Depois que Marcos deixou o hotel, eu me sentei no sofá, esticando as pernas. Uma garrafa de cerveja no chão ao meu lado.
Respirei fundo, fechei os olhos, e tudo que vinha a minha mente era o quanto minha vida era vazia.
Passei a vida cercado de luxo, prazeres, mulheres, mas no final, eu sempre acabava sozinho. Nunca tinha certeza do que levava as pessoas até mim, se estavam comigo porque queriam, ou se a fortuna da minha família falava mais alto.
Eu era um "bon vivant" e gostava disso. Eu me divertia com a maneira como as portas se abriam para mim, mas era uma faca de dois gumes. Juliana era uma mulher esperta. Bonita. Inteligente. Eu nunca saberia se o que a fez cair tão rápido em minha cama era realmente desejo ou se o fato de eu ocupar a suíte mais cara de um hotel de luxo era a razão real.
- É leãozinho – falei em voz alta – você precisa, pelo menos uma vez na vida, provar que consegue conquistar uma garota só com o seu charme.
Peguei no sono deitado no sofá e acabei indo para cama somente no meio da madrugada. Por sorte, acordei sem sono.
O dia amanheceu quente em São Paulo.
Minhas malas já estavam prontas e a velha guitarra presa ás minhas costas, quando Marcos chegou a recepção. Fiz o check-in e pedi que entregassem um buquê de rosas colombianas vermelhas no quarto de Juliana. Eu provavelmente nunca mais a veria e ela sabia disso. De qualquer maneira, eu gostava de marcar positivamente a vida das pessoas que passavam por mim.
Entramos no carro e seguimos direto para o interior.
Eu conhecia pouco do Brasil. Todas as vezes que estive por essas terras, limitei-me a visitar minha avó. Conhecia somente alguns bairros de São Paulo e uma única vez, vovó havia nos levado para conhecer o litoral. Tudo parecia tão diferente da Holanda.
- Todas as estradas são assim? – o transito a nossa frente nos fazia andar mais devagar do que deveríamos. Uma infinidade de caminhões carregados freava e levantava uma nuvem de fumaça escura. Marcos sorriu.
- Em uma segunda feira-feira de manhã? – debochou – dificilmente você vai encontrar alguma rodovia vazia companheiro. Infelizmente nossos governantes investem pouco em outras formas de transporte. Tudo o que consumimos anda por essas estradas.
- Pouco inteligente.
- Nada inteligente, na verdade.
A cidade do nosso destino era Sorocaba. Eu nunca tinha ouvido falar dela, mas me parecia amistosa, apesar de populosa.
Seguimos pela cidade até que as casas foram ficando mais e mais distantes, umas das outras.
- Este aqui é o bairro do Horto Florestal – Marcos explicou – mais alguns quilômetros e estaremos no haras.
Seguimos pela rua, até que as casas foram dando lugar a pequenas propriedades rurais e em um ponto do trajeto, o asfalto ficou para trás, fazendo a lama espirrar até os vidros do sedan luxuoso de Marcos.
A propriedade era grande. Ficava em um vale, rodeado por montanhas verdes. Havia um arco de primaveras sobre a porteira. E uma placa de madeira entalhada no muro baixo de pedra, onde se podia ler "Quinta do Paraíso". Era o nome que meu avô havia escolhido para o lugar.
Marcos chamou pelo interfone, mas ninguém atendeu. Depois de alguns minutos, eu mesmo desci e resolvi abrir a porteira. Quando abria a segunda parte, um labrador amarelo que mais parecia um bezerro veio correndo em direção a mim, seguido por um pequeno cãozinho que eu nem podia reconhecer, devido o tanto de barro em seu pelo.
Não pude me proteger do ataque. Quando dei por mim, já estava no chão, sendo lambido e cheirado por uma cabeça que dava duas da minha, enquanto sentia um puxão leve, quase imperceptível, na barra da minha calça.
Comecei a rir, enquanto tentava me desvencilhar dos meus agressores camaradas. Marcos abriu a porta do carro e desceu, mas continuou encostado contra a porta, rindo da minha situação.
- Um pouco de ajuda seria bem vindo, sabia? – reclamei quando consegui levantar.
- Meu terno custou muito caro companheiro, eu não pretendo tê-lo todo sujo de baba e lama – brincou.
- Espero que seu carro tenha custado barato, porque vou me sentar nele exatamente assim, como você está vendo.
- Você tem uma mala cheia de roupas limpas no porta-malas. Não precisa judiar do meu pobre carro.
Balancei a cabeça negativamente, mas concordei. Abri o porta-malas e peguei um jeans velho e uma camiseta branca que ficou manchada de lama assim que caiu sobre minha pele. Aproveitei a estrada vazia e troquei a calça também.
- Eu vou conseguir a chave de um quarto para você se limpar e vestir decentemente – estacionou o carro no gramado, atrás da recepção e desceu.
Fiquei encostado no carro por um tempo, mas quando me cansei de esperar, decidi dar uma volta pelo lugar.
Era simples e bucólico. Fazia lembrar uma antiga quinta portuguesa. A construção era de tijolos caiados de branco e havia um espelho d'água no jardim da frente. Flores coloridas de todos os tipos adornavam o lugar.
Segui por um caminho de dormentes de madeira, ladeado por pedrinhas redondas, até as baias. Um corredor longo, cheio de pequenas portas, de onde saiam algumas cabeças curiosas.
Caminhei até que ouvi um relincho diferente. Parecia triste e melancólico. O animal estava afastado, seus olhos buscavam uma janela, no fundo da baia, de onde se podia ver as montanhas. Abri a porta e entrei com cuidado.
Era uma égua branca, com pequenas manchas cor de creme. Ela me encarou por um segundo e voltou os olhos para a janela. Eu quase conseguia sentir o que ela sentia. Enjaulada em um lugar que não queria. Afastada de algo que lhe era importante.
Sua barriga estava inchada, provavelmente penha.
Corri os dedos pelo dorso macio, sentindo os pelos acariciarem minha pele. Eu queria que ela sentisse que podia confiar em mim. Tentei transferir todo o meu carinho e cuidado no toque da minha mão. Depois de algum tempo, a égua voltou-se para mim. Relinchou suavemente e esfregou o focinho no meu cabelo.
Ela era jovem, altiva, mas algo não estava certo. O pobre animal estava sofrendo. O feno estava intocado.
- Quer um pouco de comida? Hum? O que me diz? – ofereci – vem, ajudo você.
Abaixei e peguei um pouco de feno nas mãos, oferecendo a ela. Depois da minha insistência, a égua começou a se alimentar.
- Hey garota, você é mesmo muito bonita! – acariciei sua barriga – pelo que vejo você tem um presente especial aqui e espero estar com você quando ele vier ao mundo – tranquilizei-a porque ás vezes é só disso que precisamos. Um pouco de compreensão e carinho.
Ouvi passos se aproximando, mas não me virei. Marcos podia esperar, qualquer um podia esperar menos minha nova amiga.
- Olá! – uma voz feminina cumprimentou, fazendo-me virar.
Quando meus olhos encontraram os dela, não fui capaz de fugir, nem de começar uma das minhas gracinhas. Não consegui jogar.
Eu estava capturado naquele olhar, hipnotizado, como um garoto bobo encarando o presente desejado. Eu não sabia ainda quem era a garota, mas eu tinha certeza absoluta de que ela seria minha.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Tão Intenso
Romance*** O livro ficará completo até dia 27/10/2017, após a data, somente no site Amazon, com Bônus especial *** A vida é efêmera e é justamente em sua frágil delicadeza que consiste a felicidade. Quando somos jovens, o tempo é eterno e nosso aliado, as...