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"Às Vezes eu quero desaparecer"

Houdini – Foster The People

- Por que você não tem dormido? - Pergunta a psicóloga.

Por que ás vezes eu o vejo. Consigo ver seu sorriso maligno e desesperado quando ele ficou sozinho em casa naquela manhã. Consigo vê-lo comemorar sem nenhum salto de alegria por finalmente ter chegado o dia. Então eu o vejo tomando os comprimidos. Vejo-o desligando o celular e se deitando na cama.

Vejo-o se questionar se deveria mandar uma mensagem se despedindo. Vejo-o sufocar, vejo-o sentir dor. Vejo-o se sentir corajoso.

- Você não quer me dizer?

Como eu poderia lhe contar, todas as imagens terríveis que vem a minha cabeça ao pensar no momento que encontraram o corpo dele? Imagino alguém o pegando no colo, e perguntando por que ele fez o que fez. Eu não os culpo por se questionar, eu também queria tanto saber por que ele não continuou aguentando. Então imagino as lágrimas escorrendo e caindo sobre seu corpo sem vida. Ele não consegue mais respirar. Logo então nem eu.

- Tudo bem. Não precisa me dizer.

Olho para os lados. Não consigo encará-la. Acho que se ela vir no fundo dos meus olhos ela vai saber o que penso.

- Você se culpa pela morte dele?

- Sim. – Eu respondo sem antes pensar. Merda.

- Você gostaria de tê-lo salvado?

O alarme toca. Não digo mais nada. Ela já sabe a resposta.

- Como foi? - Pergunta minha mãe.

Ela está sentada no canto lendo. Não quero encará-la pois sei que seus olhos exigiram uma resposta.

- Foi normal.

Sei que minha mãe não está sorrindo, sinto seus olhos me dissecarem enquanto meus músculos enrijecem diante da profunda análise. Sei que ela está me encarando em busca de respostas.

Encaminho-me para o banheiro. Tudo bem. Vou tomar banho. Vou deixar minhas lágrimas se misturarem com a água do chuveiro, e escorrerem pelo corpo que tanto desprezo.

Acabo não fazendo o planejado. Não consigo chorar. Algo dentro de mim está preso. Fico apenas encarando as paredes do banheiro.

Saio do banheiro e me deito na cama depois de me vestir. Minha cabeça dói, lateja um pouco acima da minha sobrancelha direta e empurra meu olho para fora. Espremo-o. Minha pele está quente. Não sei se pelo banho ou se estou com febre. As dores de cabeça ficaram piores depois que ele se foi. Sinto que minha pele queimar a ponto de se dissolver em fumaça.

Bem que eu gostaria.

- Está tudo bem? – Minha mãe aparece na porta do quarto. Olhando-me com piedade. Sorrindo sem mostrar os dentes. Ela me conhece. Ela já sabe minha resposta. – Vem comer pelo menos.

Ela alarga o sorrindo, as maçãs de seu rosto sobem, e seus olhos ficam espremidos. Sento-me na cama e espremo os olhos também. Ela sabe o que está acontecendo.

Sento-me no sofá com o prato sobre a almofada. Alguns minutos atrás enquanto eu revirava as panelas escolhendo o que comer minha mãe veio me entregar os comprimidos para dor de cabeça. Ela não trouxe copo com água, ela sabe que eu não consigo engolir assim. Ela me entende. Ela age de maneira harmoniosa, ela quer o meu bem. Amo a minha mãe.

Com o controle remoto em uma das mãos, e o garfo em outra, eu passeio pelos canais. Comendo e procurando algo para gastar meu tempo. Olho títulos e leio sinopses.

Um chama minha atenção. Parece familiar.

Clico nele.

Minha cabeça lateja firmemente. Sinto como uma pancada direto no olho. Lembro-me do quarto de blue, lembro-me dos pôsteres na parede. É o filme favorito dele.

Pelo o celular, vou direto para o chat com ele. Digito apressadamente.

Está passando seu filme fav na TV!!

A mensagem marca como enviada. Nunca marcará como recebida. Blue está morto. Seu visto por último marca alguns minutos antes dele comer suicídio. Desligo a tela e jogo o celular para o canto.

Não vou chorar. Não vou chorar. Não. Vou. Chorar.

A lagrima foge de meus olhos e corre pela minha bochecha. Caindo sobre o prato. Desisto de comer.


Espíritos AzuisOnde histórias criam vida. Descubra agora