Capítulo 2

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Feito uma máquina ultrapassada, senti que a minha linguagem não fazia mais sentido. Havia tantas tecnologias melhores, mais rápidas, mais eficazes. Talentos a serem desenterrados. Enquanto eu ocultava os meus, lentamente. Soterrando-os no meu inconsciente, sem se preocupar com as dívidas do passado, presente e futuro. Sem nenhum pingo de culpa no peito. Anos de trabalho duro espalhados pelo caminho como um grito de guerra. Um protesto profano.

Mas essa batalha já estava perdida – sempre esteve, aliás. Era vergonhoso chegar a esse ponto. Se é difícil admitir para mim mesma, imagine para o mundo. Todos os pilares da minha vida desabaram diante dos meus olhos. Pela primeira vez na vida, não consegui escrever sobre o que sentia. Porque, na realidade, o vazio me consumia. Nunca ousei dizer isso a ninguém, nem mesmo a minha melhor amiga. Mas certas coisas não precisam ser ditas. Elas falam por si só.

Após muitas lágrimas, cheguei à conclusão que o meu instinto de autopreservação veio com defeito. Eu me coloquei nesta situação, e aviso: não há de romântico em passear pela corda bamba. Inevitavelmente, você irá cair. Não hoje, não agora, mas algum dia. E não há aviões de resgate, meu amigo. Muito menos paraquedas. Você irá deslizar por um poço profundo, ininterrupto aparentemente. Até que tenha forças de se alçar para cima, com as próprias mãos e pernas.

A dor é tão excruciante, que decidi poupar os outros do meu drama interno. A lista não é longa, mas inclui todas as pessoas com quem me importo. Lógico que a ruiva está desgostosa – fui generosa nas palavras: puta da vida – com a situação, assim como Rita. Nunca cheguei tão fundo, era nítido. Elas não estavam apenas preocupadas com o meu destino, mas com a minha sanidade emocional. Até que ponto eu era capaz de ir? Não sei.

Durante esse hiato da minha vida, arquitetei diversos planos insanos com o auxílio da minha cabeça criativa. Desenrolava histórias aos baldes, sem coragem de pô-las em prática. O menor contanto com a escrita fazia meu estômago revirar e gotículas de suor banharem minhas têmporas. Um tremor forte irradiava do meu corpo. Um medo psicológico tão intenso, que parecia ganhar vida a cada letra.

Eu não sou nada sem a escrita, pensava.

Para ser sincera, ainda penso. Esse roubo me custou mais do que algumas moedas de ouro. Desta vez, eu fui longe demais. Ou perto demais. Nunca se sabe.

Os e-mails, a maioria de cobrança, se aglomeravam na tela. Uma fileira extensa de perguntas sem respostas. "E o livro?", a editora dizia. "Estou preocupada", Rita falava. "Eu vou te matar se não encontrar uma forma de se comunicar", ruiva ameaçava.

Ah, esqueci de acrescentar um detalhe importantíssimo: estou sem celular. O meu desejo de se desconectar do mundo é genuíno, e esse passo me pareceu essencial para o seu cumprimento. Longe dos holofotes, baby. Longe da civilização.

Ainda que meu casulo fosse eficaz na maior parte do tempo, ele contava com um endereço. Um local fixo onde os curiosos poderiam se dar ao trabalho de importunar por dias afinco. Portanto, atender a porta não era exatamente o meu hobby favorito.

Com o tempo, as visitas "inesperadas" foram diminuindo, para o meu grande alívio. Me sentia menos oprimida e mais protegida em uma caixa de concreto do que lá fora. Multidões arrastando-se pelo chão, desesperados, alucinados. Tudo me acometia ao apocalipse.

Os dias eram iguais. Dentro dessa normalidade senti que detinha algum controle sobre minha vida. Não passava de ilusão, claro. Porém, era uma mentira confortável – necessária, até –, que me ajudava a manter a estabilidade dentro do possível.

Não sei no que vocês acreditam: Deus, universo, força maior. Mas uma coisa é certa: algo mudou bruscamente o meu destino. É como dizia os Engenheiros do Hawaii: "se soubesse antes o que sei agora, erraria tudo exatamente igual".

O que vou contar parece absurdo, mas não preciso que acreditem em mim. Deixem que a história construa sua voz e expresse-se livremente no coração de cada um de vocês. Sem pressa, desenrolando-se como um espetáculo onde não há vilões ou heróis, mas erros e acertos.

Ao decidir sair daquela cama mofada de tristeza, em plena segunda-feira – o dia mais repudiado do planeta –, fiz uma escolha importante sem consciência. Para mim, um estímulo natural. Para o glorioso universo, no entanto, era o início.

Deixei as paredes grunhindo a minha volta e o cheiro forte de ácaro guerreando por todos os cômodos, equipada apenas com uma blusa de frio e um gorro. Ao abrir a maçaneta, sons de todos os tipos reverberaram pelo apartamento vazio. Quando os meus pés ultrapassaram o limite, pisando em solo firme, soube que não havia mais volta. A passos largos, afastei a sensação que se formava no meu estômago. Ignorei as súplicas emocionais que ansiavam pelo meu retorno. Sem saber ao certo para onde ir, confiei nos meus instintivos mais primitivos. Acreditem ou não, algo me guiava.

O destino armara sua última armadilha. E a partir de um ato tão trivial, minha vida nunca mais seria a mesma. Ainda bem.

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Boa noite, meus amores! Como vocês estão?

Sentiram o impacto desse capítulo? Espero que sim, porque muitas novidades vem por aí. Preparem o coração! hahahahahaha

Me contem tudo que acharam  <3

Falando em capítulo, o próximo sai  na sexta-feira que vem (02/06). Porém, tenho um pedido: adicionem o livro na biblioteca, porque pretendo lançar capítulos bônus em breve. Dessa forma, vocês não perdem nenhuma novidade, porque o Wattpad se encarregará de notificá-los.

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Um grande beijo. Espero que estejam gostando <3

Kahlil (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora