@Mrs1alc Reaprendendo a Viver

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Gostaria de dizer que a minha vida teve mais significado do que ela realmente teve.

    Gostaria de dizer que depois de uma árdua luta eu finalmente consegui voltar para a faculdade e por fim me formar.

    Já parou para pensar em quantas coisas poderiam ter sido e não foram? 
As vezes, como no meu caso, é uma questão de tempo.

    Sim, eu gostaria de ter mais tempo. Aliás, tenho pensado nisso com todas as forças possíveis em todos os momentos.

    No entanto, sinto que meus segundos estão se esvaindo. A areia na ampulheta está descendo depressa demais.

    Minha mãe evita falar sobre o assunto. Para dona Luisa é vergonhoso dizer que a Marina, que tinha tudo para ter sucesso na vida, acabou se perdendo nas drogas.

    Eu sinto muito se eu te decepcionei mãe. Perdão por não ter sido do jeito que você queria. Sei que você falou comigo, sei que me ligou desesperadamente dia após dia e eu não te dei ouvidos.

    Nas ruas, a vida não é fácil. O frio, a fome, o desespero. Pra cheirar nos tornamos animais.

    Me lembro de quando tinha 16 anos e queria visitar o mundo, conhecer outros países. Ficava olhando os desfiles na TV e sonhava em um dia ser tão bonita. O que eu vejo hoje são cabelos que passam a maior parte do dia despenteados, dentes que aos poucos foram apodrecendo e um corpo que poderia muito bem pertencer a um esqueleto ambulante.
    Hoje não sou nem um reflexo da pessoa que eu era. Não amo ninguém, não tenho nada além de mim mesma.

    Há alguns dias, Bia veio me procurar. Disse que me ajudava, era só eu querer. Disse que eu poderia mudar de vida, quem sabe voltar a estudar. No fim das contas, perguntei para ela se tinha dinheiro para me emprestar.

    – Você acha que eu não sei o que você quer com dinheiro, Marina? Volta pra casa, mamãe sente sua falta.

    Dei de ombros. Eu não tinha mais nada para fazer lá.
    Era um ciclo vicioso. Eu voltava pra casa, tudo ficava bem. Alguns meses mais tarde, aparecia um ou outro conhecido e me oferecia um baseado.

    – Um só, que mal vai fazer? – perguntava o cara, rindo da minha cara. – Eu sei que tu sente falta desse aqui.

    E então começava tudo outra vez. Roubo atrás de roubo, só pra conseguir aquele maldito "só mais um".
    A vida na rua não é como na casa da mãe. Quando a gente se dá por conta, está comendo com gosto o pão que o Diabo amassou por que senão morre de fome. E sentir fome, meu amigo, te faz perceber em que ponto tu chegou.

    Esses dias briguei feio com um mendigo por causa de um pedaço de pão. Acabei com um belo de um roxo no rosto, ele não se contentou em me xingar e me deu um soco.
    Ontem, levei outra surra. Dessa vez por que estava devendo. Os caras eram da pesada e queriam o dinheiro de qualquer jeito. Como eu não tinha nada, acabei com uma faca enfiada no estômago.
    Agonizei a noite inteira até de manhã cedo o lixeiro me encontrar.

    – Oi menina, o que houve? – ele perguntou, com cara de preocupado.

    – Hospital... – foi tudo o que saiu da minha boca. Depois, tudo escureceu.

    Quando acordei hoje de manhã, estava em um hospital, com um monte de curativos espalhados pelo meu corpo. A dor era de matar.
    Olhei em volta, não vi ninguém conhecido.

    – Marina Rocha? – perguntou uma enfermeira assim que colocou os olhos em mim.

    Levantei o dedo, não tinha forças nem para falar.

    – Sua mãe chega em 10 minutos. Você é uma pessoa de sorte, sabia? Pelo tempo que ficou com esse corte assim poderia ter morrido.

    Assenti com a cabeça. Eu estava sentindo frio, mesmo que lá fora o sol estivesse a toda.
    Como a enfermeira disse, mamãe chegou depois. Estava eufórica.

    – Ah meu deus, Marina! – ela disse, e eu vi que minha mãe era pura preocupação. – Eu prometo que eu nunca mais vou te abandonar, menina!

    Eu sorri. Sorri por que ela não tinha me abandonado. Sorri por que minha mãe ainda me amava.
    Naquele momento, prometi a mim mesma que a coisa iria ser diferente. Que eu nunca mais iria roubar pra cheirar.
     Naquele momento, como em poucos na vida, eu ainda tinha tempo de fazer a coisa certa.

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