Deus, o terrível

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Eu estava relaxado, deitado na minha cama no meio da escuridão, escutando apenas o som de uma brisa leve que soprava na árvore na frente da janela do meu quarto. A minha mente estava relaxada e, em instantes, eu iria entrar em um sono profundo. De repente, a porta do quarto se abriu com um chute seguido de um estrondo. Fiquei momentaneamente cego com a luz da lanterna que colocaram na minha cara. À medida que meus olhos iam retomando o foco, vi um homem de preto prestes a me atacar com uma faca de cozinha de 30 centímetros. Gritei de pavor enquanto a adrenalina tomava conta do meu corpo. Eu não podia fazer nada. Não havia tempo de reagir. O medo foi mais forte do que qualquer outra coisa que eu já havia experimentado. Quando meu irmão acendeu a luz do quarto, ficamos lá, juntos, dando risadas histéricas.                                                                                                            
– Certo, agora é minha vez – disse Brian, me entregando a faca e a lanterna – Não se esqueça de esperar bastante antes de entrar.

– Relaxe bem e tente pegar no sono – disse eu ao apagar a luz e fechar a porta atrás de mim.

Depois de cerca de 15 minutos de silêncio, eu iria chutar a porta e repetir a cena de assassinato. Uma vez atrás da outra, nós nos revezávamos no papel da vítima indefesa, e cada vez achávamos que tinha sido mais emocionante e divertida do que a anterior.

Fazer o papel do assassino não era o que nos deixava tão excitados. Era a onda de medo que acometia a vítima. Era essa a sensação que buscávamos.

Eu e meu irmão inventamos essa brincadeira há quase 20 anos, quando morávamos juntos em Hollywood. Éramos dois rapazes solteiros, entediados até não poder mais e em busca de algo para passar o tempo. Depois percebemos que estávamos flertando com o medo, a maior arma do inferno contra as pessoas. E o estávamos usando para obter um surto de adrenalina barato. A coisa mais surpreendente foi sentir a força e a emoção que o medo causava quando era provocado em ambiente controlado. Nós conseguíamos transferir uma coisa verdadeiramente horrível para um mundo que não lhe pertencia. Acredito que é exatamente isso que fazemos com o amor.

Nós nos transformamos em pessoas que se deliciam com a maldade. A maioria das pessoas nunca teve um relacionamento  em que esse componente não estivesse presente de alguma forma. Aliás, a maldade é o ingrediente principal em muitas relações. No decorrer da minha vida, centenas de mulheres descreveram para mim o magnetismo inexplicável que sentiam por bad boys, homens rebeldes e raivosos que tinham fechado seu coração ao amor. Elas pediam a Deus que lhes revelassem o homem perfeito, mas elas não se sentiam atraídas por sujeitos assim.                                                                      
Hoje somos capazes de chamar o sexo entre duas pessoas que nem se conhecem de "fazer amor". O amor não chama a maldade de amor. Como o mundo nem sabe mais o que é amor, é fácil confundir os dois. 

Se um casal ainda sente atração um pelo corpo do outro depois de vários anos de relacionamento, consideramos que sua vida sexual é saudável. Mas na verdade, o amor e o desejo são opostos. O amor dá; o desejo tira. O amor vem do coração. O desejo vem da carne. Muitas pessoas não sabem a diferença entre os dois porque a mecânica parece ser a mesma. A diferença, no entanto, está a o interesse de um pelo outro. Um casal que ama nunca perde o interesse. Pessoas cheias de desejo pensam em se satisfazer. Casais amorosos estão ali para servir um ao outro.                                                                                                    
Até que sejamos capazes de separar corretamente a maldade do amor, sempre vamos unir os dois. Enquanto os limites se confundirem, nossa percepção sobre o coração de Deus vai seguir a mesma linha. Quando me apaixonei pelas pessoas, comecei a ver que além de aceitarmos a maldade, nós também nos regozijamos com sua presença. A religião se delicia em fazer com que Deus pareça maldoso. Muita gente espera que a tragédia se abata sobre algum "desviado" ou descrente, para que a pessoa se dê conta de que precisa de Deus. Isso não soa estranho? Quem roga dessa maneira deve acreditar que Deus tem o coração do demônio. É uma bobagem, é uma representação errônea de Deus.

Mais Perto de DeusOnde histórias criam vida. Descubra agora