Parte 2

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Quando você presta vestibular, é natural que tenha um futuro traçado, ainda que apenas na sua própria cabeça. Tirando as pessoas que aplicam para Oboé só para passar o tempo, a minoria não tem algum plano para depois de se formar.

Bom, eu tinha.

Eu me formei em uma das melhores faculdades de Direito do Rio de Janeiro. Meu pai me ajudou a conseguir um estágio incrível na polícia federal e, quando eu aceitei de fato minha paixão pelo direito penal, logo ele arrumou uma vaga no famoso escritório Hoffmann & Soares.

Eu cresceria dentro do escritório e faria uma carreira sólida. Mudar de país, fazer magistratura... Nada disso nunca me encheu os olhos. Virar delegada talvez. Mas eu gosto da mordomia que tenho no escritório, conquistada depois de horas acordada durante madrugadas a fio e vários casos favoráveis no tribunal.

Mas tudo isso pode ser posto a perder porque estou grávida.

Sim, é isso mesmo. Mesmo bêbada, eu não devia ter sido tão burra a ponto de transar sem camisinha quando não estou tomando nenhum outro tipo de anticoncepcional. E, obviamente, porque eu estava fora de mim naquele dia, nem ao menos cogitei tomar a pílula do dia seguinte só por precaução.

Como minha vida sexual está um tanto quanto morta, com exceção da droga daquela noite, não tenho o menor pingo de dúvida que esse filho é de George. E, se por um lado meu subconsciente se anima porque meu filho vai ter dupla cidadania alemã, a parte racional que ainda habita em mim está em pânico de contar essa incrível notícia para o meu chefe.

- Está tudo bem? – George pergunta.

Eu estava completamente distraída. Enquanto ele falava sobre o processo de Ricardo Bonetti, eu divagava sobre o serzinho que cresce em minha barriga. Será que vai ter as sobrancelhas bem desenhadas e arqueadas do pai? Será que o cabelo vai ter essa cor de mel maravilhosa?

- Manoela?

- Oi! – Falo e minha voz sai um tom mais alto do que o esperado. – Oi, George.

- Está tudo bem? – Ele pergunta novamente. – Você parece um pouco distante. Quer fazer uma pausa?

- Não, está tudo bem.

George ia contestar, mas sua secretária entra às pressas na sala com um olhar assustado.

- Janine?

- Doutor Hoffmann, tem um homem subindo. – Ela choramingou. – Ele disse que se o doutor não o recebesse, ele ia matar todo mundo. Acho que... acho que ele está armado!

Minhas mãos vão imediatamente para minha barriga, onde há uma pequena protuberância, impossível de ser notada por quem não sabe o que carrego ali.

A onda de medo vai me dominando e sinto o olhar de George percorrer entre mim e Janine.

- Fique calma, Janine, você está assustando a Doutora Manoela.

Vejo quando ele aperta o botão embaixo da sua mesa. Sei que é um botão do pânico, que fecha uma porta de ferro, como as de loja de rua, por fora da entrada de vidro blindado. Algo me diz que ele sabe quem é, mas sua expressão é inabalável.

- Lela, saia pela porta dentro do closet. – Ele me estende a mão para que eu levante e se volta para a secretária: - Janine, avise o doutor Soares e peça que todos se mantenham em suas salas. Eu já acionei a equipe de segurança, eles estão subindo.

Por mais que eu esteja segurando a mão de George, me sinto incapaz de me mexer. Ele me puxa um pouco e eu até levanto, mas meu mundo inteiro gira.

- Lela? Você está bem?

Tento falar que sim, só que tenho a completa noção de que vou desmaiar.

Em quantos níveis isso assustaria George? Digo, qual seria a reação dele ao me ver caída no chão da sua sala enquanto um maníaco psicopata ameaça invadir o escritório?

- Você sabe que essa é uma péssima hora para dar um piti, certo?

Piti? Como ele ousa chamar meu ataque de nervos de piti? Eu estou aqui, concentrando todas as minhas forças para proteger o nosso filho, morrendo de preocupação que esse louco faça alguma coisa contra ele. E George chama isso de piti?

Ok, ele não sabe da parte que eu estou carregando um filho dele. Mas, mesmo assim! Uma mulher devia ter direito a se petrificar diante uma ameaça desse porte!

Eu penso em responder indignada, mas ambos ouvimos os gritos do lado de fora da sala e imediatamente eu sei quem é.

Seu nome é Miguel Flores e ele foi um caso perdido. Quer dizer, nós amenizamos a sentença, mas ele ainda foi condenado a oito anos de prisão. Como ele está aqui nesse momento? Também não faço a menor ideia.

- Anda, vamos sair daqui.

Ele me puxa por uma mão e a outra alcança sua gaveta, de onde ele tira um revólver e o guarda na parte de trás da calça.

- Isso é...

- É. – Ele se limita a dizer.

Eu nunca entrei no closet de George antes e fico um pouco impressionada.

Em meio a ternos, camisas e gravatas, ele mexe rapidamente em um cofre e destranca a porta para passarmos.

Estamos em uma escada que parece não ser utilizada há muito tempo. A poeira acumulada me faz espirrar algumas vezes, mas George me puxa rapidamente pelos degraus.

- Vai mais devagar! – Peço.

Descemos apenas quatro andares, mas estou completamente sem fôlego – o que, tendo em vista meu histórico de exercícios matinais, é algo um tanto quanto inédito na minha vida.

- O que foi, já está cansada? – Ele pergunta com aquele par de bilhas azuis arregaladas.

- Não.

- Então...

- George, eu preciso te contar uma coisa.

Ele suspira alto e se vira rapidamente de costas pra mim, como se não acreditasse no que eu estou falando. Quando ele se volta novamente em minha direção, sua expressão é indecifrável. Ele parece cansado, preocupado e irritado, tudo ao mesmo tempo.

- E você escolheu justamente agora para me contar?

- Como assim? – Pergunto, completamente surpresa.

- Você acha que eu não sei?

- Você sabe o quê? – Me faço de desentendida.

George suspira novamente. Ele pega minha mão e sinaliza para sentarmos em um degrau abaixo.

- Fica tranquila, ninguém vai nos achar aqui. – Ele fala quando olho assustada a nossa volta. – Essa é uma escada de segurança. Apenas minha sala e algumas outras têm acesso. Lá embaixo fica o escritório da equipe de segurança. – Ele explica.

Como eu fico em silêncio, George continua falando:

- Então, Lela, eu te conheço. – Ele diz. – Eu tenho o formato do seu corpo decorado em minha cabeça. E seus enjoos também não passaram desapercebidos. Eu notei que seus seios estão maiores e, sem ofensas, seu quadril também está um pouco mais largo e uma pequena barriga está se formando. É claro que eu sei disso porque aquela noite foi memorável e me permitiu conhecer detalhes físicos em você que antes eu apenas imaginava.

- Você... Você sabe? – Pergunto atônita.

- Que você está grávida? Sei sim. E, pela sua reação, eu diria que esse filho é meu.

E agora? [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora