Mais que uma hierarquia

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Depois de algumas horas de devaneio e várias páginas do fichário preenchidas com línguas diferentes, o sinal do intervalo finalmente soa. Saio da sala o mais rápido possível e vou para os fundos da escola, onde tem um jardim com alguns bancos e árvores perto do muro. Subo em uma delas, pulo o paredão, caio em uma rua não muito movimentada e já deixo uma caixinha de madeira para poder voltar para a escola.
Atravesso a rua e vou para uma pequena padaria na esquina. Entro e cumprimento a balconista que, de tanto eu vir aqui, já ia preparando meu pedido. Sento em uma mesa e logo a atendente me traz um café mocha e uma torta de limão. Eu como meu lanche enquanto verifico minhas mensagens, e-mails e o extrato bancário do meu cartão. Termino de comer faltando cinco minutos para bater o sinal do fim do intervalo.
Deixo o pagamento na mesa junto com uma gorjeta e saio da padaria direto para a escola. Subo na caixinha, seguro no topo do muro e iço meu corpo para cima. Quando vou me apoiar na árvore, ouço vozes e olho para baixo. Encostados na árvore havia um casal; um casal gay. Eles se beijaram e se foram, cada um para um lado. Volto para minha sala e sento no meu lugar sem falar com ninguém.
O professor de Geografia entra na sala e começa a escrever no quadro. Abro meu fichário e começo a copiar, traduzindo automaticamente para o alemão. A aula desse professor parece demorar um século para acabar e, quando finalmente acaba, outro professor já entra na sala, dessa vez de História. Ele liga o datashow e nos passa slides para copiarmos, dos quais eu copiei em latim. Estamos estudando Grécia, uma das matérias que eu mais gosto, e a aula passa bem mais rápido. A última aula era de Matemática, com um professor chato que dava muito sono. Peguei meu fone sem fio, o coloquei nos ouvidos, o escondi com meu cabelo por cima, e fiquei escutando música até o final da aula.
O sinal bate e eu espero uns vinte minutos para sair da sala. Saio da escola e desço duas ruas, onde uma limusine me espera. Entro no carro e Daniel, o motorista, me cumprimenta já ligando o carro.
- Boa tarde, senhorita Nix!
- Boa tarde, Daniel.
- Pronta para o baile hoje? – Ele pergunta.
- Preciso mesmo ir? – Questiono rindo.
- A senhorita sabe que o senhor seu pai vai te torturar se você não for.
- Affs. – Dou uma risada sem graça. – Vou fechar a janela pra trocar de roupa.
- Sim, senhorita.
Fecho a janelinha escura que divide a parte do motorista e a parte de traz. Tiro meu uniforme e visto o vestido. É um vestido preto comprido, sem armação, com uma fenda na perna direita até a coxa e, na parte de cima, as alças são cruzadas formando um "X" no meu busto. Coloco um coldre de facas na minha coxa acima da abertura do vestido, e prendo uma faca pequena com o cabo virado para baixo, logo acima da abertura, um lugar fácil de alcançar. Prendo meu cabelo em um coque simples e coloco uma sandália preta de salto. Quando termino de me arrumar, desbloqueio meu celular e abro em um site de notícias. A primeira matéria do site era:
"Nove corpos foram encontrados pendurados pelos pés em uma grande árvore no centro da cidade. As vítimas foram decapitadas e havia em seus peitos o que parecia uma lua e sete estrelas desenhadas com o sangue das vítimas. A polícia acredita que seja obra da família Neraida, da qual comanda o 'submundo' da cidade. Os corpos ainda não foram identificados e a polícia local já está investigando e buscando por qualquer pista a respeito das vítimas e do agressor."
Sorrio comigo mesma e encho um copo de água no frigobar da limusine. Enquanto chegamos em casa, coloco uma música para tocar e fico mexendo no meu celular.
Chegando em frente à casa, o grande portão se abre e nós entramos na entrada frontal, onde há um jardim redondo no centro que, dando a volta, retorna para o portão. Fomos para a porta de entrada da mansão e, quando paramos o carro, uma das nossas empregadas abriu a porta do carro para mim.
