Cap. 01 (DEGUSTAÇÃO)

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        São sete da manhã de um domingo nublado. Eu gosto quando o dia está assim. Enrolo-me ainda mais com as cobertas e me fecho em meu próprio casulo, dormir assim é tão bom. De repente meu celular vibra. Eu olho para ver de quem é a ligação e vejo que é a Jenn, isso é estranho por que hoje é domingo e ela nunca acorda cedo aos domingos. Será que aconteceu alguma coisa ruim?

- Jenn, pelo amor de Deus, aconteceu alguma coisa? Você tá bem? Você não foi presa não né?

- Bom dia para você também Sarah, se controla, por favor, e por que eu seria presa? Olha só, te mandei aquele e-mail com aquela vaga de mestrado em literatura universal, você me ouviu? LITERATURA UNIVERSAL. Não acredito que você se quer pensa na hipótese de recusar. Vai ser incrível, você vem morar aqui comigo até conseguirmos um bom lugar para você.

- Olha Jenn, eu realmente agradeço a sua boa vontade em me ajudar, mas eu não acho que seja uma boa ideia. Eu não posso simplesmente largar tudo aqui e ir morar aí. Eu tenho um emprego e amigos aqui também. E você só esta me indicando para essa vaga, quem garante que ele vai me escolher? E sim, prisão foi a segunda coisa que eu pensei, logo depois de acidente que foi a primeira coisa ruim que passou pela minha cabeça, me julgue.

- Tá bom, eu tinha esquecido o quanto você pode ser paranóica às vezes, mas voltando ao que interessa aqui, você sabe muito bem que eu te conheço, você sempre me dizia que quando tivéssemos 18 anos nós iriamos embora, procurar uma grande cidade já que aí era pequeno demais para nós duas. Você esqueceu isso também? E outra coisa, onde está o seu otimismo? Eu sei que é só uma indicação mais depois que ele ler seu curriculum e você fizer os testes tenho certeza que você vai conseguir.

- Não, eu não esqueci as coisas que eu falei há um século, mais não me leve a mal, eu era jovem e boba, e quando se é jovem e boba, nós sempre falamos coisas que achamos que um dia poderemos realizar. Aí nós crescemos a realidade bate na nossa cara sem cerimônia, e então nós temos que nos contentar com aquilo que a vida nos dá. E bom, eu sou otimista, mas não acredito em milagres.

- Não acredito que estou ouvindo isso. Quem é você e o que você fez com a minha amiga? Sarah por favor, pelo menos pensa você ainda tem dois dias para me responder. Promete que vai pensar? Eu te ligo em dois dias para te dar a resposta caso você tenha conseguido ou então para brigar com você por não ter tentado.

- Está bem. Eu vou pensar. Agora eu tenho que ir, eu tenho uma casa para limpar. A gente se fala depois tá?

- Certo. Então até terça. Tchau.

- Tchau.

        Desligo o telefone e me deito olhando para o teto. Ela tinha razão era uma ótima oportunidade. Eu não podia simplesmente dizer não só por que eu tinha medo de reencontrar lembranças do passado. E quando falo disso me refiro ao irmão da Jenn e fonte de todos os meus medos e inseguranças: Adam. Talvez ele tenha mudado afinal já se passaram seis anos, ninguém permanece babaca para sempre. Ok. Eu tenho que parar de ser idiota. Algum dia tinha que voltar a vê-lo, eu tenho que parar de fugir e enfrentar essa situação de frente.

        Levantei-me, liguei o laptop e voltei a ler o e-mail que Jenn tinha me enviado há uma semana. Jenn estava trabalhando em uma editora e um dos escritores do seu cast era o professor responsável pela bolsa, Dr. Hunter. Ela havia me indicado sem pestanejar e simplesmente me mandou esse e-mail pedindo que eu entrasse no site da universidade e fizesse minha inscrição, além de responder a um questionário. Bem a minha hora tinha chegado. Depois de alguns minutos preenchendo meus dados cliquei em enviar e aproveitei para enviar meu curriculum para Jenn. Bom para alguém que se graduou em uma universidade digamos pequena, até que meu curriculum não era dos piores, afinal de contas eu fui uma nerd durante os quatro anos na universidade, o que se resume a muito tempo participando de grupos de estudos ou estudando na biblioteca, nada de festas ou pegação. Quer dizer, houve caras, até um namoro nos últimos anos de faculdade. O nome dele era James, ele era doce e gentil, tudo aquilo que um namorado tem que ser até eu pegar ele transando com uma das gostosas da fraternidade em uma das últimas festas antes da formatura. Foi um golpe duro de aceitar, eu chorei durante um tempo, mas no fim das contas eu o perdoei. Hoje em dia, somos amigos, ele era estudante de odontologia e agora tem o seu próprio consultório aqui na cidade. Ele é casado e feliz, pelo menos aparenta isso. Com o tempo eu descobri que as pessoas não são o que elas aparentam ser, elas apenas deixam transparecer para o outro aquilo que as mantém seguras, todo mundo esconde seus medos, suas inseguranças e as tranca bem fundo por que não querem parecer fracas ou inúteis diante dos outros. Eu mesma sou assim. É bem mais fácil quando é assim.

