorrir.

—E?

—E que eu vou fazer uma pesquisa importante para o meu livro. Quer vir junto? Vai ser divertido, precisamos passar um tempo a mais juntas, sabe? Mãe e filha...

Era previsível o que ela queria. Uma ajudante. Uma conversa importante. Por mais que ela estivesse forçando algumas coisas, adorava minha mãe. Topei.

No dia seguinte, o sol mal tinha surgido quando fui acordada por uma doida sorridente.

—Bom dia futura bióloga! Está pronta para descobrir as coisas mais incríveis que podemos encontrar dentro do mar?

Resmunguei algo que nem eu entendi - minha versão sonolenta é algo que nem eu mesma sou capaz de explicar. Ela me puxou com força o suficiente para que eu levantasse por completo (porém só sentei mesmo). Com a minha vista ainda embaçada, percebi que minhas caixas estavam reviradas.

—Mãe, por favor, me diz que não vou ser eu quem vai arrumar isso.

—Eu separei sua roupa. O café está pronto. Tem bolo de laranja na mesa. Escova os dentes e lava essa cara correndo!

Portanto minha resposta era um sim, eu teria que arrumar aquela bagunça mais tarde. Na hora só me preocupei em fazer tudo o que minha mãe pediu para não ter que lidar com uma Lídia chateada - é de dar dó. Depois de uns dez minutos eu estava pronta.

Andamos até um ponto da praia que eu ainda não tinha visto. Enxergava-se, ao longe, uma ilha pequena. Segundo minha mãe, era onde ficaríamos o dia todo. Pegamos o barco que ela alugou, e fomos até lá. No caminho todo, minha mãe comentava com alegria sobre seus estudos. Nenhum deles era sobre biologia marinha. Talvez ela não estivesse tão empolgada assim com os peixes.

Assim que chegamos na ilha, minha mãe quis botar em prática parte do interesse dela em me chamar para passar o dia junto: ter a conversa.

—Filha, sobre o que aconteceu antes...

—Eu ainda não estou me sentindo à vontade para conversar sobre isso.

—Eu sei, "não é nada fácil", mas precisamos acertar!

—Mãe, me escuta. Vou te dizer mais uma vez que o assunto realmente não é fácil. E eu ainda preciso me conhecer muito bem antes de te falar algo oficialmente. Prometo que assim que eu achar uma resposta, eu te conto tudo, ok?

Minha mãe me deu uma olhada um tanto quanto decepcionada. Afinal, ela foi para lá com um objetivo. Mas ela sempre foi compreensiva, e não foi diferente dessa vez. Logo, ela passou para a segunda parte de seu interesse:

—Bom... Então pega essa câmera, e se vir alguma coisa interessante no mar, já sabe o que fazer. Agora eu vou para lá porque eu nunca vi aquele pássaro antes! Já volto.

A falta de foco dela me surpreendia as vezes; juntamente do seu demasiado ânimo vindo do nada em momentos completamente aleatórios. Digo, aleatórios para mim. Talvez eles tenham algum tipo de sentido na cabeça dela.

Mais uma vez, obedeci minha mãe. Me sentei na beira das rochas, alguns metros acima do mar, e observei. Observei, e continuei observando por mais um tempo. Deus, como observei. Até que vi uma movimentação estranha vindo para perto da ilha. Já fui logo preparando a câmera para tirar fotos. E tudo começou a ficar estranho. Passei a filmar os floreios que se faziam em meio a água, as cores vibrantes que surgiam nas ondas. Os desenhos vinham se aproximando cada vez mais. Só então pude ver o rastro de uma grande cauda colorida, que se tornava em algo que se parecia com... uma pessoa?

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E aí, galero! Cês tão bem?

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Vou tentar publicar dois por semana. A história não vai ser muito longa, prometo.

Beijão!

MaresiaOnde histórias criam vida. Descubra agora