-Boa tarde, senhorita! – Diz ela.
-Boa tarde, Alice! – Respondi. Eu tentava memorizar o nome de todos que trabalhavam ali, ou pelo menos dos que eu conversava mais.
Entro na casa e me encaminho para a sala de jantar, onde meus pais me esperavam.
-Pai, mãe. – Cumprimento-os com uma pequena reverência e me sento ao lado esquerdo do meu pai, que estava na ponta da mesa. Minha mãe sentava-se na outra ponta, como a segunda no comando.
-Nix, querida, já deu uma olhada na lista de pretendentes em potencial? – Perguntou meu pai.
- Já. Preciso de uma reunião com cada um deles para ter certeza. Você conhece minhas condições.
Três funcionárias entram na sala, servem-nos pratos e retiram a cloche, exibindo o nosso almoço. Engulo a comida o mais rápido possível e subo para o meu quarto; não gosto muito de ficar com os meus pais.
   Abro a porta e entro na "sala de entrada" do quarto. É um grande cômodo com cinco portas: uma de entrada, uma para o closet, uma para o quarto de dormir, uma para o banheiro e outra para a sala de treino.
   A sala de entrada tem uma TV em uma das paredes e um sofá de dois lugares em frente. Na parede oposta à TV, tem uma escrivaninha com alguns livros em cima e do lado há um piano eletrônico com pedais embutidos.
   Entro na porta do closet e troco de roupa, colocando um short e uma blusa mais descontraídos, ambos pretos. Faço uma trança em meus longos cabelos platinados e, enfim, saio do closet. Peguei um livro da minha escrivaninha e me joguei no sofá. Enquanto eu lia o livro, ouvi alguém batendo na porta.
   - Pode entrar! – Grito e Evangeline, minha dama de companhia e, principalmente, minha companheira, entra com minhas coisas da escola.
   - Boa tarde, Nix. - Ela diz, colocando minha mochila e meu fichário na escrivaninha. - Que roupa deseja usar no baile hoje?
   - Não faço a mínima ideia. - Rio e me levanto, colocando o livro de volta na escrivaninha e ando em direção ao closet. Entro no mesmo e me dirijo à seção de roupas de festa. - Quem vai participar hoje?
   - Representantes das filiais de outros países. - Ela responde olhando meus vestidos. - Vai querer impressionar?
   - Com toda certeza. - Respondo pegando um vestido comprido de mangas. - Estava pensando em deixar as tatuagens bem à mostra, o que acha? - Pergunto com um sorriso travesso e os olhos dela brilham.
   - Que tal esse? - ela pergunta pegando um vestido roxo tomara que caia com um decote gigante nas costas, quase na minha bunda. A saia do vestido é comprida e sem armação, e com pequenos desenhos em preto.
   - Perfeito. Leve para passar por favor. - Falo voltando para a sala de entrada e me jogo na cadeira da escrivaninha pegando meu fichário.
   - Estou indo. O que vai querer para o lanche? - Ela pergunta já na porta.
   - Hm... Misto e suco de morango está bom. - Viro minha cadeira, olhando para ela.
   - Sim, senhorita. Até mais tarde.
   - Espera! - Falo antes que ela feche a porta e me levanto indo até a mesma. - Para quê toda essa formalidade?
   - Costume? Hierarquia? - Ela diz, de cabeça baixa.
   - Acho que essa fase já passou. - Digo passando minha mão pela sua bochecha. - Somos mais do que essa hierarquia. - Falo, a puxando para um beijo. Nos separo e entro no meu quarto, fechando a porta. Sorrio comigo mesma e me sento novamente na escrivaninha para fazer as tarefas. Terminadas as mesmas, me dirijo à sala de treino.
   A sala tem um saco de pancadas em um dos cantos, um alvo para flechas e facas, outro para armas de fogo, e um tatame em todo o chão. Me alongo e começo os exercícios no saco de pancadas. Quando dá umas 4 horas, Evangeline chega com o lanche.
   - Nix? Eu trouxe o lanche. - Ela avisa e eu paro os exercícios, indo para a sala.
