Coisa de Menina

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Larissa olhava o relógio enquanto passava as roupas. A casa já estava limpa, só faltava fazer o jantar para o pai. Talvez ele chegasse sóbrio, pelo menos naquele dia. Mas isso dependeria de ele se lembrar que era o aniversário dela. Completava treze anos de idade. Ronaldo, o pai, seguia ladeira abaixo. O álcool era sua única companhia, já que a companheira fora-se embora, farta de tanta pancada.

Sete horas, oito, nove, e nada. Podia ser que o pai tivesse se atrasado, quem sabe escolhendo a torta na confeitaria. Dez horas. "Dane-se o jantar!". Larissa fritou um hambúrguer, colocou-o dentro de um pão que sobrou do lanche da tarde, comeu e dormiu. Lá pelas três da manhã, acordou com os urros de vômito, vindos do banheiro. Mais um aniversário de que ele não se lembrou. Ou se lembrou e deu de ombros. "A mamãe sempre se lembrava... por que ela não me levou junto?" A mãe partira havia cinco anos e nunca mais deu notícias.

O despertador tocou às seis e meia; hora de ir para a escola. Ela prestava atenção às aulas e tirava boas notas, mas não via muito sentido naquilo; queria crescer mais um pouco, arrumar um emprego e tomar seu rumo o quanto antes. Não queria o lugar da mãe, dando conta de tudo, sem salário, sem mesada, sem presentes, nem sequer um "feliz aniversário, cachorra".

Quanto mais o tempo passava, mais ela se parecia fisicamente com a mãe. Os olhos do pai mudaram da indiferença inicial para um não-sei-o-quê em relação à filha. Larissa não entendia direito, mas tinha convicção de que não era coisa boa. Sempre que ela ouvia o barulho do portão e os passos trôpegos de Ronaldo, corria para o quarto e se trancava. O medo instalou-se, aumentando a pesada carga de tormentos que ela já trazia às costas.

Certo dia, Tânia, a mãe, apareceu na porta do colégio, na hora da saída. Quando os olhares se cruzaram, a mulher tentou se esquivar, como se mudasse de ideia, mas algo a fez ficar e encarar a menina, que buscou nos arquivos da memória aquela fisionomia, fazendo, numa fração de segundos, as devidas atualizações. Após algum estranhamento, Larissa foi em direção à mãe e a abraçou. A vergonha impediu Tânia de falar; as palavras ficaram presas na garganta, porém os olhos as traduziram em forma de pranto. A eloquência daquele silêncio dispensou qualquer diálogo. Foram juntas para casa, que ficava na mesma rua.

Larissa quebrou o gelo e assumiu a sua posição. Afinal, era ela a nova dona-de-casa.

― Mamãe, vai tomar um banho. Vou pegar uma toalha pra senhora. Tá com fome? Pode deixar que eu ajeito alguma coisa aqui pra gente comer ― disse, num riso nervoso, enxugando a lágrima que brotou de seu sorriso.

Naquela noite, Ronaldo chegou mais cedo e não menos bêbado. Larissa deixou a mãe na sala e foi para o quarto, certa de que haveria uma conversa séria da qual ela não faria parte. Talvez viesse a saber de tudo depois. Puro engano: gritos, insultos, mais coisas quebradas. Larissa ouviu a mãe dizer, antes de sair: "seu maldito, onde estava com a cabeça quando resolvi voltar? Você nunca mais vai ver a minha cara!". Outra vez Tânia se foi e não pensou na filha.

Logo em seguida, Ronaldo entrou no quarto de Larissa, que chorava de cabeça baixa, sentada na cama, abraçada aos joelhos:

― Sua infeliz, quem mandou trazer aquela mulher de volta? Você é pior do que ela! Vai para o mesmo caminho, você me paga! ― e saiu, decerto para beber mais.

A menina juntou algumas roupas, colocou-as na mochila, e telefonou para a única amiga, do colégio, tentando disfarçar o choro:

― Júlia, eu posso dormir na sua casa hoje?

― Claro que sim! Eu falo com a mamãe, ela te adora. Aconteceu alguma coisa? Você está esquisita...

― Nada demais, chegando aí eu te explico tudo. Muito obrigada!

Larissa agarrou-se na esperança de escapar do inferno: sabia que a família da amiga, havia semanas, procurava por uma empregada doméstica de confiança. Quem melhor do que ela?

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