Era fim de tarde de um domingo e algumas barracas da feirinha de artesanato se preparavam para serem desmontadas. Cheguei à tempo de comprar alguns acessórios, quando vi um burburinho no final da rua. Uma platéia escutava atentamente a apresentação de um homem cuja altura sobressaía a predominância de asiáticos e hispanos. O homem era tão alto que de longe via-se sua figura. Ele usava um boné vermelho que tentava proteger a pele riscada pelo tempo, mas não conseguia esconder a vasta cabeleira cinza que saía pelas laterais.
Apesar de evitar aglomerações, fui ver o que era. O carro, adaptado para as vendas de um produto específico, vinha com uma mesa expondo cinco tipos diferentes de pisos. O homem falava ao microfone auricular e jogava uma variedade de sujeira nas texturas, passando em seguida, feltros de cores laranja e azul, embebidos por um produto esverdeado. Resumindo, era uma demonstração de um produto revolucionário de limpeza ao estilo "Polishop", só que ao vivo.
Reparei que não era apenas no produto em si que as pessoas estavam interessadas, mas sim captadas pelo magnetismo de seus grandes olhos azuis e o timbre de uma voz parecida com a de locutor de rádio, desses que você coloca pra escutar antes de dormir. E as pessoas, mesmo cientes de que ele citava um texto decorado, riam com as brincadeiras inseridas nas frases prontas.
Além da voz hipnotizante, havia também o sotaque. Não era o típico sotaque novaiorquino com suas vogais prolongadas, enjoadas e nasais. Era proveniente de um lugar distante, ainda americano, porém com uma dicção robusta e um R sem ser pedante. A habilidade com que manuseava seu material de trabalho era eficiente, ágil e gentil, demonstrando total conhecimento do que vendia, não deixando dúvidas de que todos ali deveriam se perguntar como é que conseguiram viver por tanto tempo sem ter aquele objeto em suas casas.
Era uma apresentação interessante, mas senti que minha experiência de admirar uma pessoa intrigante chegava ao fim até ouvi-lo dizer: "esses feltros são perfeitos para quem mora com cachorro". Bingo. Dias atrás, o cachorrinho da casa havia feito xixi no tapete da sala e eu estava justamente procurando algo que pudesse tirar a mancha. Como ele sabia disso?
Enquanto me decidia se gastaria ou não um dinheiro que não devia, seu olhar passou pelo meu e numa fração de segundos, reconheci a expressão de desespero. Identifiquei de súbito a dor de quem precisa vender a todo custo e mais por compaixão do que por necessidade, paguei o valor. Ele agradeceu e sorrindo entregou-me a sacola com pressa, como se quisesse se livrar logo daquilo.
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O misterioso vendedor do Queens
Storie breviAlguns vendedores parecem ter um sexto sentido, magnetismo ou talvez a habilidade de ler mentes e por isso, conseguem descobrir a palavra exata para vender algo que você jamais imaginaria comprar. Mas será que a compra foi realmente feita por necess...