   Evangeline coloca a bandeja na mesinha de centro e me espera sentar no sofá, para logo depois me entregar o misto e se sentar pegando o seu próprio lanche.
   - Alguma coisa para me contar hoje?
   - Ah, sim. Hoje quando eu tava voltando para o colégio na hora do intervalo, eu vi um casal gay se beijando em baixo da árvore que eu uso para fugir.
   - Você vai acabar se metendo em encrenca se continuar fazendo isso.
   - Ah... dá nada. Qualquer coisa é só mudar de escola mesmo. - Falo dando de ombros. Quer vir treinar comigo mais tarde?
   - Pode ser. Que horas? Lembre-se que o baile começa às nove.
   - Apareça por aqui lá pelas seis então.
   - Oks. - Terminamos de comer enquanto conversávamos e quando ela estava saindo lhe dou um rápido selinho.
   Me jogo no sofá ligando a TV e colocando um filme, que fico assistindo até às seis, quando Evangeline pontualmente chega.
   - Pronta para perder? - Pergunto rindo e entrando no meu closet, indo para a parte dos fundos onde ficam as minhas armas. Pego duas espadas e vou para a sala de treino. Jogo uma espada para ela e fico em posição enquanto ela se ajeita.
   - Defesa! - Falo e ataco pela direita. Ela desvia dando um pulo para trás.
Começo a rodeá-la e ela me observa com bastante atenção. Ataco novamente e ela bloqueia logo se soltando e atacando minha cabeça com o cabo da espada. Seguro seu pulso com minha mão livre e giro o braço dela a prendendo nas costas.
   - Muito previsível. - Cochicho em sua orelha e a solto, voltando para uma posição defensiva. Ela chega perto de mim e me ataca pela esquerda. Eu bloqueio e uso a força dela para derrubá-la. Ela se levanta sem pegar a espada e com as mãos na cabeça.
- Parece que você perdeu de novo. - Digo sorrindo.
Ela se aproxima de mim e pega minha mão, a levando até a sua boca. Evangeline deposita ali um beijo e vai beijando meu braço até o meu rosto. Quando nosso lábios estavam quase se tocando, ela passa uma de suas pernas por trás das minhas e me derruba no chão, pegando minha espada e a apontando para o meu pescoço.
   - Acho que ganhei. - Ela diz, rindo.
Afasto a espada do meu pescoço, seguro sua mão e a puxo para baixo. Quando Evangeline cai no chão, nos giro para eu ficar em cima dela, e coloco meu braço em seu pescoço.
   - Ainda não. - Digo sorrindo.
   - Oks, oks, oks. Desisto.
E ela descansa sua cabeça no chão. Tiro meu braço do seu pescoço e levo minha mão à sua boca, passando meu dedão em seu lábio inferior e, então, a dou um beijo. Nossos lábios se encontram calmamente e ela passa uma de suas mãos para o meu pescoço e começa a brincar com o meu cabelo. Nos separamos e eu sorrio para Evangeline, mas ela vira o rosto.
   - Por que você faz isso? - Ela pergunta, sentando-se em seguida.
   - Porque eu te amo. - Respondo, roubando-lhe um beijo rápido. Me levanto e a ajudo a levantar. - Não posso?
   - Só é errado, pela tradição da sua família e tals. - Ela diz, brincando com suas unhas.
   - Posso ser obrigada a me casar e gerar um herdeiro para a família, mas nada me proíbe de ter amantes. - Sorrio e a abraço.
    - Para uma família normal isso não seria certo. - Ela diz rindo.
    - Ainda bem que a minha não é nem um pouco normal. - Rio também e Evangeline apoia sua testa em meu ombro. Ela é um pouco menor do que eu, então lhe dou um beijo na cabeça. Passado um tempo que ficamos assim nos separamos e voltamos a treinar.
Quando deu umas 8 horas, paramos os exercícios e eu fui tomar um banho enquanto Evangeline foi buscar o vestido.
   Lavo meu cabelo e saio do banheiro seguindo para o closet. Coloco uma calcinha preta e um robe preto enquanto espero o meu vestido. Sento na penteadeira e começo a me maquiar. Passo base, um pó para cobrir todas as manchas, lápis preto na linha d'água de cima e de baixo; passo um pouco de sombra preta e um fino delineador. Quando vou passar o batom, fico em dúvida no vermelho ou no nude e seguro-os um em cada mão, pensando.
