Capítulo 1 - John

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O avião pousou em solo brasileiro pouco depois do café da manhã. Peguei minha mala e encaixei a mochila na alça. A guitarra, coloquei nas costas. Eu havia decidido leva-la depois de me despedir do meu pai.

Aquela velha guitarra me fazia sentir perto dele. Era um elo importante da nossa relação. Meu pai, meu melhor amigo e o cara mais incrível que já conheci. Respirei fundo e deixei um meio sorriso escapar dos meus lábios – esse era o meu recomeço.

O aeroporto internacional de Guarulhos era muito maior que o de Roterdã. Pessoas passavam apressadas de um lado para o outro. Alguns encontrando entes queridos, outros se despedindo. Era a vida. Feita de encontros e partidas. Começos e finais.

Francisco Pimentel, o advogado que administrava os bens de Vó Margarida havia feito uma cirurgia e deixado o controle do escritório de advocacia nas mãos do filho.

Eu o conhecia bem. Estudamos na mesma escola, durante o tempo em que morei no Brasil. Ele era dois anos mais velho que eu, mas como a grade curricular da Holanda era diferente, eu havia conseguido avançar em algumas matérias e Marcos e eu acabamos como colegas de classe. Apesar dos anos afastados, mantivemos contato durante todo esse tempo.

Assim que passei pelas portas do desembarque, eu o encontrei lá, segurando um cartaz que dizia: "Procura-se um holandês metido a galã". Não pude deixar de rir.

Ele ainda se parecia muito com o garoto que frequentou a escola comigo. Um pouco mais alto e forte, mas ainda mantinha o mesmo sorriso debochado nos lábios.

Marcos era negro como o pai, embora os traços fossem mais suaves e os olhos mais apertados que o normal. A mãe era libanesa.

Cabelos quase raspados, cavanhaque bem desenhado. Ele era atlético e treinava boxe desde os quinze anos e isso era aparente em seu corpo, mesmo debaixo da roupa. Era um bom amigo. Sincero e leal e mesmo a distância, era uma das pessoas que eu mais confiava.

- Hey companheiro, você continua piadista, apesar do terno! – estendi a mão, mas Marcos me abraçou.

- E você continua mais baixo que eu! – bagunçou meu cabelo com as mãos – certas coisas nunca mudam.

Eu estava feliz em encontra-lo. Era muito bom ter um rosto conhecido por aqui, ainda mais sendo alguém jovem como eu.

- Qual é a boa para hoje? – perguntei enquanto seguíamos pelo corredor que dava acesso ao estacionamento.

- Posso te deixar no hotel para que você tome um banho e tire essa catinga de avião e depois podemos almoçar. A noite tenho convites para o D. Edge. Uma amiga faz aniversário e vai comemorar lá, se estiver interessado. Quanto aos negócios, você decide quando quer resolver John. Estou a sua disposição como advogado, companheiro. E como amigo, é claro.

O D.Edge era uma boate famosa no circuito eletrônico de São Paulo. Ficava em um bairro alternativo, frequentado por pessoas mais jovens e descoladas. Era como o Pijp, em Amsterdã.

- Seria ótimo dar uma volta companheiro. Podemos tratar dos negócios amanhã, o que me diz? – propus.

- Perfeito para mim, Sr. Galagher! – guardou minha mala no carro – pego você daqui duas horas.

- Cara, toda vez que alguém me chama assim, eu meio que me viro para ver se meu pai está chegando! – ajeitei meus óculos de sol e Marcos riu alto.

- Somos dois! Eu nunca vou me acostumar com isso!

Ele me deixou em frente ao Emiliano e se foi. Eu havia decidido que não ficaria na casa do meu pai. Eu não sabia por quanto tempo ficaria no Brasil, mas não queria passar esse tempo enfurnado dentro da mansão do meu pai. Seria como estar em Roterdã e o que eu precisava era de novos ares.

Tão IntensoOnde histórias criam vida. Descubra agora