Deus não manipula

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Quando ela entrou na minha sala, fiquei em choque. Eu podia sentir a intensa dor que emanava dela. Através de seus traços delicados entrevia-se um espírito confuso, desgastado e decadente. Era como se em seus olhos houvesse velas com uma chama débil, prestes a se extinguir caso não acontecesse algo bom com urgência. Seus braços estavam cruzados atrás de uma enorme bolsa, tentando esconder hematomas e arranhões que os cobriam. A jovem parecia nervosa e pouco à vontade, como uma criança com medo de ser pega em plena travessura. Ela começou a tropeçar nas palavras, lutando para encontrar um ponto de partida. Ofereci uma xícara de café para quebrar a tensão. De repente, como se nem tivesse escutado o que eu disse, ela começou a contar sua história. A introdução era familiar, igual a milhares de outras que eu já tinha ouvido antes.
"Eu conheci um cara..."                 
O que se seguiu foi a mesma cantilena que sempre ouço quando uma mulher assim entra na minha sala: a lista geralmente comprida de coisas terríveis que "o cara" disse ou fez com ela nos últimos meses. Então, como se ela não tivesse declarado nada do que acabara de me contar, as seguintes palavras saíram de sua boca num tom quase petulante: "Mas eu sei que ele me ama." A percepção de amor que essa moça tem representa um dos maiores erros que a nossa geração comete a respeito desse sentimento. Incontáveis homens e mulheres se entregam a essa crença patética. O que mais me incomoda é a quantidade de pessoas que sofrem por acreditar que o amor não precisa ser bondoso para ser verdadeiro. Estamos tão acostumados com a ausência de bondade que isso nem nos afeta mais.                                         
Então me lembro daquelas imagens de crianças passando fome que vemos na TV. Seres humanos reduzidos a pele e osso com barriga estufada, agachados na rua, à espera da morte. Os rostos sem vida como o daquela moça quando entrou na minha sala. Vejo aquelas crianças com os lábios inchados, cheios de feridas abertas, atraindo moscas. O tipo de imagem que se tornou notório. Quão pavorosa deve ser avida delas a ponto de não espantarem as moscas? Será que, em meio a tanta desgraça, os insetos são um problema tão pequeno que nem vale a pena gastar energia para afastá-los? Aquilo que revira o estômago da maioria de nós é algo aceitável para essas crianças famintas. O mesmo raciocínio vale para a maldade nos relacionamentos. Ela se transformou na mosca nos lábios da vida amorosa de milhares de pessoas. Talvez isso aconteça porque estejamos famintos de amor. Apesar de a maldade ser incômoda para a alma, achamos que não vale a pena gastar energia para nos livrar dela.
Nós nos afastamos tanto da bondade que até nos esquecemos da aparência que ela tem e, como resultado, nos deixamos enganar por sua falsa semelhante. Para cada atributo do amor existe uma cópia que se pareça com ele, mas que na verdade é seu oposto. E, assim, a bondade foi substituída por uma falsificação pavorosa que engana até as pessoas mais espertas. Eu acredito que tanto os religiosos quanto os não religiosos aceitaram facilmente o falso semelhante da bondade.               
O verdadeiro problema de engolirmos essa mentira é que, em última instância, também percebemos o coração de Deus de maneira errada. E isso é péssimo, porque nos impede de um dia chegarmos a conhecer a verdade do coração do nosso Pai.               
A maior falsificação da bondade é a manipulação.                    
Quando a antítese da bondade — a manipulação — está presente, a verdadeira bondade se anula. Para que a bondade seja autêntica, não pode haver nenhuma segunda intenção por trás. Se alguma outra intenção é a base do seu gesto, ele deixa de ser um ato de generosidade é se transforma em manipulação. 
É por isso que a reação da maioria das pessoas diante de um ato de bondade é: "O que você está querendo?" Nós nos acostumamos à mentira. Não compreendemos por que alguém faria algo de bom sem querer nada em troca. Além de termos nos tornado céticos, nos irritamos quando não conseguimos enxergar imediatamente uma motivação manipuladora por trás das ações de alguém. Ficamos nos sentindo intimidados quando experimentamos pela primeira vez a verdadeira bondade, porque ela nos confunde. Mas essa qualidade é baseada no amor e nada mais.
Eu já vi esta cena centenas de vezes. Um homem elogia uma mulher e diz palavras aparentemente gentis para ela, e logo depois a convida para sair. Todas as coisas simpáticas que ele disse a cegam. Algo no fundo do seu coração a deixa pouco à vontade, mas ela ignora essa sensação e concorda em sair com ele. Ela sabe que àquelas "palavras gentis" se seguiu uma investida, mas seu corpo reage e convence sua mente de que ele está sendo sincero. Finalmente, após desperdiçar um tempo considerável de sua vida, ela recobra o bom senso e termina o relacionamento, só para mais tarde repetir o mesmo roteiro, com alguma outra pessoa que vai lhe dizer aquilo que ela deseja escutar.
