O espírito observou o Bruxo Branco — Abel, se ele lembrava corretamente dos pensamentos superficiais de Alanna sobre ele — pegar o corpo adormecido da garota do veículo estranho, e seguiu-o quando ele a levou para o interior da construção, passando por um cômodo onde a única coisa que ele conhecia era um tapete colorido, até alcançar o que ele deduziu ser um quarto, embora muito diferente do que o espírito conseguia se lembrar; o rapaz colocou a Shaman na cama, tirou os calçados estranhos dos pés dela e então a cobriu com um lençol fino.
— Seu pai vai me matar quando souber tudo que aconteceu... — Jaguar o ouviu resmungar enquanto fechava as cortinas, deixando o quarto escuro. O Bruxo Branco ainda verificou a temperatura da garota com as costas das mãos contra a testa dela antes de sair, resmungando algo como "Ainda bem que não está com febre".
Jaguar pensou em seguir Abel quando ele saiu do quarto, mas aquela sensação estranha de reconhecimento e de amarra o impediu. Ele não sabia explicar direito, mas no momento que Alanna aparecera na sala onde ele tinha estado desde quando ele se lembrava, era como se um nó firme e final tivesse sido feito na ponta de duas cordas, uma amarrada a ele e outra amarrada a ela, unindo-as. Um estalo em sua consciência sinalizando que o tempo havia passado e a hora de alguma coisa que ele não sabia o que era chegara. Aquela sensação tinha começado antes da garota aparecer, algo brilhando próximo e se aproximando e que o tirou de um longo torpor e espera. Uma mudança. E então aquela amarra. Ele não entendia, mas esperava que Alanna sim e pudesse explicar.
E até entender, zelaria pela segurança dela.
Talvez o fizesse mesmo depois, ou mesmo que não houvesse o que entender. Algo em sua mente, do pouco que lembrava, falava que era sempre bom ajudar Shamans.
Sentou-se na cama, apoiando as costas na cabeceira, e observou o rosto adormecido da garota. A ponta de uma mecha de cabelo, uma dentre muitas que se soltaram da trança, encontrara de alguma forma a boca da Shaman, sendo mastigada. O espírito por um momento seguiu o impulso de afastar a mecha, mas os dedos apenas afundaram na carne da bochecha.
Jaguar franziu as sobrancelhas, afastando a mão e observando o rosto de Alanna se contorcer, como se tivesse sentido aquela tentativa de toque, antes de voltar a relaxar. Cruzou os braços e reclinou a cabeça, encarando o teto escuro. Como ele pudera esquecer, mesmo que por apenas um momento, que estava morto, era apenas um espírito e, portanto, incapaz de tocar nos vivos sem reunir uma grande dose de vontade? Devia ser efeito dos longos minutos que passara ocupando o corpo da Shaman, manejando suas armas para acabar com os malditos filhotes de Tzitzimime. O desacostumara com a realidade de sua existência.
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O espírito não sabia dizer quanto tempo exatamente tinha se passado desde o momento que haviam chegado quando ouviu um som que ele desconhecia ecoar pela casa, brevemente, com um fim abrupto. Era estridente e incomodo e o fez ficar curioso o suficiente para levantar da cama e atravessar as paredes desprotegidas.
— Senhora Ravi, obrigado por retornar a ligação. — o homem estava sentado num dos móveis estranhos no cômodo do tapete e segurando algo contra a lateral do rosto. Jaguar se aproximou com cuidado, consciente da possibilidade do Bruxo Branco ser capaz de sentir espíritos. — Sim, logo devo terminar o relatório e enviar, mas antes tem algo que aconteceu e queria notificar logo.
O Bruxo Branco se levantou repentinamente e começou a andar pela casa. O espírito o seguiu, tanto pela curiosidade do que era o objeto nas mãos do homem, como pelo interesse no que ele falava. Especialmente pelo tom de voz que parecia ficar cada vez mais nervoso
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Alanna - Os Sem Pele
FantasíaSabe... Tudo que as lendas dizem, em todo o planeta - fadas, vampiros, etc... Tudo isso é verdade. Muitos eram espíritos que foram modificados pela crença dos humanos de que eram algo mais. Muitos outros foram incorporados pelos humanos em suas lend...