Em um dia nublado e chuvoso Lilith se encontrava nas ruas da Vila Madalena, mas especificamente no café Bom Gosto, na rua das laranjeiras 268. Ela sempre pedia seu café habitual sempre com duas doses de menta, era uma cliente peculiar, gostava de sentar sozinha na parte mais escura e úmida da cafeteria, sempre com suas meias coloridas ahhhh as meias era o que eu mais gostava nela, ela sempre olhava para as janelas com um ar pensativo as vezes parecia que não se reconhecia no meio de tantas pessoas, coisas etc...
Era difícil não ver Lilith sorrindo, mesmo nos dias mais tristes ela estava sorrindo.
Eu uma senhora de 60 anos trabalhando em um café a praticamente minha vida toda, nunca tinha conhecido alguém como essa garota. Só descobri seu nome em um dos habituais dias que fui servir seu café mentolado, observei em um livro muito velho um nome " Lilith ", sei que esse livro poderia ser de outra pessoa, ela até mesmo poderia se chamar Patricia ou Amanda mas em minha mente ela sempre irá se chamar Lilith.
Por um bom tempo fiquei admirando essa garota, o efeito que tinha quando bebia o café, como lia seus livros, como as vezes fazia anotações em seu caderno de couro vermelho (muito diferente por sinal), mas tive que fazer uma pequena pausa de meus pensamentos para servir as outras mesas. Ela já estava na segunda caneca de café, várias páginas do seu livro já tinham sido lidas, algumas anotações já havia sido feitas, mas ela sempre dava uma pequena olhada no celular como quem esperava por alguma coisa muito importante, ou talvez ela estava procurado a si mesma naquela tela com brilho extraordinário. Percebi que ela já estava guardando suas coisas dentro da bolsa então me coloquei em prontidão para atender minha cliente favorita, ela me lançou um pequeno olhar, como se me chamasse para conversar sobre seu dia, sobre sua vida, ou até mesmo para responder todas as minhas dúvidas sobre ela. Fui caminhando em sua direção lentamente, um dos motivos para passos curtos e devagar era porquê queria ter o gosto de ver cada pedacinho do cenário que envolvia nossa garota, os móveis, o mofo atrás da sua cadeira, como ela cruzava as pernas quando estava concentrada em uma única coisa, sua presença alí era poética e ao mesmo tempo deplorável, também porque meus joelhos estavam doloridos, era uma das formas da mãe natureza te avisar que você já não é mais tão jovem assim. Quando cheguei em sua mesa olhei em seus olhos e perguntei se precisava de alguma coisa, ela me respondeu muito gentilmente e até com certa intimidade que naquele momento só precisava da conta, confesso que fiquei meio chateada por saber que ela só gostaria da conta. Queria conversar com ela, queria que ela me falasse de sua vida, suas dores, amores... enfim, levei sua conta ela pagou se despediu e foi embora, fiquei olhando ela sair do café, suas roupas era de certa forma elegantes e despojada ela sempre andava com um lindo lenço na bolsa, o lenço... Marrom com uma estampa neutra, lindo. Na porta ela colocou seu lenço envolta dos ombros ajeitou sua bolsa na lateral esquerda do corpo, olhou para trás e sorriu antes de ir embora, observei seus passos apressados pela janela parecia que queria fugir de alguma coisa, mas ao mesmo tempo parecia que estava correndo para algo. Não sei por que ela sempre me chamou tanta atenção, não era por sua beleza nem as roupas era alguma coisa muito mais além, muito mais poética, talvez fosse pelas suas anotações no caderninho exótico ou pela forma que gostava de sentar no canto mais escuro e úmido do café, acho que não tenho o por quê disso, e nunca vou ter, talvez seja por isso que me atraí por essa garota, nunca mais encontrei depois daquele dia nublado, as vezes quando o sininho da porta toca, meu coração dispara na esperança que seja ela, até perceber que é apenas um cliente comum, nunca é minha garotinha, depois daquela tarde não mais.
Quando me pego pensando em Lilith gosto de pensar que ela nunca mais apareceu porque se tornou uma grande escritora, ou se casou e foi morar no Alasca, gosto de pensar coisas boas para ela nesses momentos, e é de certa forma um grande alívio para mim fazer isso. Tenho a esperança de algum dia encontra ela novamente no café, fico as vezes imaginando como seria nosso reencontro, mas enquanto esse dia não chega fico apenas servindo e observando o fluxo, quando se é uma senhora de 60 anos que trabalha em um café, ninguém te vê mas você vê todos fica difícil encontar pessoas como Lilith, o tempo não é mais seu amigo e tudo passa diante do seus olhos, sei que já não tenho tanto tempo mas continuo a esperar pela garota "peculiar" mesmo sabendo que vejo tudo e ninguém me vê.
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cup of coffee
KurzgeschichtenSe você gosta de saborear as coisas simples da vida vai adorar esse livro!!!!!! Cup of coffee é um livro com contos variados sobre nosso cotidiano, ele retrata o lado poético de tudo, como a cliente peculiar Lilith ou até mesmo a sapeca da Lalitha...