O maior risco de sermos alimentados com falsa bondade é que, com o tempo, passamos a gostar disso. Quando somos abordados com verdadeira generosidade, desconfiamos. Isso é um problema no nosso relacionamento com Deus porque, até que compreendamos suas intenções e aprendamos a verdade a respeito Dele, inevitavelmente redefinimos Sua personalidade para se adequar ao que nos convém.
Nossa geração cristã ficou viciada na "bondade com sabor de Deus", que nada tem a ver com quem Ele realmente é. Essa imagem distorcida do Criador é algo tão repulsivo que não é nenhuma surpresa que algumas pessoas queriam fugir Dele, enquanto outras tentam adaptá-la a seus próprios interesses a preferirem à verdade. É como se os homens chegassem à conclusão de que as mulheres gostam de ser maltratadas. Infelizmente, algumas de fato gostam. Esta é simplesmente a evolução daquilo em que o amor se transformou. O bad boy  fica com a garota e  o rapaz bonzinho fica a ver navios. 
Para muita gente, a relação com a religião é parecida com uma relação abusiva entre marido e mulher. Assim como aquela jovem que esteve na minha sala, as pessoas são violentadas, espancadas e sofrem abuso, mas, em vez de enxergar esses atos como eles são de verdade, culpam a si mesmas, dizendo coisas como: "Se eu fosse uma pessoa melhor, isso não aconteceria comigo" ou "Eu mereço esse castigo por ter feito isso ou aquilo". Em última instância, elas encontram uma maneira distorcida de racionalizar que o abuso é bom para elas e necessário para seu crescimento espiritual. Como sua visão d bondade foi virada de cabeça para baixo, elas veem as agressões como evidência de amor, e não como indício de sua ausência.
A prova de que os cristãos acreditam nessas coisas é bastante clara. Fomos ensinados a usar a bondade como ferramenta de manipulação para levar as pessoas a fazerem o que desejamos. Nós nos unimos aos vizinhos para limpar pichações e reciclar o lixo do bairro, mas não abrimos nosso coração a eles. Isso acontece porque a bondade não é sincera. Ela é apenas um show que aprendemos a apresentar ao mundo por uma única razão: fazer com que as pessoas venham para igreja. Raramente o objetivo da generosidade é tocar o coração de alguém. Na maioria das vezes temos motivações veladas por trás de tudo o que fazemos. Somos assim porque achamos que nosso Pai é assim.
Como acreditamos nas falsificações, partimos do princípio de que as bençãos de Deus tem relação direta com a quantia que colocamos na cesta de oferendas. Tudo sobre a essência de Deus foi virado de cabeça para baixo por causa dessa falsificação. A teologia cristã pegou a verdade sobre a bondade autêntica, que diz "vocês receberam de graça; deem também de graça" (Mateus 10:8), inverteu-a e mudou seu significado para "se vocês derem, vão receber". Essa talvez seja a deformidade mais horrenda que já fizemos.
Essa frase é um reflexo direto do demônio e a atribuímos a Deus sem questionamentos. O mais preocupante é que as coisas sejam assim porque podemos calcular na ponta do lápis qual é nosso status junto a Deus. O problema com esta mentalidade é que ela não ajuda em nada nos relacionamentos. Ninguém que ser amigo de um manipulador.
Muita gente pensa que Deus é um manipulador que sempre tem uma motivação egoísta por trás de tudo o que faz. É por isso que não acreditamos quando Ele faz algo de bom para nós. Quando temos um mau comportamento ou achamos que estamos fazendo algo errado, não esperamos nenhuma bênção até conseguirmos colocar as coisas em ordem. Se Ele nos abençoa, imediatamente passamos a imaginar o que precisamos fazer em troca. Quando vemos um conhecido que não leva uma vida correta recebendo uma grança de Deus, ficamos confusos e irritados, pois achamos que a pessoa não merece. Na maior parte do tempo, no entanto, não percebemos quando Deus faz algo bondoso para nós, porque estamos ocupados demais avaliando se merecemos ou não. Os cristãos de hoje tem mais preocupações a atribuir a Deus as coisas que os magoam do que as bênçãos que lhes são oferecidas. 
A bondade não tem nada a receber em troca, e isso desafia a lógica humana. A generosidade faz com que nos sintamos impotentes e inseguros porque não temos controle sobre ela. O sentimento de humildade de que ela desperta no nosso coração é assustador, o que nos faz pensar que precisamos "retribuir o favor". Mas até sermos capazes de receber a bondade genuína, nunca iremos conhecer o coração de Deus.
A bondade sempre repousa no coração. A falsa bondade se dirige para o corpo ou para a mente. Essas coisas são transitórias, mas os atributos do coração são eternos. A bondade vem do amor, e  o amor dura para sempre; então, para ser autêntica, a bondade tem que vir da parte de você que dura para sempre. Muita gente perdeu de vista esse aspecto obrigatório da bondade porque se distanciou de seu próprio coração.                             
Qualquer pessoa pode ter uma atitude simpática. Isso não exige amor. Mas um ato bondoso sempre atinge o coração porque é conduzido pelo amor. A simpatia é apreciada; a bondade faz você se ajoelhar e expor sentimentos que manteve escondido durante toda a vida. É por isso que preferimos que as pessoas sejam simpáticas a bondosas. A simpatia mantem distância, mas a bondade invade. A simpatia nos faz sorrir, mas a bondade é capaz de nos fazer chorar. A simpatia dá tapinhas nas costas, mas a bondade massageia o coração. A simpatia pergunta "como vai ?", mas a bondade realmente quer saber a resposta.                        
Nas minhas sessões de aconselhamentos, sempre me surpreendo de ver como algumas pessoas ficam confusas ao descobrir o que Deus realmente quer dizer a elas. É como se estivesse esperando que Ele viesse castigá-las por cada um de seus pecados e ouvissem que são amadas independente deles.  
Deus é assim porque sabe que a causa das suas dificuldades se encontra no seu coração. Tudo na sua vida se origina no coração, e o Pai não se preocupa com as manifestações externas de seu coração partido. Ele o conhece melhor do que você mesmo.         
A verdadeira bondade derruba fortalezas e destrói vícios. Amacia pessoas teimosas e desinfla o orgulho das arrogantes. A bondade é mais poderosa do que qualquer manifestação da carne. Você vai reconhecer quando ela for autêntica, porque seu coração ficará comovido e transformado em sua presença.                   
Fomos ensinados a acreditar que o medo da irá de Deus é o que nos traz arrependimento. A ameaça do inferno é enfiada em nossa cabeça por pregadores que acreditam que o medo é o maior motivador do espírito humano. O medo conquistou tanto respeito ao longo dos anos que a maioria das pessoas atribui mais poder a ele do que à bondade. O grande erro dessa maneira de pensar é que o temor pertence à carne, e tudo o que é da carne passa. A bondade, no entanto, é eterna.    
A minha vida mudou quando comecei a compreender que o meu coração é  desejo do coração de Deus. Este é o centro da atenção divina. O senhor o acalenta e o celebra; o adora e o admira. Para Ele, seu coração é como um lindo diamante. Ele fica estonteado com suas diversas facetas e fixado em sua beleza. O trabalho dele na sua vida está concentrado neste único lugar. Quando Ele fala com você, fala com seu coração. Quando Ele toca você, toca seu coração; quando Ele é tocado por você, é através do seu coração.
Deus é sempre bondoso. A bondade do Senhor faz com que seu coração se comova sem ter que oferecer nada em troca. Ele não é generoso para manipulá-lo ou para que faça coisas para Ele. Ele é generoso, pois essa é a sua natureza.
Durante a Guerra do Golfo, um amigo meu, Mike, ficou gravemente ferido quando o helicóptero em que estava foi atingido por um míssil. Todos os companheiros que estavam com ele naquela missão morreram. 
Apesar de ter fraturas por todo o corpo, Mike fez de tudo para tirar os amigos do helicóptero em chamas. Ele ganhou o Coração Púrpura, condecoração dada a todos os oficiais feridos durante as operações militares nos Estados Unidos. Mas passou os seis meses seguintes no hospital, imóvel, com a vida por um fio. Além de ter que lidar com a culpa e a vergonha de ter sido o único sobrevivente de seu pelotão, ainda precisou ouvir dos médicos que nunca mais voltaria  andar. Mas todos estavam errados. Mike recuperou os movimentos e se tornou um símbolo de otimismo. 
Há alguns anos, Mike me ligou e me convidou para almoçar, dizendo que tinha uma coisa para me dar. O tom da sua voz me alertou de que algo fora do comum estava para acontecer. Ele me disse que pediria a Deus que o inspirasse a fim de descobrir o que me dar de presente de Natal e, depois de uma semana de reflexão, tomou sua decisão a respeito do presente perfeito. Quase caí para trás quando ele estendeu a mão e me deu o tal do presente. Com uma expressão animada de generosidade nos olhos, Mike me presenteou com seu Coração Púrpura.
Este gesto inacreditável me deixou sem palavras. Eu só fiquei lá parado, estupefato. Não havia nada que eu pudesse dizer ou fazer. Eu não podia correr até a loja mais próxima para tentar retribuir o presente, pois dinheiro nenhum poderia comprar algo que chegasse perto daquilo. Mike tinha o meu coração como alvo, e o acertou. Ele acertou o alvo da única maneira que se pode acertar. Ele me deu seu coração. 
Esta é uma linda imagem do coração de Deus. A razão de a bondade do Senhor nunca ter segundas intenções é que ela simplesmente não pode ser retribuída. A única coisa que você pode fazer é aceitá-la. Quando Deus entregou seu único filho, Ele entregou Seu coração! Foi a única maneira que Ele encontrou para acertar no alvo do nosso coração. A bondade do Criador está além do âmbito do reembolso; ela transporta o coração humano para uma esfera em que nada além da aceitação pura e simples é possível. Só se pode alcançar essa dádiva quando o coração é tocado. A bondade é o único meio de tocar o coração, e Deus é o ser mais bondoso que existe.      
Saber a verdade a respeito do Senhor muda tudo.


Se alguém encontrar algum erro de português durante a leitura ou algo pela metade e só comentar no parágrafo onde está o erro que eu concerto :)

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