Relatos de Um Viciado

@gabriele1145 Perdas

Uma simples rodada de pôquer em uma festa de aniversário de um dos funcionários da empresa foi o suficiente para me fascinar por esse mundo.

Comecei a procurar por lugares em que pudesse participar e os encontrei. Após cinco anos, eu já era conhecido como um dos melhores jogadores de pôquer, da minha cidade, recebia várias ligações para enfrentar um novo jogador.

Tudo ia muito bem, pelo menos era o que eu pensava… Passei a perder, mas não foi nas rodadas de pôquer. 

Começou com o meu emprego, eu já não era mais o funcionário do mês, não realizava minhas funções na empresa, o esperado aconteceu fui demitido.

O que veio depois foi o fim do meu casamento. Por acreditar que o jogo não me fazia mal algum passei a brigar com quem apenas queria o meu bem. Foi aí que veio o divórcio. Completamente preso em um labirinto sem fim, pensando viver em um paraíso enquanto tudo ao meu redor desmoronava sem que eu conseguisse perceber, perdi a mulher que tanto amei.

E a vida tentando me fazer enxergar levou a minha princesa de apenas cinco anos. Os jogos, que participava, não eram apenas em galpões. Comecei a jogar virtualmente também. Nós dois estávamos indo para um parque após minha ex-mulher ter me ligado e mandado mensagens várias vezes dizendo que a pequena Nicolle queria muito ver e brincar comigo.

Eu cometi erros durante essa ida ao parque. Esqueci de apertar o sinto da cadeirinha e enquanto fazia um cruzamento peguei o celular, indo realizar a última jogada para ganhar mais uma rodada. Foi aí que escutei um grito da Nicolle me chamando, mas não deu tempo de fazer nada quando olhei para ela um carro já estava prestes a bater no meu e bateu forte na traseira, fazendo com que minha princesa fosse arremessada sem que eu pudesse fazer qualquer coisa. Ela poderia ter resistido se estivesse com o cinto. Foi isso que os paramédicos disseram ao chegar ao local.

Eu me perdi ainda mais depois do acidente. Procurei esquecer aquele dia com jogos, um atrás do outro.

Certo dia, durante um jogatina, senti uma tontura e apaguei e quando acordei, estava em um hospital. Ouvia os sons que saiam dos aparelhos ligados a mim. Ao olhar ao redor, percebi que havia uma bolsa em cima de uma poltrona no canto da sala. 

Não demorou muito e vi uma mulher entrando no quarto mas, não era qualquer mulher e, sim, aquela por quem me apaixonei e havia prometido no dia do casamento amar e respeitar, algo que deixei de fazer quando comecei a jogar. Ela se aproximou, sentando em uma cadeira posta ao lado da cama. Consegui notar seus olhos vermelhos e não tem como negar que estava chorando. Haviam algumas rugas se formando em seu rosto mas, nada disso tirava sua beleza.

— Roberto? - Saí dos meus pensamentos com ela me chamando.

— Me desculpe, o que houve Vitória? — ela balançou a cabeça, me dando um pequeno sorriso.

— Não se lembra de nada?! — olho para ela e faço que não — Tem certeza?

—Apenas que estava no meio da partida quando senti uma tontura e tudo ficou escuro. — Ela esticou seu braço e segura uma das minhas mãos.

— Acho que chegou a hora de você parar com esses jogos…

Quando ela segurou minha mão e olhou no fundo dos meus olhos, percebi que era algo muito sério que ouviria. E foi justamente o que pensei. Escutei em silêncio até ela terminar de falar.

— Então é isso, ela voltou?! — Vitória não me olhou nos olhos de novo apenas, assentiu com a cabeça. — Vou ter que passar por toda aquela merda de novo?

— Se quiser viver, sim ou pode escolher continuar perdido nesse vício! Ela voltou, você nem se deu conta… — Agora, ela não estava mais ao meu lado segurando a minha mão havia se levantado, e me dado as costas.

Eu fechei os olhos e respirei fundo começando a falar:

— Você estava comigo no dia que o médico me disse que estava de remissão. Lembra do que ele falou? A leucemia tinha ido embora mas, se ela retornasse havia a possibilidade de não conseguir resistir… — Não consegui terminar de falar, pois a Vitória me interrompeu.

— CALA A BOCA ROBERTO, eu já devia ter feito isso há muito tempo. Talvez se tivesse feito, não estaríamos aqui agora… poderíamos estar casados ainda e não teríamos perdido a nossa filha!

Pela primeira vez depois de muito tempo da morte da Nicolle, pude perceber o quanto a Vitória ficou mal. Abri a boca para tentar falar mas, ela não deixou:

— Ainda não terminei de falar! Eu fui covarde. Era meu dever ter lutado para salvar nosso casamento! Prometemos a Deus e ao mundo que iriamos amar e respeitar um ao outro… ficarmos juntos até o dia da morte. Mas, não fui forte para ficar ao seu lado e tentar fazer você sair do buraco sem fundo que se enfiou! Nós já perdemos nossa menina por conta disso e, agora, eu posso perdê-lo de vez se sua ideia for deixar isso te consumir…

Ela não conseguiu terminar de falar ali na minha frente. A mulher que sempre vi ser forte se desmanchou em lágrimas. Eu também não soube o que falar e quando pensei em algo, o médico que me disse estar curado entrou no quarto.

— Senhora Vitória, peço que saia preciso falar com o Roberto. — Ela nem ousou olhar para mim, foi até o sofá pegou a bolsa e bateu a porta — Vocês brigaram?!

— Não, apenas recebi de uma vez o que deveria ter acontecido há muito tempo…

—  Está lembrado do que te falei, quando contei que a Leucemia havia ido embora?

— Sim, me lembro como se fosse hoje!

Viro-me para a janela do quarto, não quero mais saber de nada… afinal, eu já não tenho nada!

— Eu também havia avisado que se não cuidasse da sua saúde quando ela retornasse, a cura seria por um milagre… Você continuou os primeiros anos se cuidando certo, o que aconteceu?!

O vício aconteceu, não queria aceitar mas, agora é inevitável! Além da perda daquelas que amo, perdi a segunda chance de viver que tinha ganhado.

— Roberto! Saiba que farei de tudo para ajudar mas, é preciso que você queira também.

Será, que ainda tenho mais uma chance?

— Eu aceito sua ajuda…