Capítulo I

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Estou um pouco atrasado hoje, acho que deveria ter ido dormir mais cedo a noite passada, mas esse caso não saiu da minha cabeça, passei a noite em claro tentando decifrar os motivos e possíveis origens para tais situações.

Enfim, cheguei ao consultório, ainda bem que dona Ranha já havia chegado e deixado tudo em ordem para mais um longo dia de trabalho. Dona Ranha, minha secretária, está comigo há muito tempo, ela é uma profissional muito organizada e comprometida com suas atribuições, manten­do sempre a clínica impecável e organiza minha agenda de forma muito competente.

Ela foi uma de minhas primeiras pacientes, caso difícil devido a minha pouca bagagem profissional naquela época. Fácil de identificar o quanto ela tem mudado após tantos anos, porém com mui­tas dificuldades em saber o tamanho dos conflitos encontrados nesse caminho da mudança. Atual­mente é mais comum encontrá-la vestida de for­ma mais descontraída. Hoje ela está vestindo um blazer cinza escuro, camisa preta com colarinho branco, saia justa de cor preta e um lindo par de brincos com minúsculos pontos vermelhos que lembra uma flor.

Por um período eu me questionava como uma mulher formada, viúva, mãe de centenas de fi-lhos, não conseguia fazer algo simples como usar uma peça de roupa que não fosse preta. No início dos tempos, dona Ranha sofria de ansiedade, vi-via metendo os pés pelas mãos, mas no decorrer do tratamento, ela foi se autodescobrindo, pos­sibilitando as coisas acontecerem em seu devido tempo, isso a tornou mais segura e capaz de ter o controle de suas ações e, devido a essa carac­terística, foi contratada para trabalhar comigo.

- Bom dia, doutor Nomia! Pelo visto o senhor acor­dou atrasado novamente, quer que eu leve uma xícara de leite? - dona Ranha me cumprimentou de forma educada e como sempre querendo me agradar.

- Bom dia, dona Ranha! Sim, mais uma vez estou em cima da hora. Quem sabe amanhã eu chego mais cedo! Deixa o leite para o fim dessa sessão, obrigado.

- Deixarei pronto! Aliás tenho alguns recados para o doutor, nenhum urgente, posso te passar no intervalo.

- Ok. Obrigado. Peça para o paciente entrar, por favor.

Venho chegando atrasado no consultório há mui­to tempo, correndo como um louco, parece que não estou conseguindo mais ter controle do meu tempo e dos meus afazeres. Recordo-me que, no início de minha carreira, eu chegava bem cedo para organizar o consultório, repassar leitura das conversas anteriores dos pacientes do dia. Naquela época, havia poucos pacientes, hoje mal consigo dar uma lida rápida a respeito do paciente do horário seguinte.

- Dona Ranha, antes que eu me esqueça, a senhora poderia ligar para Pascoalina e ver se ela está bem? Caso não esteja, diga que é impor­tante que ela venha aqui para conversarmos, tente encaixá-la na minha agenda, por favor.

Pascoalina é uma das minhas clientes mais re­centes, ela chegou ainda grávida. Ela sabia que estava gerando mais de um filho. Estava com muita ansiedade em relação ao futuro de seus bebês, insegura com o sustento deles e com a condição em que estava passando no momento em sua vida, pois estava desempregada e havia sido abandonada pelo pai de seus filhos.

Já nas primeiras sessões, ela revelou a mim al­guns dos pensamentos negativos que estavam assombrando sua mente, estava ouvindo vozes internas dizendo-lhe que não seria capaz de ser uma boa mãe e para não ter esses filhos. Segun­do ela, essa voz estava atormentando-a dia e noi­te e já não estava mais aguentando controlar.

Durante algumas sessões, conversamos mui­to sobre a maternidade, as forças que uma mãe carrega ao ter um filho. Falamos sobre os meios de vencer os pensamentos negativos e nos sentir mais seguros em relação à vida.

No divã do doutor NomiaOnde histórias criam vida. Descubra agora