Capítulo 2 - Medos

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FELIPE - 10 anos de idade

Minha prima Cecília é uma chata. Toda vez que a gente vem para a roça do tio Jorge ela faz esses desafios malucos.

— E aí, vai amarelar? - Ela grita, do alto da árvore de manga que fica no meio do sítio. Ela tem sorte de as nossas mães estarem entretidas fazendo almoço, se não estava encrencada!

— Eu já vou Ceci, não enche! - Respondo com raiva. - Só não gosto muito de altura.

— Só não gosssto de alturaa - ela repete numa voz fina, dando risada.

Subo com dificuldade os primeiros galhos e depois, com mais confiança consigo chegar ao topo da árvore.

Chego perto e falo com orgulho:
— Ta vendo só, cabeção de fogo! Eu consegui.

— Seu idiota! Sabe que não gosto quando zoam meu cabelo. - Ela responde irritada. Em seguida aponta para a casinha lá longe - Olha como é legal ver tudo daqui.

— É verdade - respondo - A gente se sente tipo super-herói, tipo com poderes especiais!

Cecília dá um tapinha de leve na minha cabeça e retruca:
— Deixa de falar besteira Lipe!
Dou risada e vou descendo devagar da árvore. Logo em seguida vem Ceci, com o cabelão de fogo solto e todo embaraçado.

Decidimos ir brincar de pique esconde com meu irmão mais novo Edu.

***

Naquele mesmo dia à noite, depois do jantar, saímos escondido de casa.

Os três, Edu, Ceci e eu. Resolvemos deitar no gramado e observar as estrelas.

Aqui na roça sempre parecia que tinham muito mais estrelas no céu do que na cidade. E nós amamos ficar aqui olhando para o céu e contando histórias de terror.

Depois de um tempo ali, quando já se esgotaram as histórias do nosso repertório, ficamos em silêncio por alguns minutos.

— Vocês têm medo de morrer? - Pergunto, de repente com uma sensação estranha no peito.

— Eu hein, que pergunta é essa Lipe? - Responde Edu, sério.

—Sei lá estava pensando nisso.

— Não. - responde Cecília.

Eu e Edu nos viramos pra ela, perplexos. Eu sempre achei que Ceci era corajosa, mas morte? Quem teria tanta coragem assim?

— Sei lá, só acho que a gente está aqui por algum motivo e se for para morrer, morreu. - Ela solta uma risadinha - Só espero não sofrer muito.

Ficamos em silêncio de novo e depois decidimos voltar pra casa. Percebi que nem eu nem Edu respondemos minha pergunta em voz alta.

É porque, nós dois, tínhamos medo de morrer.

Coração em chamas [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora