A ressurreição da vampira

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O professor chegou pontualmente à meia noite no seu casarão onde vivia solitário. Os três bateram na porta, assim que viram uma luz se acender lá dentro.

- Entrem garotos, entrem. Vim o mais rápido que pude, estou ansioso pelas notícias.

Dizendo isso, o professor se afastou dando passagem para eles entrarem. Era um velhinho bastante enrugado, encurvado e parecia centenário, mas devia ter menos de setenta anos, pois dava aulas e ainda não chegara à aposentadoria compulsória. Vestia sempre um sobretudo preto, camisa branca com gravata preta e os cabelos deviam ser tingidos, sempre grudados na cabeça, oleosos e negros. Tudo contrastava com a sua brancura e olhos com bolsas acinzentadas nas pálpebras inferiores. Mas fora esse aspecto, era uma pessoa muito agradável e sempre mantinha uma conversa animada com os garotos.

- Querem um pouco do meu suco de beterraba? – Ofereceu o professor Vahns.

- Não, obrigado! – Recusaram os três ao mesmo tempo.

O professor pegou um copo grande e colocou a beberagem que sempre estava pronta na geladeira, bebendo com um canudinho. Segundo ele, sofria de uma anemia profunda e a beterraba era um dos ingredientes naturais que usava para combatê-la.

- Agora me contem, como foi a excursão de vocês? Se eu ainda tivesse forças para pular um muro e manobrar uma alavanca, teria estado lá para ver com os meus próprios olhos.

Os três contaram o que haviam encontrado no túmulo da Baronesa de Itararé.

- Então eu estava certo... E havia uma estaca, vocês têm certeza? – Insistiu, ansioso.

- Sim – respondeu Marinho. – Estava muito bem conservada pelo tempo, devia ser de uma madeira muito boa.

- Geralmente as melhores estacas para se matar um vampiro são feitas de pau-ferro, aqui no Brasil – comentou, pensativo, o professor. – Não acabam nunca, mesmo enterradas na terra úmida. Quer dizer que por isso os ataques de vampiros que registrei em São Paulo nos primeiros anos do século XX acabaram subitamente...

- Professor Vahns, mas se ela era uma vampira e fez vítimas, essas vítimas não teriam se tornado vampiros também? – Perguntou Pedro.

- Nem sempre, meu filho. Para se tornar vampiro, a vítima também tem que beber o sangue da criatura que o vampirizou e parece que essa não era a prática costumeira dessa dama. Ela atacava somente para sobreviver e suas vítimas foram escolhidas entre os bandidos da cidade.

- E o tal arquiteto que encontrou o lugar onde ela armou seu covil? – Quis saber Paulo.

- Ele devia ser conhecido dela, afinal, a mãe dele era americana e ela veio dos Estados Unidos... Ele deve ter descoberto a história e deve ter sido ele quem cravou nela a estaca, enterrando o corpo naquele mausoléu. Enfim, acredito que vocês tenham resolvido o mistério. Só tenho a agradecer a vocês... O que é isso no seu dedo, Marinho?

- Eu prensei o dedo com a alavanca na lápide do túmulo, quando estávamos fechando para ir embora – esclareceu o garoto, olhando o dedo, meio frustrado com sua inépcia.

- Isso sangrou muito? – O professor parecia bastante alarmado e preocupado com o dedo de Marinho.

- Um bocado, achei que ia ter que levar ponto, mas só fizeram esse curativo. Doeu para caramba...

- O sangue! Para onde foi o sangue! – O professor parecia subitamente eufórico com o sangue de Marinho.

- Sei lá... um tantão foi para a camiseta do Paulo, outro tanto eu engoli porque enfiei o dedo na boca para parar de doer e a saliva desinfetar o machucado...

- Mas na hora que cortou, jorrou sangue na mesma hora? Muito?

- Acho... acho que sim... – murmurou Marinho.

- Jorrou sim, eu pensei que tinha arrancado o dedo – disse Paulo.

- E para onde escorreu esse sangue, para o chão? – Perguntou o professor, deveras aflito.

- Para todo lado... para o chão...

- Para dentro do túmulo? – Gritou, descontrolado, o professor.

- Sim... sim... jorrou para dentro do túmulo também, acredito que sim – disse Marinho.

- Deus do céu! O demônio irá reviver! O seu sangue irá fazer aquele monte de cinzas e ossos renascerem como uma fênix e a vampira irá ressurgir! Vocês têm que voltar lá e queimar aquilo tudo! Basta alguns dias e o processo se concluirá, ela voltará ao reino dos vivos, à esta cidade e o terror regressará! Vocês precisam detê-la! – O professor parou de falar e deu um grande gole, sem fôlego, no suco de beterraba.

- Mas professor...

- Nem mais, nem menos! Tem de ser feito e logo! Hoje não dá mais tempo, mas tem de ser feito amanhã de qualquer forma ou a criatura sairá de seu túmulo e voltará a assombrar esta cidade!

- Por isso o túmulo diferente dos demais? – Perguntou Marinho.

- Acredito que sim...

- Mas se o arquiteto deu fim na criatura, por que a deixou em um túmulo fácil dela escapar se voltasse a vida? – Marinho estava pensativo, mais perguntando para si mesmo que para os outros.

- Amor... – disse o professor, num sussurro.

- Como?

- Amor. Vampiros são apaixonantes. Não duvido que a própria Ramira não tenha pedido tudo isso ao arquiteto, apaixonado por ela.

- E ela não o vampirizou?

- Não. Alguns vampiros encaram suas existências como uma maldição e só matam para subsistir. Eles não vampirizam as pessoas que amam, a menos que essas pessoas o peçam. E assim mesmo, nem sempre eles concedem o pedido. Ramira deve ter sido um desses casos – o professor suspirou. – Vão para suas casas, crianças, está tarde e os vivos que andam por essas ruas são mais perigosos que os vampiros. Mas amanhã não deixem de terminar o que começaram, senão não poderei garantir o que acabei de dizer.

- Mas Ramira não era uma vampira pacífica? – Estranhou Paulo.

- Era. Mas um século depois que deixou de existir, não se pode prever como ela retornará. E eu já não terei tanta força para combatê-la. Vão, meus jovens, vão. Voltem aqui assim que tudo estiver resolvido.

O professor acompanhou os garotos até a porta, arrastando os pés. Parecia mais velho e cansado. 

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