35

47 0 0
                                    

Respire.
Mantenha a calma.
Pense.
Tudo vai dar certo.
Agora... Hora de reagir.
Voltei a fixar meus olhos na diretora, e entrei na sala, fechando a porta atrás de mim. Caminhei rapidamente até a cadeira vazia, que graças a Deus, ficava na ponta, ao lado da de James . Pelo menos eu não precisaria ficar perto de Matheus, muito menos de Kelly.
- Imagino que saibam por que estamos aqui, certo? - a diretora Scott disse, olhando para mim e para James , que assentiu - Não deve ser surpresa para nenhum dos dois o fato de que o professor Hoffman fez algumas acusações a seu respeito, então.
Engoli em seco, vendo-a nos encarar incisivamente. Um silêncio tenso caiu sobre nós, até que James o quebrou.
-Ainda assim, eu gostaria de ouvir o que o professor Hoffman tem a dizer - ele falou, extremamente sério, e ela ergueu uma sobrancelha, como se achasse seu pedido uma perda de tempo - Receber uma punição sem ouvir as acusações seria o mesmo que assinar um contrato sem lê-lo.
Após alguns segundos de reflexão, a diretora pareceu convencer-se.
- Por favor, professor Hoffman, repita o que me disse há pouco - ela assentiu, voltando seu olhar para Matheus, assim como todos nós. Ele me lançou um rápido olhar antes de começar a falar, e eu me senti estranhamente enjoada.
Talvez prevendo o que viria.
- Eu fui ameaçado.
Franzi a testa, sem me recordar do momento em que tal fato havia acontecido. Talvez porque ele não tenha acontecido.
- Ela sempre teve essa obsessão por mim, desde que comecei a dar aulas para a sua turma - Matheus prosseguiu, e eu senti que precisaria de muito esforço para que meu café-da-manhã, ainda sendo digerido em meu estômago, não fosse parar sobre a mesa da diretora - Eu sempre tentei evitar qualquer tipo de aproximação desnecessária, até o dia em que ela se cansou de meu comportamento profissional e ameaçou me acusar de abuso sexual se eu não aceitasse um relacionamento íntimo.
Meu rosto estava congelado numa expressão incrédula, ultrajada e revoltada. Eu só podia estar delirando... Não havia outra explicação plausível.
- Eu preciso do emprego, não tenho a vida ganha - ele continuou, com a expressão inocente, e minhas mãos se fecharam em punhos em torno dos apoios laterais da cadeira - Por isso, temendo que ela realmente me denunciasse, eu aceitei sua condição, mas sempre pensando numa forma de fazê-la voltar atrás e retirar sua ameaça. Felizmente, após algum tempo, convencida de que eu jamais poderia retribuir seus sentimentos, ela me libertou de sua chantagem. Infelizmente, porém, seu foco desviou-se para outro professor.
- No caso, o professor Wyatt - a diretora disse, e Matheus assentiu. Meus olhar estava inconscientemente cravado nele durante todo o seu falso depoimento, e eu não me surpreenderia nem um pouco se ele e Kelly começassem a pegar fogo dali a alguns segundos devido ao meu ódio. Olhei rapidamente para James , vendo-o encarar a mesa com o rosto isento de expressão.
Ele já esperava truques baratos como aquele. Eu também já. Mas não tão baratos como simplesmente jogar toda a culpa para cima de mim. E ainda por cima, trazer Kelly, cuja presença eu ainda não entendia.
- Não foi muito difícil para ela fazê-lo corresponder seus sentimentos, já que seu histórico entre as alunas do colégio sempre foi bastante comentado - ouvi Matheus falar, e decidi adotar a tática de James e não olhar mais para ninguém; mantive meus olhos baixos e o maxilar trancado, recusando-me a assistir àquele momento deplorável - E honestamente, diretora, eu não creio que seja esse o tipo de profissional que uma instituição de ensino tão renomada queira ter em seu corpo docente. Além do fato de que a srta. Aiken claramente necessita de suporte psiquiátrico, afinal, ninguém em seu perfeito estado mental faria o que ela fez.
Vai pro inferno, desgraçado, minha consciência dizia, e eu respirei fundo para não externar as palavras. Virei meu rosto na direção oposta à de Matheus e todos os outros presentes, sentindo meu corpo inteiro queimar de ódio. Filho de uma senhora puta.
- O que os senhores têm a dizer? - Maggie perguntou alguns segundos depois, e nem precisei olhá-la para saber que se referia a mim e a James . Ele suspirou, preparando-se para falar, porém as palavras simplesmente irromperam de minha boca, sem que eu sequer me desse conta de que elas estavam subindo por minha garganta.
