Porque
as pessoas
já não fazem rituais em torno de carvalhos. E, agindo de uma
maneira que pode
parecer
absurda, você toca algo profundo em sua alma, em sua parte mais antiga, mais próxima da origem de tudo. É verdade. Eu perguntei o que sabia e
recebi a resposta
que
esperava. Preciso aproveitar melhor cada minuto ao lado dele. Hora
de sair daqui
diz
J., de forma abrupta. Olho o relógio. Explico que o aeroporto é perto,
poderíamos continuar conversando mais algum tempo. Não
estou me referindo a isso. Quando
passei pelo que você está vivendo, encontrei a resposta em algo
que aconteceu antes
que eu nascesse. É o que estou sugerindo que faça.
Reencarnação? Ele sempre
desestimulara visitas às minhas vidas passadas. Já
fui ao passado. Aprendi por
mim
mesmo, antes de conhecê-lo. Conversamos sobre isso; vi duas
encarnações: um
escritor francês no século XIX e um... Sim,
eu sei. Cometi
erros que não posso
consertar
agora. E você me disse que não tornasse a fazer isso, pois só iria
aumentar minha
culpa. Viajar a vidas passadas é como abrir um buraco no solo e
deixar que o fogo
do andar de baixo incendeie o presente. J. atira o que restou da
pera aos pássaros
no jardim e olha para mim, irritado: Não
diga bobagens, por favor. Não me faça
acreditar que realmente tem razão e que não aprendeu nada
durante esses 24 anos que
passamos juntos. Sim, eu sei do que ele está falando. Na magia e
na vida há
apenas o momento presente, o AGORA. Não se mede o tempo como se calcula a distância entre dois pontos. O "tempo" não passa. O ser humano
tem uma gigantesca
dificuldade
em se concentrar no presente; está sempre pensando no que fez, em como poderia ter feito
melhor, quais as
consequências dos seus atos, por que não agiu como deveria
ter agido. Ou então se preocupa com o futuro, o que vai fazer
amanhã, que
providências devem ser tomadas, qual o perigo que o espera na
esquina, como evitar
o que
não deseja e como conseguir o que sempre sonhou. J. retoma a
conversa. Portanto,
aqui e agora você começa a se perguntar: existe realmente algo
errado? Sim, existe.
Mas neste momento você também entende que pode mudar seu
futuro trazendo o passado
para o presente. Passado e futuro existem apenas em nossa
memória. "Mas o momento
presente está além do tempo: é a Eternidade. Os indianos usam a
palavra "karma", na
falta de algo melhor. Mas o conceito está mal explicado: não é o
que você fez
na sua vida passada que vai afetar o presente. É o que você faz no
presente que
redimirá o passado e logicamente mudará o futuro." Ou
seja... Ele faz uma pausa,
cada vez mais irritado por eu não conseguir entender o que está
tentando me
explicar. Não
adianta ficar aqui usando palavras que não querem dizer nada. Vá
experimentar.
Hora de você sair daqui. Reconquistar o seu reino, agora
corrompido pela rotina.
Chega de repetir sempre a mesma aula, não é isso que o fará
aprender algo novo.
Não
se trata de rotina. Estou infeliz. O
nome disso é rotina. Você acha que
existe porque está infeliz. Outras pessoas existem em função de seus problemas e vivem falando compulsivamente a respeito deles: problemas com
filhos, marido,
escola, trabalho, amigos. Não param para
pensar: eu estou aqui. Sou resultado de tudo o que aconteceu e acontecerá,
mas estou aqui.
Se fiz algo de errado, posso corrigir ou pelo menos pedir perdão. Se
fiz
algo correto, isso me deixa mais feliz e conectado com o agora. J.
respirou fundo
antes de completar: Você
não está mais aqui. Hora de sair para voltar de novo
ao presente.
ERA O QUE EU TEMIA. HÁ ALGUM TEMPO ELE vinha dando a
entender que estava na hora de
me dedicar ao terceiro caminho sagrado. Entretanto, minha vida
mudara muito desde
o longínquo ano de 1986, quando a peregrinação até Santiago de
Compostela me levou
a encarar meu próprio destino, ou o "projeto de Deus". Três anos
mais tarde eu
segui o Caminho de Roma, na região onde estávamos agora, um
processo doloroso,
entediante, que me obrigou a passar 70 dias fazendo na manhã
seguinte todos os
absurdos
que sonhara na noite anterior (lembro que fiquei quatro horas em
uma parada de
ônibus, sem que nada de importante acontecesse). Desde então, havia obedecido com disciplina a tudo o que meu trabalho exigisse. Afinal de contas, era
minha escolha
e minha bênção. Ou seja, passei a viajar como um louco. As
grandes lições que
aprendi foram justamente aquelas que as viagens me ensinaram.
Melhor dizendo,
sempre viajei como um louco, desde jovem. Mas, recentemente, eu parecia estar vivendo
em aeroportos e hotéis e
o sentido da aventura estava cedendo lugar a um profundo
tédio. Quando reclamava que não conseguia ficar muito tempo em
um lugar só, as
pessoas se espantavam: "Mas viajar é tão bom! Pena que eu não
tenho dinheiro para
isso!"
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Aleph
RomanceTítulo original: O Aleph copyright▪2010 por Thaynara Dias Todos os direitos reservados.nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito dos editores. para J., que me mantém camin...