   - Acho que o nude fica melhor. - Diz Evangeline entrando no closet com o vestido. Ela o pendura em um cabide que fica ao lado da penteadeira e começa a pentear meus cabelos. - Como quer o seu cabelo?
   - Um coque frouxo com franja e algumas mechas soltas, sem esconder muito as costas.
   - Oks. - Responde, pegando grampos e um spray fixador. Ela logo faz o penteado, com habilidade e rapidez. - Prontinho.
   - Obrigada, Evangeline. Ficou lindo. - Me levanto e dou-lhe um selinho. - Vamos pôr o vestido.
   Ela tira o vestido do cabide enquanto eu tiro o robe. Passamos o vestido pela minha cabeça, posicionamos o lib em meus seios, Evangeline fecha o pequeno zíper na parte de trás e arruma minha saia.
   - Você está linda. - Ela diz, me olhando.
   - Obrigada. - Sorrio e brinco com a saia. - Você vai ficar na cozinha hoje?
   - Não. Vou estar trabalhando como garçonete.
   - Bom, então vamos nos ver na festa.
E então o telefone começa a tocar. Evangeline vai atendê-lo enquanto eu passo o batom e coloco uma corrente simples de ouro no meu pescoço.
   - Nix, sua mãe está mandando você descer. - Ela me avisa do outro cômodo.
   - Estou indo! - Respondo e saio do closet. Evangeline me espera na porta. - Nos vemos mais tarde.
   - Boa sorte. - Ela me dá um beijo na bochecha e eu saio para o salão.
Entro no bem iluminado cômodo e me dirijo à minha mãe. Eu a cumprimento com uma pequena reverência de cabeça e ela retribui.
   - Gostei do seu vestido, Nix. Quer surpreender algum pretendente? - Eu acho graça e mexo na saia.
   - Não, quero assustar alguns deles. - Falo rindo e ela ri comigo.
   - Lembre-se de seguir o protocolo, por favor. - Eu concordo com a cabeça. - Por falar em protocolo, você está com alguma arma?
   - Ihh, esqueci! - Ela me belisca forte e não solta.
   - Vai pegar uma agora! Você está doida?
   Ela me solta e vou para o meu quarto. Nele, sigo para o closet. Vou para os fundos e pego dois coldres de facas; coloco-os nas canelas, prendo duas facas e torno a sair do quarto.
   Chegando no salão, encontro Evangeline com seu traje de ofício para festas: um uniforme preto clássico com mangas até os cotovelos, saia rodada com quase duas palmas acima do joelho, meia ⅞ preta e seu cabelo estava preso em um coque apertado.
   - Você fica muito sexy com essa roupa. - Digo dando-lhe um selinho. - Pena que não sou só eu que acha isso.
   - Mas só você pode tirá-la. Isso não é bom? - Ela diz sorrindo. Eu a pressiono contra a parede do corredor e coloco uma de minhas pernas entre as suas.
   - Passe no meu quarto depois do baile acabar. - Digo ao pé de sua orelha dando-a uma leve mordida e subindo meu joelho até encostar em sua intimidade.
   - Uhum. - Ela concorda de olhos fechados e eu lhe dou um último beijo antes de sair.
   Paro na grande porta de entrada do salão e respiro fundo. Abro-a e entro. Já tinham chegado uns sete convidados, e eu me aproximo para cumprimentar dois que estavam conversando com minha mãe.
   - Senhores. - Digo quando chego perto dos mesmos. O homem mais velho pega minha mão direita e a beija.
   - Senhorita Nix. - Ele diz enquanto se curvava. O menino mais novo ao seu lado pega minha mão e a beija. - Esse é Usami Shi, filho de Akihiro Shi e representante do submundo japonês.
   - E o mais bem posicionado na sua lista de pretendentes. - Completa minha mãe.

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As Herdeiras Da Morte - Nix Neraida Onde histórias criam vida. Descubra agora