Capítulo 8

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Não há muitas formas saudáveis de fugir de um vagão em movimento, por isso o ministério da saúde adverte os efeitos colaterais desta tentativa, que podem ocasionar, na melhor das hipóteses, em lesões gravíssimas. Sendo assim, enfrentar meu pior medo é, ironicamente, a única saída. Eu sei, vocês devem estar acostumados com uma Kahlil cheia de si, exuberante, extravagante, com uma resposta engatilhada na ponta da língua. Mas lembrem-se que essa mulher se queimou no próprio fogo, consumiu a chama, extinguiu o gás, não passa de cinzas ainda flutuando pelo ar. Invadindo pulmões, acomodando-se num passado tão presente, intacta feito tragédia. Há uma beleza obscura em coisas ruins, não há como negar.

Só que ir de encontro a elas é igual perder o freio. Descarrilhar a cachola e jogar as bagagens pelo ar, sem medo de cair. Mas quando a gente bate, a queda é feia. É grotesca. Não sobre muito para contar a história.

"Seus olhos estão... marejados?", foi a última pergunta que passou pela minha cabeça antes que minhas dúvidas se perdessem nas dobras do seu suéter. Uma intimidade desconcertante, aquele abraço. Aquele gesto tão cheio de perdão e culpa. Aquele gesto tão apertado, feito nó no meu pescoço. Aquele perfume doce na medida certa, temperando o ar.

– O que você acha... – sacudi a cabeça tentando recuperar o foco – o que está fazendo? – proclamei, enfim. A voz, que ondulava a cada palavra, era a prova de que eu estava perdendo o controle.

Meus braços pendiam para o chão, frouxos, sem ânimo. Meu corpo permanecia imóvel, feito soldado em campo-minado – um movimento para frente e adeus, baby. Não soube identificar a sensação de imediato, mas soube mais tarde que essa reação involuntária não tinha nada a ver com emoções enjauladas, prontas para readquirir sua liberdade. Mas sim sobre o que a ausência pode fazer com elas, reduzindo-as a nada.

– Eu achei que nunca mais fosse te ver... pelo menos não ao vivo – lágrimas quentes acariciaram meu pescoço. – Você não faz ideia de como eu quis te encontrar, depois de tudo – disse Agatha, estreitando ainda mais a distância dos nossos corpos.

– Você nunca me pareceu muito empenhada em me encontrar. Agora... poderia fazer a gentileza de me soltar? – respondi, com escárnio.

Teimosa, ela manteve o abraço como uma espécie de laço da verdade, mas decidiu levantar o rosto.

"Olhos amarelos, olhos amarelos, por onde vocês andaram? Qual o sentido disso tudo?"

Por alguns instantes perdi a concentração, confesso. Era hipnotizante aventurar-se no mistério daquela íris.

– "Baby, baby, não adianta chamar quando alguém está perdido, procurando se encontrar" – cantarolou Agatha, ríspida, sem nenhum senso de humor na ponta da língua. Então, enxugou um ou duas lágrimas na ponta do queixo. – Além disso, você sempre foi orgulhosa demais.

– Já passou pela sua cabeça, só uma única vez, que talvez eu não tivesse me perdido a ponto de ter que me achar, caso não tivesse te conhecido? – gritei. Sim, eu gritei. Palavras guturais saindo de uma garganta árida, cheia de rancor. Me arrependi no mesmo instante, mas já era tarde demais. As pessoas em volta olhavam chocadas, abismas com a minha falta de sensibilidade, a minha falta de educação, de pudor, de sensatez, de postura. E mais uma vez me senti esmagada contra o muro.

Agatha desfez o nó, mas sabíamos que isso ia muito além de abraços. Algo ali havia quebrado. Eu podia ouvir claramente o tintilar do vidro de encontro ao chão. Milhares de pedacinhos voando para lugares desconhecidos, separando-se para sempre. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, resolvi recolher o resto e jogar tudo de qualquer jeito no bolso.

Atônita, rosto em branco, caça níqueis girando nas órbitas. Suor frio escorrendo na nuca. Pessoas passando, pessoas indo, pessoas voltando. Eu atravessei aquele vagão feito peixe contra correnteza. Sussurrei, e pedi a Deus que o vento levasse a mensagem: "me desculpa, me desculpa, me desculpa..."

Droga, eu nem sei pelo o que exatamente estava clamando. Apenas recitei o que estava no meu coração. Talvez não soubesse que ele podia ser tão cruel. Talvez não quisesse ser tão cruel. A dor embota a verdade, sequestra a razão e empoem a raiva, a mágoa. E elas parecem tão pequeninhas, ali, contidas por uma barreira segura. Mas a gente esquece como elas crescem, enquanto a gaiola fica cada vez menor.

A última cena que me lembro deste encontro, foi do rosto da Agatha contra o vidro da porta, sumindo aos poucos. A porta fechou, ela chorou. A porta fechou, ela colocou as mãos em conchas sobre o rosto. A porta fechou, mas seus olhos me espiavam por fendas secretas, que jorravam cachoeiras. A porta fechou, o trem andou, mas seus olhos continuavam lá. Desta vez, era ela quem desejava abrir a porta, mas não podia. Porque a havia trancado para fora. Para fora do meu coração. E, ainda assim, seus olhos estavam lá.

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Boa tarde, meus amores! Como vocês estão após esse capítulo? Porque eu estou exatamente como o gif acima hahahahahaha

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Boa tarde, meus amores! Como vocês estão após esse capítulo? Porque eu estou exatamente como o gif acima hahahahahaha

Gostaria de pedir desculpas por não ter avisado quando ia sair o capítulo novo. Mas já aviso que o próximo capítulo irá sair na próxima sexta-feira (07/07).

Se vocês acharam que a história está começando a pegar fogo, é porque ainda não viram o próximo capítulo! HAHAHAHAHAHA Preparem-se.

Não se esqueçam de favoritar a obra, comentar e compartilhar, isso ajuda muuuuito o autor <3

E, por favor, coloquem o livro na biblioteca meus amores!

Beijos <3

Kahlil (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora