@JorgeCoelho6 - SNIFF

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As noites começam mais cedo quando você está suando frio. Eu tive um pesadelo e foi o mais real de toda a minha vida patética. Alguns chamam de “pesadelo de catapulta” porque a pessoa levanta de vez como se estivesse sendo lançado, porém nem força pra isso eu tenho. A fadiga me consumia ao mesmo tempo em que eu me sentia agitado, o nariz escorria um pouco e eu fungava tentando controlar.

Sniff!

A garrafa de uísque barato que eu arrumei pra tentar me distrair já estava chegando ao fim e na televisão muda algum pornô mostrava as mesmas posições de sempre, eu não estava prestando atenção. Eu estava pensando em quantos amores deixei de viver por não saber largar a garrafa.

Mas o álcool sempre foi o menor dos meus problemas.
Embora não estivesse fazendo muito frio, o vento que entrava pela janela me doía os ossos enquanto eu caminhava de um lado para o outro decidindo o meu próximo passo. Talvez os meus velhos amigos tivessem as respostas, mas boa parte estava morta e só eu restava para contar a história.

Um por um eles desapareceram, alguns morreram de verdade e outros eu apenas desejava que estivessem mortos para que, só assim, eu pudesse sentir que não precisava ter raiva de todos eles. Mas a vida não é assim tão simples quando você tem vinte e seis anos e nenhum amigo pra te ajudar.

Sniff!

Meu estômago roncava, mas eu não tinha a capacidade para fazer nem mesmo um sanduíche. Estava elétrico e meu corpo sentia falta de outra coisa. Ou de outras coisas... As festas, a música alta, os comprimidos, as garotas. Aqueles sorrisos capazes de deformar o rosto, tão abertos, tão fora do comum.

Não era bem comida que eu queria, talvez eu quisesse alguém pra comer, ou talvez eu só quisesse a euforia. Mas era preciso parar com aquilo, ou eu perderia o emprego, eu não poderia pagar o aluguel e fazer a feira do mês. Era preciso parar ou eu não seria capaz de funcionar como um ser humano normal!

— Sinto muito, Ramon. — A gostosa do RH me diria sem mais delongas e eu estaria oficialmente demitido. O único motivo para ela sentir muito era o fato de que, assim como eu, ela não conseguia ficar longe dos perigos da noite. Ela só era mais esperta que eu. Ela só era... Não sei.

De vez em quando você simplesmente acorda e resolve que quer mudar. Como um cachaceiro qualquer durante uma ressaca, você diz as palavrinhas mágicas que dizem que você é um perdedor. Você diz, “eu nunca mais vou usar essa merda” e no mesmo dia está usando de novo. É um ciclo de afirmações e reafirmações que apenas servem para te frustrar.
A gostosa do RH é dessas. Depois de uma noitada ela acordava e dizia pra mim que dali em diante nunca mais iria acontecer. Não que eu soubesse se alguma coisa tinha acontecido ou não... Vê? Depois de uma noite misturando de tudo, você apaga e acorda cara a cara com uma garota que é duas vezes mais do que você um dia sonhou em comer... Mas você não sabe se comeu ou não. A sua memória está bagunçada e você nem sabe qual foi a última vez que viu seu pau subir quando estava sóbrio.

Você já não sabe o que é estar sóbrio... Sniff!

Na minha televisão a posição continuava a mesma, eu já não precisava do som para saber quais são os gemidos e em que cadência eles saem. Quando você chega a certos níveis de apatia, não importa se estão decapitando uma pessoa na tua frente ou apenas afogando o ganso num filme que poderia ser qualquer outro que saiu no mês anterior. Cansado de ver bocetas e paus diferentes interagindo sob os mesmos ângulos, eu arranco a tomada e observo enquanto tudo fica escuro na tela de trinta e duas polegadas.

Com os fones de ouvido e o casaco, eu saí de casa com cara de poucos amigos. Cada passo doía, como se minha perna tivesse sido amaciada com um martelo apenas dois minutos antes. Eu não sabia bem o que queria fazer, mas a música antiga me deixava um pouco eufórico, a abstinência dava vontade de eu me matar. Cada ônibus que passava me dava essa mesma ideia... Mas eu tenho outro propósito na vida, até naquele momento eu sabia disso.

A verdade é que estava em minhas mãos a solução para todos os meus problemas momentâneos e mesmo assim eu só conseguia pensar em todos os amigos que me diziam que eu não poderia colocar um cigarro sequer na boca, ou viciaria pra sempre. Isso nunca aconteceu. Viciar em cigarros... É um vício muito ridículo para colocar no meu caderninho de conquistas.

Dobrei várias esquinas como se estivesse tentando esconder alguma coisa, mas estava tudo na cara. Estampado no rosto das mulheres que se afastavam e dos homens que me olhavam com nojo. Fazia tempo que eu não fazia a barba ou penteava os cabelos.

Eu queria a coisa real! Experimentei de tudo. Vi de tudo! Eu vi caras chupando o traficante pra conseguir mais uma picada... Testemunhei com meus próprios olhos fundos, que as olheiras hão de comer, pessoas trocando objetos de valor por alguns comprimidos de ecstasy. Todos eles queriam a coisa real! Por um instante eu me perguntei se a gostosa do RH também precisava fazer alguma dessas coisas, mas acho que não... Ela não faz esse tipo. Ela é limpa. Ela não sabe onde é que o sapato aperta.
Eu nem sei o nome dela, pra falar a verdade. Assim como não sei o nome do cara alto e musculoso que pegou das minhas mãos a TV de trinta e duas polegadas e me deu umas petecas de coca. Não sei e não faço questão de saber. Numa tela de trinta e duas polegadas dá pra ver os detalhes mais inúteis de um pau de vinte e dois centímetros, mas pornografia não é a coisa real!

Mergulhei o mindinho naquele pó branco e aproximei do nariz.

SNIFF!

Relatos de Um ViciadoOnde histórias criam vida. Descubra agora