- Se eu dissesse que é tudo mentira e que quem precisa de suporte psiquiátrico é ele, a senhora acreditaria em mim?
A diretora piscou algumas vezes, surpresa com a minha resposta rápida, e eu a encarei com determinação. Se ele achava que conseguiria nos afundar sem que eu lutasse contra isso, estava muito enganado. Ele podia ter sua determinação, mas ela nem se comparava à minha.
Eu tinha por quem lutar. Ele só tinha a si mesmo.
- Acreditaria - ela disse, devolvendo meu olhar determinado com firmeza - Se fosse apenas a sua palavra contra a do sr. Hoffman. O que não é o caso.
Cerrei levemente meus olhos, sem entender, e foi então que uma quinta voz finalmente se pronunciou, explicando o motivo de sua presença.
- Eu vi o professor Wyatt e a Aiken se beijando no laboratório de biologia - Kelly mentiu, me lançando um olhar de censura. Fechei meus olhos por um breve momento, soltando um risinho descrente, e voltei a baixar meu olhar. Sério mesmo, Smithers?
- Há uma testemunha contra vocês - a diretora observou, entrelaçando seus dedos por sobre a mesa - E isso não pode ser ignorado.
- É mentira - James se pronunciou, sem perder a inexpressividade, porém com muita certeza do que dizia - Nós nunca fizemos nada nos laboratórios. Mesmo que ela seja uma suposta testemunha, é a minha palavra contra a dela.
- Ah, é? E você tem como provar que seu argumento é verdadeiro? - Kelly perguntou, esquecendo-se de comportar-se educadamente.
- Você tem como provar que o seu é? - rebati, encarando-a com desprezo e destruindo sua autoridade num segundo. James não estava sendo totalmente sincero, mas nunca havíamos sido flagrados no laboratório, sempre nos precavíamos. Aquele testemunho era absolutamente inconcebível.
- Com licença, diretora Scott - ouvi uma voz masculina dizer da porta, e todos nos viramos para ver o inspetor - Desculpe interromper.
- Tudo bem - ela bufou, incomodada com a intervenção - O que houve?
- A mãe de uma aluna acabou de ligar para a secretaria - ele explicou, e eu franzi a testa ao ver duas cabecinhas familiares por sobre seu ombro - Ela disse que está vindo para o colégio falar com a senhora.
Prestei pouca atenção em suas palavras, mais concentrada em saber o que raios Crystall fazia do lado de fora da secretaria, acenando discretamente para mim e acompanhada de Amy Houston. Totalmente confusa, olhei rapidamente para James , que ostentava a mesma expressão perdida que eu.
- Esta manhã eu não posso atender mais ninguém - a diretora falou, balançando negativamente a cabeça - Peça a ela para vir amanhã.
- Com licença, diretora - Crystall chamou da porta, e o inspetor pareceu irritado com a intromissão - A mãe que está vindo é a dela.
Arregalei os olhos ao vê-la me indicar com um aceno de cabeça, e olhei novamente para James , recebendo um olhar surpreso de volta. Pelo visto, ele não sabia muito mais do que eu, e isso me confortava de certa forma.
- A sra. Aiken? - Maggie perguntou, e logo após ver Crystall assentir, ela dirigiu seu olhar para mim - Ela sabe de tudo isso?
- Ela sabe a verdade - corrigi, encarando a diretora com firmeza - E tudo isso não é a verdade.
- Ela não é a única - novamente Crystall disse, olhando com certa indignação para o inspetor que bloqueava a porta, e logo em seguida invadindo a sala com Amy em seu encalço - Eu e a srta. Houston também sabemos.
Olhei para Crystall, em pânico, e a vi esboçar um sorriso satisfeito. Com toda a certeza do mundo, eu havia perdido algo.
- Pois não, senhoritas - a diretora Scott assentiu após alguns segundos de hesitação, e dispensou o inspetor com um aceno de mão - Sou toda ouvidos.
- Se incomoda em começar? - Crystall perguntou, virando seu rosto para Amy, assim como todos os outros presentes. Notando que era o centro das atenções, ela respirou fundo antes de falar.
- Eu ouvi uma conversa entre os dois há alguns meses... Numa sala vazia - ela começou, parecendo tímida, porém bastante certa do que dizia - Eu saí da sala para ir à enfermaria tomar um comprimido para dor de cabeça, e assim que apareci no corredor, vi o professor Hoffman puxando Violet pela mão para uma sala perto dos banheiros. Fiquei curiosa e me aproximei para ouvir a conversa deles por trás da porta, e só consegui escutar alguns pedaços. E bem... Eu ouvi claramente o professor Hoffman dizer que queria beijá-la.
- Eu não admito que uma aluna faça uma acusação dessas sem poder provar! - Matheus exclamou, exaltado, e a diretora ergueu uma mão, ordenando que ele se acalmasse.
- Ninguém aqui tem provas concretas, professor - ela esclareceu, olhando para Amy em seguida - A senhorita tem certeza do que disse?
- Absoluta - Amy confirmou, e só então eu me dei conta de que mal respirara desde que ela começara a falar. Se eu não estava enganada, aquele momento ocorrera no dia seguinte ao nosso primeiro beijo. Como fomos tão descuidados a ponto de permitir que alguém nos visse e ouvisse?
Minha mente mergulhou em questionamentos, mas parte dela manteve-se atenta a tudo que acontecia à minha volta. A diretora assentiu, respirando fundo, e olhou para Crystall.
- E a senhorita... O que tem a dizer?
- Será que eu posso me sentar? - ela perguntou, fazendo uma caretinha, e eu quase ri da forma confiante através da qual ela lidava com a situação - A história é um pouco longa, e eu faço questão de ser bem detalhista.
- Eu vou buscar duas cadeiras em alguma sala vazia - James se ofereceu, levantando-se antes mesmo que a diretora se pronunciasse, e todos se mantiveram quietos até que ele retornasse.
- Muito obrigado, professor, o senhor é muito gentil - Crystall agradeceu enquanto ela e Amy se acomodavam, sorrindo para James e logo em seguida lançando um rápido olhar de desprezo para Matheus - Agora eu posso contar tudo. Hm... Por onde começo?
Quinze minutos se passaram, durante os quais a voz de Crystall fora praticamente soberana na sala. Apenas a diretora fazia algumas perguntas, que eram muito bem respondidas, enquanto o resto dos presentes, incluindo eu, ouvia em silêncio. Observei o rosto de Matheus, já um pouco nervoso diante de todo o relato verídico e convincente de Crystall, e meu coração acelerou. Desviei os olhos para James , que olhava atentamente de Crystall para a diretora, e então olhei para Amy, cochilando sobre o próprio ombro. Típico.
- Com licença, diretora Scott - o mesmo inspetor interrompeu, e todos nós o olhamos - A sra. Aiken acabou de chegar.
- Peça-a para entrar, por favor - Maggie pediu, e meu coração quase parou ao ver minha mãe entrando, poucos segundos depois, na pequena sala já tão cheia de gente.
- Bom dia, diretora - ela sorriu, sem o menor sinal de nervosismo ou raiva, e logo em seguida olhou para James - Olá, querido. Como vai?
- Bem, e a senhora? - ele disse imediatamente, sorrindo de maneira amigável, e ela assentiu, respondendo-o.
Espera um pouco aí.
O que diabos eu havia perdido afinal? Eu tinha ficado desacordada por algumas semanas? Desde quando minha mãe conhecia James ?
- Bom dia, sra. Aiken - a diretora cumprimentou, alguns segundos depois, parecendo tão pega de surpresa com a simpatia entre os dois quanto eu e Matheus, que mal conseguia disfarçar sua indignação - Por favor, sente-se.
- Fique à vontade - James adiantou-se, ficando de pé e fazendo um gesto para que minha mãe ocupasse o seu lugar.
- Muito obrigada - mamãe falou, obedecendo-o e dando um breve sorriso para mim enquanto James parava atrás de minha cadeira e apoiava suas mãos no encosto dela. Apenas pisquei, olhando para Crystall e vendo-a prender um sorrisinho. A voz da diretora me trouxe de volta à realidade, e eu me concentrei para guardar minhas dúvidas e prestar atenção nela.
- Pois bem... A que devo sua presença?
- Primeiramente, eu trouxe alguns bilhetes que encontrei no criado-mudo de minha filha - ela começou, mexendo em sua bolsa e retirando alguns pedaços de papel dobrado dela, logo depois colocando-os sobre a mesa - São bilhetes do professor Hoffman, pelo que pude perceber. E se a senhora ler qualquer um desses, terá como se certificar de que a caligrafia é dele.
Encarei os bilhetes sobre a mesa, totalmente perplexa. Como minha mãe os havia descoberto? Tentando encontrar uma resposta racional, apenas observei a diretora abrir um deles e lê-lo em voz alta:

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Jul 12, 2018 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

BiologyOnde histórias criam vida. Descubra agora