BEATRIZ
— Oi Beatriz. Como se sente? - Ouço aquela voz novamente, que me traz de volta de um sonho ou pesadelo que tenho tido ultimamente.
Ele voltou. O cara da voz... esqueci o nome. Ele voltou. Que coisa estranha. As pessoas sempre vão e nunca voltam. Ou então ficam e desgraçam a minha vida a ponto de me fazerem querer fugir. Exceto por Larissa. Bom, por enquanto. Desde que a conheci no bar ela tem me ajudado e estado comigo sempre. Ela vem me visitar várias vezes. Pelo menos é uma voz que reconheço e sei que é real. Larissa me traz velas aromáticas, conversa comigo sobre os bonitões que entram no bar e me diverte bastante.
O estranho continua seu monólogo e sinto uma vontade imensa de poder responder, falar com ele.
— Ainda me sinto estranho falando com você, mas, de alguma forma sinto que devia vir aqui. Meus colegas de serviço não sabem disso. Se soubessem iriam dizer que sou maluco ou que estou me envolvendo demais. Mas não é nada disso. É só que... Meio que me sinto responsável por você de um jeito que normalmente não sinto com as outras pessoas que atendo.
Ele fica em silêncio por um tempo.
— Espero que você melhore. Queria poder te ouvir falar também. Sei lá, como eu disse, ainda me sinto um doidão falando com você aqui.
Ele é engraçado. Eu também queria poder conversar com ele em circunstâncias normais. Ainda sinto como se estivesse em um sonho. Na verdade, nem sei se essa voz é real ou fruto do meu subconsciente. Mas o fato é que me sinto bem ao ouvi-lo.
Ele começa a contar sobre coisas do dia a dia, sobre como os amigos dele adoram fazer churrasco quando estão de plantão, mas somente nos dias mais tranquilos, com pouca ocorrência, segundo ele, normalmente aos domingos. Ele conta que os caras adoram falar de futebol e vivem reclamando das esposas ciumentas.
É bom ouvir coisas rotineiras assim. Me fazem esquecer do passado. Porém ele para de falar por um tempo. Ouço ele respirar fundo, como se estivesse pensando em algo muito sério. E então ele volta a falar:
— Hoje eu atendi uma ocorrência de suicídio.... - Mais silêncio por alguns segundos e depois ele continua. - É um tipo de atendimento bem comum aqui em São Paulo, infelizmente. O homem se jogou na frente de um ônibus. Foi feia a coisa. Fiquei pensando, pela milésima vez, o que faria uma pessoa decidir morrer e ter a coragem para fazer uma coisa dessas e... Puta merda. Eu tô falando de suicídio com uma pessoa em coma, tenho certeza que isso não é bom. Droga. A verdade é que poucas pessoas estão dispostas a ouvir sobre o meu trabalho e às vezes é bom desabafar com alguém que não seja um bombeiro. Droga. Desculpa, Beatriz... Bia.
Ele faz outra pausa e eu penso nos inúmeros motivos pelos quais já quis morrer. Ficamos ali em silêncio e sei que ele está ali porque ouço sua respiração pesada.
De repente ele diz algo que me surpreende e me toca de um jeito que não consigo nem explicar:— Mas você não pode desistir da vida. - Ele fala, começando a frase com a palavra "mas", como se estivesse continuando um pensamento dele - Vale a pena Bia. Independente do que já te aconteceu. Vale a pena.
O silêncio volta, mas dessa vez sinto um calor me aquecendo. Como se aquela declaração tivesse acendido algo em mim. Um estranho. Um total estranho me disse que vale a pena, que a minha vida vale a pena. Eu devo estar delirando. A voz dele ecoa na minha cabeça e me vejo na praia sentindo o calor do sol aquecendo minha pele. Ouço o som do mar e das ondas quebrando. Ouço uma voz dizendo "Vale a pena Bia". Entro na água morna do mar e digo: Vale a pena.
Devo estar delirando.
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Coração em chamas [DEGUSTAÇÃO]
RomanceFelipe é um bombeiro e está acostumado a ver de perto a morte (ou quase morte) todos os dias. Mas quando salva Beatriz de um incêndio se vê ligado a ela como nunca aconteceu antes. Ela fica em coma e ele e passa a visitá-la no hospital. Surge uma li...