        Após enviar minha inscrição e achar que minhas chances eram mínimas, afinal, eu não era a única me candidatando a vaga. Corri para o chuveiro, tomei um banho rápido, vesti minhas roupas de ginástica e fui fazer minha corrida matinal dos dias de domingo. Ela me fazia bem, meio que me despertava e me ajudava a passar pelo resto do dia. Nós tínhamos um lago aqui na cidade, um dos poucos lugares que as pessoas tinham para desfrutar de momentos de lazer em família, sobre ele tinha uma ponte que dava para estrada. Eu sempre fazia esse percurso de ida e volta da ponte para minha casa. Hoje parecia um dia comum, e apesar das nuvens espessas no céu eu não diria que fosse chover agora. Corri mantendo um ritmo, e sempre me hidratando. Consegui chegar à ponte do lago em 20 minutos, meu novo recorde, considerando que eu tinha que passar por cerca de 10 quarteirões ate que eu não estava tão mal assim no fim das contas. Parei para descansar me recostando um pouco nas grades da ponte e então as lembranças voltaram a minha mente como um turbilhão.

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Domingo de manhã. Ensolarado e feliz. Dia de fazer piquenique no lago. Eu amava o lago e amava aqueles piqueniques. Dou uma olhada na cesta para ver se estava tudo lá: frutas, sucos, sanduiches tudo ok. Minha mãe desceu as escadas apressada. Passou protetor solar em mim pela milésima vez. Eu sei que era preciso, eu era muito branca e se ficasse um pouco exposta logo, logo ficava bronzeada e bom naquela época eu não me importava muito em estar bronzeada. Chegamos ao lago por volta de oito e meia, minha mãe estendeu uma grande toalha rosa e começou o ritual de arrumar todos os alimentos quando uma bola me atingiu mesmo na cabeça. Virei-me com um olhar de ódio quando vi uma menina parada do outro lado, com um olhar de desculpa e correndo em minha direção. Ela tinha mais ou menos a minha idade eu acho, 13 anos, usava um short rosa e uma camiseta de alças finas preta, seu cabelo era castanho e liso e ela tinha grandes olhos castanhos claros, quase cor de mel e assustados.

- Desculpa, meu irmão é um idiota, eu juro que ele não queria fazer isso. Você se machucou?

Bom ela realmente estava preocupada então, eu desfiz meu olhar raivoso e decidir ser educada. Minha mãe estava tão concentrada na arrumação da comida que nem se deu conta do que tinha acontecido.

- Não, está tudo bem, eu estou bem, não precisa ficar me olhando com essa cara como se eu fosse morrer ou algo parecido. - ela riu e estendeu a mão.

- Me chamo Jennifer, mas pode me chamar de Jenn e você?

- Eu sou Sarah. Onde esta seu irmão, acho que ele me deve um pedido de desculpas não? – Jenn riu e se virou em direção a ele.

Ele estava lá parado olhando para nós com um sorriso nos lábios. Ele tinha mais ou menos uns 16 anos e estava de mãos dadas com uma garota linda e loira que deveria ter a mesma idade dele. Eu odiei a forma que ele sorria como se estivesse zombando de mim. Ele era um idiota.

- Bom, digamos que o Adam não é muito de pedir desculpas, ele não costuma fazer isso.

- Ele não costuma pedir desculpas, ou ele não costuma acertar as pessoas com bolas de futebol? – respondi.

Jenn se voltou para mim com um olhar de desculpas de novo.

- Olha, meu irmão é um idiota, pé-no-saco que esta se exibindo para a namorada líder de torcida dele, por favor, vamos esquecer isso e vamos nos divertir, afinal de contas eu acho que acabei de fazer minha primeira amiga na cidade.

Sorri de volta, concordando. Minha mãe finalmente se deu conta do que acontecia ao seu redor e resolveu convidar Jenn para ficar com a gente. Passamos a manhã conversando e rindo. Ela me contou tudo sobre ela, que era nova na cidade, que iriamos estudar na mesma escola, que o pai dela era advogado e a madrasta era uma chata, que a casa dela ficava uma rua depois da minha e que o irmão dela também iria estudar na mesma escola que a gente.

Olhei de volta para ele que agora estava abraçado e sorrindo para a garota loira. Sorrindo daquele jeito até que ele não parecia tão idiota.

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        As gotas de chuva caindo em minha pele, me trouxeram de volta para a realidade. Aquele sorriso tinha me pegado naquele dia sem que eu me desse conta. A lembrança daquela manhã trouxe um aperto no meu coração. Eu era uma criança e ele um adolescente. Mais depois de um tempo houve momentos que a nossa diferença de idade passou a não importar mais.

Eu só quero vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora